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Forte Apache

Norte: Do Imaginário ao Real

Fernando Moreira de Sá, 09.02.12

 

 

Por estranho que possa parecer, concordo com boa parte da opinião de Alberto Gonçalves (disponível na edição em papel) na Sábado de hoje, “O Norte Imaginário”. Mais, é um texto de leitura obrigatória para todos aqueles, como eu, que defendem a Regionalização. Porquê?

 

Simples, as críticas duras que aponta aos defensores da Regionalização, pelo menos a boa parte deles, é justa. O autor da prosa começou por expor o centralismo de forma correcta. Destaco: “O centralismo, velho de séculos e nas recentes décadas insultuoso, nota-se”.

 

Contudo, Alberto Gonçalves sublinha um ponto fundamental: “Graças à apropriação de uma desmesurada parcela das maiores fontes nacionais de riqueza, leia-se os impostos e os fundos europeus, Lisboa tornou-se comparativamente próspera face ao Porto e crescentemente indiferente face às lamúrias do Porto. O engraçado, para quem se diverte com o infortúnio alheio, é a ocorrência de um processo simultâneo e similar entre o Porto e o Norte de facto”. Esta afirmação final é, por muito que custe, profundamente verdadeira e explica o motivo pelo qual boa parte dos responsáveis políticos nacionais nascidos nesse “Norte de facto” a que se refere, chegados a Lisboa e alçados ao poder são os mais centralistas dos centralistas.

 

A mudança só serve se for para melhor. Para quem, como eu, acredita que a Regionalização é um caminho de mudança, mais, é “o caminho” e sendo eu nado e criado no Porto, não posso deixar de defender que a Regionalização, no que toca ao Norte, só pode ser realizada se, e só se, o Porto não representar para a Região o que Lisboa representa para o país. Trocando por miúdos: o Porto não pode nem deve ser a capital da Região.

 

Alguns amigos discordam e comparam logo com Barcelona e a Catalunha. Um deles vai mais longe, “Norte não é região, Norte existe em qualquer país e nenhum se apelida de tal e nenhum evita que a sua principal cidade seja a capital regional”. Até pode ser verdade. Porém, e volto a citar o artigo da Sábado, “O importante é não esquecer que, afinal, somos todos portugueses. E que o mal é esse”. O Porto, até pelas suas características e pela sua história, sendo a capital da Região seria, não tenho dúvida alguma, uma espécie de segunda Lisboa a secar tudo à volta. Já agora, e uma vez mais olhando para a história, o Norte nunca teve uma capital, permitam-me a expressão, certa. Num determinado sentido temos Braga, numa determinada lógica temos Guimarães e num outro contexto temos Porto. Hoje, se queremos uma Região verdadeiramente descentralizada e tendo presente que terá sempre de existir uma capital administrativa, só a consigo ver em Vila Real. Olhem para a Galiza: o motor é a Corunha, o coração é Vigo e a capital é Santiago.

 

Mas, referem outros, o Porto é já uma marca perfeitamente reconhecida internacionalmente, está minimamente consolidada. Por isso mesmo. O Porto não precisa de ser capital para se afirmar regionalmente, nacionalmente ou internacionalmente. A Região precisa, o Minho precisa, o Douro e Trás-os-Montes precisam. Tal só acontecerá se o Porto tiver a inteligência de não querer ser uma espécie de ralo – como se tornou Lisboa.

 

Da mesma forma, não será por mero acaso que o Porto Canal, uma televisão nascida no Porto, se preocupa em “regionalizar-se” investindo na abertura de centros operacionais em Braga, no Alto-Minho, no Douro ou em Aveiro. Os novos proprietários cedo perceberam (e bem) que só operando nos diversos polos da Região poderá o canal ter sucesso. Limitando-se ao Porto, falha. E que dizer a este reposicionamento do Jornal de Notícias (a partir do dia 19 de Fevereiro)? Hoje mesmo, o maior diário do Norte apresentou a sua nova estratégia. Qual? Assumir-se como um jornal do Norte e não apenas como um diário do Porto – a nova assinatura diz tudo: “Jornal de Notícias – A Pronúncia do Norte”. É aqui, a Norte, que o JN se pode e deve afirmar. Para o fazer com sucesso terá de estar próximo da população, terá de noticiar o que se passa em Braga, Guimarães, Viana do Castelo, Vila Real, Chaves, Lamego e Bragança, sem esquecer Coimbra, Aveiro e Viseu. O Grande Porto é importante? Claro. Mas não só. E cito estes dois exemplos como poderia citar outros. Estes são os que conheço melhor e são os que primeiro despertaram para esta realidade – as crises são vantajosas nestas coisas.

 

Depois, muito à portuguesa, o autor do artigo da Sábado fulaniza. Não vou por aí. Aliás, não é nada de novo. Aqueles que criticam a regionalização aproveitam sempre a “fulanização” como estratégia. Assim evitam que a discussão se faça onde deve ser feita, no campo das ideias. Sobretudo, evitam ter de explicar algo muito simples: o motivo pelo qual Portugal é, hoje, o único país onde não se realizou um processo de regionalização administrativa – o outro era a Grécia, o FMI tratou do assunto. Pelo menos tentou.

 

Termino com uma palavra a alguns “comentadores de caixa” habituais sempre que escrevo sobre o tema. Dois deles, pelo menos, referem sempre esta questão do Porto centralizador. Espero que com este post percebam que, comigo, não vale a pena essa crítica. É que eu reconheço-a. Com a autoridade, salvo seja, de ser um portuense “retinto”.