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O Relatório está aqui. Mas não o vou ler: tem 76 páginas e o palavreado é o de um paper de economia, uma coisa intensamente fastidiosa. Não faz mal: na minha lista de favoritos, os blogues com economistas são mais de uma dúzia; e como os blogueiros que não são economistas falam com frequência de assuntos económicos, e a minha lista tem uma divisão equânime esquerda/direita, acabarei por saber mais do Relatório do que se o tivesse lido. Ademais, era o que faltava se para me pronunciar sobre qualquer assunto tivesse que o estudar - do que ouço e leio dos especialistas felicito-me com frequência pela minha abençoada ignorância: os porcos, quando estão com o focinho enfiado na gamela, não veem nada do que rodeia o curral; e é facílimo tresler quando se estudam ciências que se declinam em esquerda e direita.
Acresce que haverá gente que vê detalhes dos quais nunca me aperceberia. Por exemplo, a coisa chegou hoje ao espaço público e já houve quem topasse que o Ministro Relvas não esteve para maçadas. Um pormenor irrelevante, decerto; mas outros hão-de aparecer.
Gostaria de pensar que a parte reformista da Esquerda se vai convencer de que o Estado dos direitos económicos e sociais de valor crescente acabou; e que, a bem ou a mal, o nível de despesa pública terá que baixar, dado que a carga fiscal pode ainda subir no papel mas a receita não.
Gostaria de pensar que a parte da Direita que tem uma receita ideológica pronto-a-vestir percebesse que a espiral recessiva não é uma possibilidade apenas teórica; e que, mesmo que o fosse, há um limite para o sofrimento sem esperança, pelo menos se não quisermos que a Democracia vá pelo ralo.
Precisamos de crescimento. Tão ou mais importante do que a discussão em torno dos cortes é a descoberta da pedra filosofal do crescimento.
Esta receita não dá - foi testada no consulado do autor, quando a Europa ainda acreditava que mini-Planos Marshall haveriam de pôr os países relativamente atrasados a crescer muito mais do que os outros, e deu como resultado a obesidade do Estado, um himalaia de desperdício, um karakorum de corrupção e um crescimento abaixo da ambição e da necessidade. De toda a maneira, quando se pedem esmolas pode-se talvez sobreviver; mas não se pode enriquecer - e esmolas seria do que a agora UE estaria disposta, na melhor das hipóteses, a abrir mão.
O investimento público, mesmo para quem acredite, contra toda a evidência, que pode ser a solução, está-nos vedado por falta de crédito.
A descoberta de petróleo, gás ou de metais preciosos é improvável; e o mar, essa grande riqueza, continuará teimosamente a ser refractário ao papel que empresários de proclamações lhe destinam.
Vou gostar da discussão. Ou talvez não: não é impossível que se veja mais do mesmo.
Ao longo de três dias, foi quase unânime a condenação das novas medidas de austeridade. O julgamento foi sumário e a sentença é definitiva, sem direito a recurso. Tivemos oportunidade de ouvir o réu, mas este não se explicou.
Parece evidente que a comunicação das decisões foi um verdadeiro desastre e percebo aqueles que estão desiludidos. Percebo a indignação do PCP ou do Bloco, que sempre estiveram contra o memorando. Percebo a indignação dos sindicatos, que tendem a defender os interesses dos trabalhadores sindicalizados (os mais prejudicados nesta história). Percebo a indignação daqueles que vão pagar a factura e que não contribuíram para os erros políticos que nos trouxeram a este lugar agreste (serei um destes), mas confesso que não entendo algumas indignações: a do PS, por exemplo, ou a dos inevitáveis Jardim e D. Januário. Acima de tudo, não compreendo a indignação dos representantes dos patrões, que mais parece estarem a gozar com a nossa cara.
Os socialistas vão provavelmente aproveitar a ocasião para sacudir a água do capote. A culpa desta crise não é um exclusivo do PS, mas este partido tem enorme responsabilidade no que está a suceder. Ao tentar tirar o cavalinho da chuva, pretende iludir os portugueses. É como se houvesse um caminho fora da via estreita que nos impõe a "troika".
Por vezes, ao lermos as notícias, elas parecem sustentar a narrativa habitual de que estamos perante uma espécie de Cabo das Tormentas, guardado pelo gigante Adamastor, e de que mais valia voltarmos para trás.
Lembram-se do que ouviram há um mês sobre a execução orçamental até Maio? Que o défice ia para 7,9%, que já estava seis vezes acima do de 2011, que a recessão aumentava, que era preciso parar imediatamente com a austeridade e apostar em políticas de crescimento? Afinal, passadas umas semanas, o que ocorreu no primeiro semestre não anda longe das previsões: o País consegue cortar na despesa pública e as receitas nem são assim tão más, considerando que a economia está a cair 3% este ano (como é que o programa de ajustamento tinha um aumento tão grande de receitas)? Não há volta a dar, a notícia é positiva e na medida em que o PIB está a cair menos depressa, a receita é susceptível de melhorar um pouco nos próximos meses. Mesmo que o défice fique um ponto acima do objectivo ou algumas décimas, o País deverá conseguir um ajustamento nas contas públicas superior a dois pontos percentuais de PIB. É isto que os credores vão constatar, o que explica a abertura para a suavização das metas, desde que o Governo acelere o ritmo das reformas estruturais.
Portugal e Irlanda estão a cumprir os programas de ajustamento, isto ao contrário da Grécia, que há dois anos falha sistematicamente. O novo governo grego queria propor um conjunto de cortes menos ambicioso do que aquele que era pedido e o FMI ameaçou não fazer mais pagamentos. Esta notícia foi interpretada por muitos analistas nacionais como o fim iminente do euro e prova adicional de que a Europa perdeu toda a solidariedade entre parceiros. O mais que provável resgate espanhol produziu a mesma reacção: segundo esta tese, os líderes europeus estão a afundar a zona euro por não ajudarem os parceiros em risco, para mais num contexto de silêncio que consideram cobarde. A ideia é aqui defendida por Viriato Soromenho Marques, uma das vozes lúcidas deste debate e um dos melhores cronistas da Imprensa.
A centralidade e autoridade de que Vítor Gaspar dispõe no Governo português e o “mantra neoliberal” que consistentemente é entoado pelo primeiro-ministro são ensinamentos que Espanha devia retirar do vizinho mais pequeno, que já leva um ano de intervenção externa.
A conclusão é da Reuters, que ontem divulgou um longo texto de análise intitulado “Líder de Espanha podia aprender algumas lições de Portugal”, depois de constatar que nem a promessa europeia de ajuda à banca, nem o novo pacote de austeridade, deram alento aos investidores, que continuam a cobrar prémios de risco crescentes para financiar o Estado espanhol. (...)
Mais uma notícia para ser comentada com desdém por quem não respeita o que nós portugueses estamos a passar e o que se está a fazer pelo futuro.
Vamos aguardar pela ruptura dos pensos rápidos franceses e pela queda das promessas populistas, para depois também os podermos chamar de fascistas.
Ó pobre e retórica esquerda, onde te esconderás? Como te justificarás?
Nunca, de facto, foi tão pertinente dizer que os cães ladram...
editado por Pedro Correia a 3/8/12 às 18:19
Qualquer observação superficial feita de fora conclui com facilidade que os portugueses passam sem transição de estados eufóricos a profundas melancolias. A nossa política sofre do mesmo mal e o sistema mediático amplifica o fenómeno com a tese, porventura falsa, de que uma má notícia vende sempre mais papel.
Isto justifica a circunstância das análises políticas que vejo na TV ou leio na imprensa parecerem crescentemente desfasadas da realidade. O fenómeno é mais visível nas observações sobre Europa, mas começa a sê-lo também na situação nacional. Alguns autores, por exemplo, da blogosfera, deviam meditar sobre o que escreviam há um ano.
Num desenho animado dos anos 60, baseado nas Viagens de Gulliver, havia um grupo de liliputianos e, entre estas personagens, surgia um tal Glum, um pessimista crónico que nos momentos de maior perigo dizia invariavelmente "we're doomed" ou "it's hopeless", com uma voz arrastada de quem se sentia mesmo condenado ou de quem afirmava que qualquer esforço era simplesmente inútil.
Os pessimistas crónicos como Glum nunca são lúcidos. As suas previsões falham e os liliputianos salvam-se sempre, mas Glum fica na sua. Quando as outras personagens criam um mecanismo que pode resultar, lá aparece Glum, impávido, a dizer que não vai funcionar, "it'll never work". Glum é de longe a figura mais cómica do desenho animado.
O Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP) colocou 2 mil milhões de euros em duas linhas de Bilhetes do Tesouro (BT), o montante máximo previsto, com maturidade a 6 e 12 meses, com a 'yield' mais baixa.
Portugal colocou assim 1,25 mil mihões a um ano, numa operação onde a procura superou a oferta em 2,4 vezes, valor que compara com o rácio de 2,7 vezes registado no último leilão comparável. O juro baixou face a esse último leilão, fixando-se nos 3,505% face aos 3,834% anteriores.
Os custos da emissão de Portugal em BT a 12 meses ficaram abaixo dos custos que Espanha foi obrigada a pagar ontem, na mesma maturidade, tendo a 'yield' atingido os 3,918% - embora tenha também tido uma quebra face ao último leilão comparável, que tinha sido de 5,074%.
Já em relação aos BT a seis meses, o IGCP colocou 750 milhões de euros, sendo que a taxa média ponderada desceu para 2,292% face aos 2,653% do último leilão com a mesma maturidade. Neste caso a procura de BT a seis meses excedeu a oferta em 3,8 vezes, face aos 4,3 vezes registadas no último leilão.
O director de gestão de activos do Banco Carregosa, Filipe Silva, diz que este resultado mostra que "os investidores olham para Portugal com menos receio exigindo taxas mais baixas e ignoram de certa forma o que se passa com Espanha, pois ainda ontem o Governo Espanhol emitiu bilhetes de tesouro a 12 meses com uma taxa de 3,918%, taxa bem superior à conseguida hoje para o mesmo vencimento".
Apesar do resgate internacional, Portugal tem conseguido financiar-se no mercado primário com emissões de dívida de curto prazo. O memorando de entendimento prevê que o "verdadeiro" regresso ao mercado aconteça no terceiro trimestre do próximo ano.
editado por Pedro Correia a 2/8/12 às 18:18
*e Rajoy mentiu para ser eleito. Certo?
A taxa máxima do IVA sobe de 18 para 21 por cento e a taxa reduzida salta de 8 para 10 por cento. Os funcionários públicos espanhóis também não vão rebecer o subsídio de Natal. Estas são algumas das medidas que fazem parte de um rol de políticas fiscais que o executivo espanhol acaba de anunciar para cumprir com a meta da redução do défice.
editado por Pedro Correia a 12/7/12 às 01:27
"There's something wrong with the world today." Uma frase que, certamente, qualquer contemporâneo, na crença de que vive tempos extraordinariamente maus, não se coibirá de dizer. Efectivamente, essa presunção de cada homem (nomeadamente os mais iluminados) sobre a singularidade dos seus tempos é um traço comum ao longo da História. Veja-se, por exemplo, todos aqueles que anunciaram o seu tempo como o “Fim da História” (Francis Fukuyama foi apenas o último de uma longa lista que, eventualmente, terá começado com Políbio).
Também as chamadas “massas”, ou se o leitor preferir, o “povo”, identificam o seu tempo como o pior de todos os “tempos”. Fale-se com um velho que rapidamente lhe dirá que “no meu tempo é que eram elas”. Já um jovem dirá que as verdadeiras dificuldades são as de “hoje”, porque os pais e os avós conseguiram empregos para toda a vida.
O tempo contemporâneo de cada um é sempre o pior. E todos, seja em que tempo for e em que sociedade for, facilmente esquecem a perspectiva histórica. Tal como Cristo, sofrem nos dias de hoje como se caminhassem na Via Sacra para o Calvário.
E nos tempos que correm, seja neste burgo atlântico ou por essa Europa fora, o fim do mundo está aí, ao virar da esquina, acham muitos. Parece que por causa do uma crise da divida soberana, dizem. Enfim, parece que estes pensadores acreditam mesmo que estes são tempos extraordinariamente singulares da História.
Neste capítulo, Eric Hobsbawm teve a subtileza intelectual de falar em “tempos interessantes”. Mas, como serão muito poucos aqueles que estão dotados dessa clarividência, os contemporâneos insistirão na tragédia do seu tempo. Esquecem-se, no entanto, que outros já tiveram a mesma ideia.
Na verdade, aquela é uma ideia recorrente, ou seja, é uma espécie de psicose colectiva em que há sempre "algo de errado no mundo" no tempo em que se vive.
Há sensivelmente vinte anos, mais concretamente em 1993, os Aerosmith lançavam o seu extraordinário Get a Grip, tendo como principal single a música Livin’ on the Edge. Um dos temas mais socialmente interventivos daquela banda e que surge na ressaca dos motins de Los Angeles, resultantes da absolvição dos quatro polícias que espancaram Rodney King, encontrado morto há dias.
Livin’ on the Edge começa precisamente com a frase "There's something wrong with the world today". Um “statement” sobre a deterioração da sociedade da altura, bem retratado na letra e reforçado no cinematográfico vídeoclip, no qual são abordados vários temas sociais, tais como vandalismo, comportamentos sexuais de risco entre jovens, desenquadramento social dos jovens, violências nas escolas, incompreensão por parte das gerações mais velhas em aceitar nova tendências urbanas, racismo, entre outros.
Perante isto, há uma ideia simples a reter: Se o leitor recuar outros 20 anos vai encontrar precisamente o registo de uma sociedade que achava que havia “algo de errado no mundo”. E voltará a encontrar a mesma convicção colectiva se recuar outros 20 anos e assim sucessivamente.
Hoje em dia, muitas receitas têm sido prescritas pelos sábios para resolver esta crise que assola o Velho Continente, a pior de sempre no projecto europeu, dizem. Mas, o melhor mesmo, é que os iluminados desta e doutras praças europeias deixem de ter a presunção que vivem tempos extraordinários e se façam à vida, como se costuma dizer num português popular.
Em posts anteriores, procurei explicar o que está em causa no Conselho Europeu de quinta e sexta-feira. A opinião pública continua a ser exposta a mitos que dificultam a compreensão dos factos e não há entendimento entre os dois maiores partidos sobre a declaração parlamentar que é suposto reflectir a “posição portuguesa”. A primeira circunstância é nociva e permite que um partido com altas responsabilidades na crise nacional se dedique a joguinhos de pequena política.
Em Portugal, continua a falar-se de eurobonds como se estes fossem uma panaceia muito fácil e que se encontra ao virar da esquina. Os eurobonds já estão fora da negociação. Por outro lado, a posição alemã continua a ser descrita como uma aberração, autêntico capricho de uma mulher teimosa que nem sequer tem o direito de ser identificada pelo título. Isto não é inocente: ouço sempre a “senhora Merkel”, nunca a “chanceler” ou a “líder” alemã. Nestes termos, a posição da Alemanha nas negociações não pode ser compreendida.
A discussão europeia dura há ano e meio e foi acumulando uma série de temas inseparáveis: os resgates, em particular, o da Grécia; o Tratado Orçamental; o Mecanismo de Estabilidade; as dívidas soberanas da Espanha e Itália; a ligação entre bancos e dívidas soberanas; a crise financeira e a contracção do crédito às empresas; o aumento dos poderes do BCE; o abrandamento económico; o aumento do desemprego; a insatisfação dos eleitores; a mutualização da dívida europeia.
Julgo ser pacífico que os líderes europeus querem salvar o euro e continuarão a financiar os resgates dos países que perderam acesso aos mercados financeiros. Em troca, exigem reformas estruturais e o cumprimento dos programas de ajustamento. O tratado e o mecanismo são elementos fundamentais para que a zona euro ganhe credibilidade, mas faltam elementos, sobretudo definir os poderes e legitimidade do futuro ministro europeu das finanças (governo económico, no jargão europeu). A questão financeira é a mais atrasada, pois passa pelo reforço da influência do BCE, havendo elementos em discussão, a saber: até que ponto irão os novos poderes de supervisão do banco central? Até que ponto irá a federalização da instituição? Ela poderá emprestar dinheiro a Estados? E há a questão inversa no Mecanismo Europeu de Estabilidade, pode este órgão emprestar dinheiro a bancos?