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Forte Apache

Ai Hollywood, ai, ai.

Francisca Prieto, 11.03.13

 

Tinha gravado a versão condensada dos Óscares e, embora já estivesse devidamente a par dos laureados, só agora consegui ver.

Aconteceu mais uma vez um fenómeno para o qual não encontro explicação. Diria que é mais ou menos assumido para a comunidade cinematográfica que, salvo honrosas excepções como O Artista no ano passado, os Óscares visam premiar filmes de origem anglo-saxónica, ressalvando a existência de uma estatueta para o Melhor Filme Estrangeiro. Fair enough.

 

O que baralha o sistema e vem trazer situações de desconforto perfeitamente evitáveis são as nomeações de actores em filmes estrangeiros para as categorias de melhor performance que são depois, invariavelmente, preteridos a favor de gente que ainda tem muita sopa para comer nas cantinas do ofício.

 

Lembro-me do exemplo gritante da nomeação de Fernanda Montenegro, em 1999, pela actuação em Central do Brasil. Dora é, para qualquer actriz, a personagem de uma vida e Fernanda Montenegro fá-la crescer pelo filme fora. Logo aos primeiros dez minutos deixamos de reconhecer a senhora que nos entrava pela casa em historietas de novela e somos apresentados a uma mulher amargurada pela vida que desenvolve uma improvável amizade com uma criança de dez anos.

O Óscar foi parar às mãos de Gwyneth Paltrow, por Shakespeare in Love. A rapariga não ia mal, mas não são actuações comparáveis e se não era para oferecer o galardão a Fernanda Montenegro, mais valia nem a terem nomeado, que até era uma coisa de que ninguém estava à espera. Poupava-se o constrangimento de ver uma grande senhora a ser injustamente ultrapassada.

 

Este ano, o fenómeno bisou de forma igualmente gritante. Se era para dar o Óscar a Jacki Weaver, por que cargas de água resolveram meter Emmanuelle Riva na lista das candidatas? Quem viu Amour assistiu a uma actuação de excelência num papel impossível. O filme ganhou o prémio de Melhor Filme Estrangeiro e estava muito bem assim, não era preciso expor uma digna octagenária a um tal carnaval.

 

Um estrangeiro ser nomeado para um Óscar é uma honra. Mas perder o prémio para um americano que está vários furos abaixo pode ter um efeito perverso.

 

 

Colegas

Francisca Prieto, 27.02.13

 

Estreia amanhã no Brasil o filme “Colegas”. Tive o privilégio de o ver em primeira mão, há um par de meses, no decorrer do Festival de Cinema de São Paulo, com direito a intervenção do realizador no final da fita.

Ganhou o Grande Prémio do Público.

 

Optei por não colocar aqui o trailer por me parecer que é redutor na medida em que se limita a apresentar um grupo de adolescentes com Síndrome de Down a fazerem palermices.

 

Marcelo Galvão, provavelmente por ser sobrinho de um portador da síndrome, conseguiu construir uma divertidíssima história com o olho e o par de ventrículos que só está acessível a quem convive de perto com estas pessoas. Chegou lá, à desarmante ironia e ao refinado sentido de humor, à pretensa ingenuidade que, por ser subestimada, raramente é tomada por inteligência pura.

 

Para nós, portugueses, há uma cereja inesperada a esborrachar-se no topo do bolo: o Rui Unas (actor com quem nem simpatizo particularmente) apresenta-se de forma hilariante a fazer de detective português.

 

Aplaudo a estreia do filme, como aplaudi de pé a sua apresentação, no meio de uma plateia de adolescentes trissómicos brasileiros, bonitos, espertos, bem arranjados e divertidos. E fico à espera que passe por cá.

 

Noite dos Óscares

Dita Dura, 24.02.13

Na noite dos Óscares, deixo aqui as minhas escolhas pessoais. Tendo visto todos os filmes, com excepção do melhor filme estrangeiro e de animação, observo que este foi um ano de grandes produções em películas de mais de duas horas. Django Unchained é puro entretenimento, numa mistura de western spaghetti com Kill Bill; Lincoln é uma lição de história americana para quem tiver paciência; Argo é espionagem e acção num filme intermitente; Zero Dark Thirty é a desilusão do ano; Les Misérables é a supresa de vermos o Hugh Jackman e o Russel Crowe a cantarem; Silver Linigs Playbook é um argumento modesto com interpretações geniais; Life of Pi é a produção espectacular e fiel ao livro; Amour é o orgulho europeu sobre um tema polémico; e Beasts of the Southern Wild o ressurgimento do neo-realismo num filme surpreendente.

 

 

Melhor Filme: "Django Unchained"

 

Melhor Realizador: Ang Lee por "Life of Pi"

 

Melhor Ator Principal: Bradley Cooper em "Silver Linings Playbook"

 

Melhor Atriz Principal: Quvenzhané Wallis em "Beasts of the Southern Wild"

 

Melhor Ator Secundário: Robert De Niro em "Silver Linings Playbook"

 

Melhor Atriz Secundária: Anne Hathaway em "Les Misérables"

 

Melhor Argumento Original: Django Unchained

 

Melhor Argumento Adaptado: Beasts of the Southern Wild

A importância dos pormenores

Joana Nave, 02.10.12

Um pormenor tem, ou não tem importância? Existirá por certo muita divergência na resposta a esta pergunta. O pormenor é um detalhe, algo que pode ser acessório ou fulcral, dependendo do contexto em que se aplica. Por um lado, associa-se a característica do pormenor a uma pessoa que se perde em detalhes, por outro, a alguém que lhes dá valor. É tudo uma questão de perspectiva.

Estar atento a pormenores pode ser uma real perda de tempo, onde se deixa de ser objectivo para dar destaque ao que é supérfluo. Contudo, há momentos que se traduzem em pequenos pormenores, que fazem toda a diferença e que perpetuam lugares, palavras e gestos. Um pormenor pode não significar nada, pode ser banal, mas também pode ser um marco decisivo numa vida singular.

No indie Lisboa deste ano passou um filme – The Loneliest Planet – em que um pormenor muda radicalmente a vida de um casal, como descrevi num artigo que escrevi sobre o festival e que agora transcrevo: “O The Loneliest Planet de Julia Loktev é um filme surpreendente, que nos remete para as bonitas paisagens das montanhas do Cáucaso, na Geórgia, onde um jovem casal, alguns meses antes do casamento, resolve passar umas férias. A paixão que os envolve é notória desde o primeiro instante, mas há um momento no filme, um momento singular, que muda todo o rumo da história e coloca em causa tudo o que até então unia este casal. Neste enredo, a importância de certos gestos, aliada aos impulsos inerentes a qualquer ser humano, revela a complexidade e fragilidade das relações humanas e deixa-nos a pensar...”

Eu gosto de pormenores, tanto dos acessórios como dos fulcrais. Gosto de esmiuçar o sentido das coisas, de lhes captar o odor, a essência, de as sentir. Por vezes, perco-me no meio de tanto detalhe, torno-me subjectiva, redundante, mas é nos pormenores que encontro a beleza que liga tudo o que existe no universo, porque valorizo cada partícula como fazendo parte de um todo em que estamos inseridos.

A minha vida dava um filme do Woody Allen

Joana Nave, 25.08.12

A minha vida dava um filme do Woody Allen, uma verdadeira tragicomédia com todos os ingredientes do drama e da comédia. Sou uma grande fã do cineasta e tenho um ficheiro em excel com toda a filmografia, onde vou anotando todos os filmes que já vi, os que compro e os que me faltam ver. Gosto de todos, mas tenho os meus preferidos, aqueles que são de alguma forma mais Woody Allenescos. As dúvidas existencialistas, as peripécias do dia-a-dia, o medo da morte e as relações disfuncionais compõem os dramas mais comuns.

Muitas vezes penso que podia ser uma determinada personagem e identifico-me com a história, sofrendo ou regozijando-me com o desfecho. É tão fácil sentirmo-nos meio perdidos, meio tontos, umas vezes tristes, outras contentes, porque a vida é esta linha cheia de curvas e contracurvas que ocultam sempre o que vem a seguir. Numas alturas somos o inferno, noutras o céu, e é esta busca incessante pelo equilíbrio que nos faz acordar em cada manhã. Se tudo corresse de acordo com as nossas expectativas, se as relações humanas fossem simples, a vida não teria qualquer sentido e, de repente, os consultórios dos psicólogos encher-se-iam de pessoas terrivelmente desgostosas com a sua imensa felicidade.

O ser humano é complexo e é isso que o torna interessante. A vida é uma permanente caça ao tesouro. Atravessamos continentes, cruzamos oceanos, para um dia encontrarmos a paz e a serenidade, quase sempre e invariavelmente no leito da morte. Procura-se alcançar a tranquilidade de morrer porque se cumpriu o destino, ou simplesmente porque se aceita o que se viveu sem mágoa nem julgamentos.

Eu, uma personagem tipicamente Woddy Allenesca, gosto da complexidade da vida, interesso-me pelo estudo do comportamento humano, as contrariedades da psique e tudo o que diga respeito às relações sociais. Considero que entender quem somos é um desafio que nos manterá eternamente activos, porque ao longo de séculos de história fomos sempre surpreendidos pela evolução. O desenvolvimento é tão extenso para o mal como para o bem, e é por isso que é tão importante alcançar o ponto médio que nos equilibra e sustém no arame em que percorremos os nossos dias.

A carnificina dos nossos dias

Joana Nave, 18.08.12

No próximo dia 1 de Setembro vai passar no King o filme “Carnage” de Roman Polanski. Deixo aqui a sugestão para quem não teve oportunidade de o ver antes. Carnage significa carnificina. Esta tradução faria bem mais sentido que “O Deus da carnificina”, até porque me parece que a carnificina não é divina, mas sim um atributo do homem.

O filme conta um episódio caricato na vida de dois casais que se cruzam na sequência de um desentendimento entre os filhos. A raiz do desentendimento é banal: um grupo de crianças onde o líder rejeita a entrada de uma criança para o grupo. Entretanto, os pais são chamados a intervir de forma a repor a ordem e argumentam o sucedido com a educação que transmitiram aos filhos. O genial de tudo isto é que os pais acabam por revelar características de conduta em sociedade bem mais absurdas e intransigentes que as adoptadas pelos filhos. Enquanto os pais se agridem verbalmente e revelam as suas falhas educativas através do entendimento que fazem dos factos, os filhos acabam por fazer as pazes, porque as crianças são bem mais sensatas, práticas e simples que muitos adultos.

Polanski dá-nos assim a conhecer uma experiência social fortíssima, pois basta colocar dois casais perfeitamente desconhecidos num espaço fechado, a discutir os métodos pedagógicos que regem o comportamento dos filhos, para desencadear os monstros que se escondem por trás das aparências da vida em comunidade. Quem nunca ouviu uma mãe ou um pai gabar os seus filhos como se fossem os melhores do mundo? Quem nunca viu uma mãe ou um pai defenderem os actos mais cruéis dos seus filhos apenas porque são os seus filhos, os mesmos com os quais se comprometeram cuidar, proteger e educar? Ter um filho é uma responsabilidade tremenda, um compromisso para a vida. Antigamente tinham-se filhos para ajudar os pais, hoje são os pais que ajudam os filhos, fruto da evolução dos tempos em que a emancipação é cada vez mais tardia.

No entanto, a abordagem social que está aqui presente é a que rege as crenças e os valores dos pais. A complexidade da vida adulta, tão exigente e permeável, é um desafio constante até para o mais atento, bondoso e respeitador ser humano. Os adultos têm de ser filhos gratos, trabalhadores responsáveis, maridos e mulheres carinhosos e pais exímios. Os vários papéis estão ainda sujeitos às contrariedades do dia-a-dia, às relações que têm com os amigos e ao desempenho de um papel social de dedicação e empenho para as causas e efeitos que governam o mundo. Por vezes, ser adulto cansa. Seria bom poder carregar num botão e de repente, por apenas uns instantes, não termos de cumprir nenhum papel a não ser o de sermos nós próprios, seres frágeis, com as nossas dúvidas e medos, e altamente falíveis.

Esta é a verdadeira carnificina dos nossos dias, que não nos dá um só segundo para sermos seres humanos, exigindo que sejamos divinos, perfeitos e complacentes.

Realidade ou ficção?

Joana Nave, 28.07.12

Distinguir a realidade da ficção pode ser uma odisseia bem complexa para o ser humano. Desde pequenos somos motivados a desenvolver a nossa criatividade e imaginação. Ao longo da vida a originalidade é premiada com louvor e glória. Se queremos ir mais longe, temos de ser mais ousados, mais afoitos, mais criativos. Criar é assim um acto de tornar em matéria um simples pensamento, que surge na nossa cabeça de forma mais ou menos espontânea. Parece pois absurdo que seja precisamente a imaginação desenfreada a causa de tantas doenças do foro psicológico. A panóplia de enfermidades é tão ou mais criativa que a própria imaginação: Esquizofrenia, Parkinson, Alzheimer, TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), Hipocondria, Narcolepsia, Bipolaridade, Anorexia Nervosa, Bulimia, apenas para nomear algumas.

A questão que me perturba é a forma como estas doenças são muitas vezes usadas com elevada inteligência pelos seus portadores, influenciando a realidade em que vivem e induzindo aqueles que os rodeiam. Confesso que tenho alguma dúvida em relação à cura destas doenças, pois uma mente perturbada muito dificilmente encontrará forças para se libertar ou será permeável a ajuda externa.

Há um filme que ilustra na perfeição este tipo de patologias neurológicas – “À la folie... pas du tout” de Laetitia Colombani, com Audrey Tautou e Samuel Le Bihan. O filme conta a história de uma jovem mulher (Angélique), artista plástica, com uma carreira promissora pela frente, que se apaixona por um homem casado (Loïc). Na mente de Angélique, Loïc corresponde ao amor que ela lhe tem, trocam presentes, planeiam uma viagem, mas ele não deixa a mulher e ela sofre com isso e espera… Enquanto espera, a sua obsessão leva-a a atropelar a mulher de Loïc, que espera um filho deste, e que Angélique julga o verdadeiro entrave à separação do casal. Quando vemos a realidade através da mente de Loïc tudo se torna claro e é bem visível a doença que perturba Angélique e a faz confundir a imaginação com a realidade, tornando-a perigosa, mas irresponsável pelos seus actos…

A vã glória de aborrecer

José Meireles Graça, 22.07.12

Lembrei-me dele por causa deste post, no qual um interminável soporífero é recomendado, sem piedade, a indefesos meninos e meninas.


É triste, mas as coisas são o que são: na ordem natural das coisas, Manuel de Oliveira não durará muito mais. Antecipo, para quando morrer, uma longa série de declarações oficiais, uma comoção nos meios de comunicação social, horas e horas de entrevistas, recensões de publicações no estrangeiro, bandeiras a meia haste e o mais de que se lembre quem há muito o promoveu a génio.


Enquanto é vivo, posso ainda dizer: Manuel de Oliveira é um realizador cujos únicos méritos consistem em fazer filmes de tal modo maus que quase ninguém acredita que possam ser tão maus como parecem, teimar em fazê-los para lá de todo o enjoo e toda a indiferença de quem não o tolera mais de dez minutos, e durar há décadas. Esta durabilidade é em parte chave do sucesso - em Portugal qualquer artista que produza tenazmente e ultrapasse os quarenta tem pelo menos talento e, se ultrapassar os setenta, passa automaticamente ao estatuto de génio - é a genialidade em regime de diuturnidades.


Fosse eu a personagem importante que com grande pena minha não sou, estas linhas singelas mereceriam um coro de indignados protestos de quanto intelectual profundo leu dez livros da moda e viu uma dúzia de clássicos da VII Arte; não falando dos que defendem a produção artística a golpes de subsídios, que são quase todos os que têm importantes mensagens a comunicar aos seus contemporâneos distraídos.


Se houver porém quem goste genuinamente das estopadas que Oliveira regularmente debita, relevar-me-á o atrevimento se se lembrar que, como contribuinte, paguei; e era o que mais faltava se, além de pagar, não pudesse refilar.