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Forte Apache

Professor sed Professor

jfd, 24.07.13

Uma medida de 2007 foi finalmente enviada aos sindicatos, sendo negociada no final da semana. Desejo eu que seja aprovada sem muita fanfarra.

 

Todos os professores contratados vão ter de passar a realizar uma prova de acesso à carreira, a partir de Janeiro de 2014. Além disso, só os professores com mais de 14 valores na prova são considerados como aptos e podem dar aulas.



Deixo aqui dois pontos:
1) Obviamente que é uma medida que faz todo o sentido e não compreendo todo o ruído à sua volta. Velhos do Restelo, digo eu.
2) O que diz dos professores de carreira quando apenas os contratados têm de provar os seus conhecimentos? Fosse eu um deles, quereria também ser avaliado assim. Afinal a profissão é a mesma. Mas a distinção é apenas aquela que é o maior calcanhar de Aquiles da nossa sociedade - o vínculo laboral ao Estado.

Inteiros numa fé talvez sem causa

Pedro Correia, 17.06.13

 

Vários colegas de blogue já comentaram a greve dos professores. Eu prefiro comentar estas declarações, para mim espantosas, da presidente da auto-intitulada Associação de Professores de Português (quantos professores representa esta associação?) que vem contestar o carácter "dúbio" do exame do 12º ano hoje realizado.

Dúbio, para a professora Edviges Antunes Ferreira, é algo que merece crítica. Como se a literatura pertencesse ao reino das matemáticas, em que dois mais dois serão sempre quatro.

Admira-se esta docente que houvesse "questões dúbias" sobre Ricardo Reis, por sinal um dos mais dúbios autores de sempre da literatura portuguesa, heterónimo de um poeta que ultrapassava os restantes naquela ambiguidade que por vezes molda o génio.

Dúbio, em literatura, não é defeito: é qualidade. Queria o quê, doutora Edviges? Um teste à americana, cheio de quadradinhos, como quem preenche um boletim do Euromilhões?

"Tem quatro questões e duas delas podiam ser mais objectivas", queixa-se a docente, esquecendo talvez que o enunciado em causa não se destinava a alunos do ensino básico mas a um exame do 12º ano de escolaridade, em que se pressupõe que qualquer estudante esteja apto a interpretar textos que ultrapassem a linearidade objectiva de uma notícia de jornal. "O poema, só por si, é subjectivo", pasma a doutora Edviges. E nós pasmamos com ela. Como se a subjectividade, inerente à melhor literatura, fosse defeito em vez de qualidade.

Queixa-se ainda a presidente da APP de, noutra parte do exame, estar incluído um texto de António Lobo Antunes, que exige - como qualquer texto deste escritor - "uma leitura muito atenta". E aponta o dedo acusador, segundo as declarações recolhidas pela Lusa: "Não chegaria uma vez. Os alunos teriam de encontrar as respostas ao longo de todo o texto". Até porque os alunos eram "obrigados a ter uma percepção global do texto" para conseguirem "responder a essas questões de uma forma correcta".

Eu é que pasmo cada vez mais. Mas qual é o problema de um exame requerer "leitura atenta" de quem o faz, doutora Edviges? A senhora prefere cultivar o facilitismo na escola em contraste com as crescentes dificuldades na vida extra-escolar? Algum dos seus alunos se sente capaz de interpretar um texto sem ter uma "percepção global" daquilo que lê? À luz de que patamares mínimos de exigência se deverá elaborar um enunciado destes que não implique uma "leitura atenta"?

E volto ao princípio: que critérios pedagógicos a senhora adopta, poupando "subjectividades" e "leituras atentas" aos seus alunos? Como sei de antemão que ficarei sem resposta, respondo eu próprio. Com estes versos - muito subjectivos - de Ricardo Reis: «Seja qual for o certo, / Mesmo para com esses / Que cremos serem deuses, não sejamos / Inteiros numa fé talvez sem causa.»

Também aqui

A aposta na exportação

José Meireles Graça, 30.11.12

Habituei-me há muito a ouvir dizer, à esquerda e à direita, que é preciso investir na Educação: não há países desenvolvidos sem um sistema educativo "avançado", o progresso material não é possível sem legiões de educandos a permanecerem longos anos nos bancos das escolas e universidades, é o melhor investimento que se pode fazer - vejam os brilhantes e numerosos casos de sucesso, como os países nórdicos em geral e a Finlândia em particular...

 

Há provas abundantes desta correlação. E como quem decide gastar já não é responsável aquando das consequências do gasto; os professores são uma classe profissional numerosa e aguerrida; e defender a ignorância não é ... defensável: vá de concordar sempre com despejar dinheiro na educação, e aplaudir os apaixonados pela dita, como este senhor, que, apesar de reconhecer humildemente que não foi um governante absolutamente perfeito, aproveita uma visita ao rincão para declarar: "Independentemente de tudo o resto que é preciso fazer, é a educação a base de todas as condições que podem permitir a um país como o nosso ultrapassar as presentes dificuldades".

 

Lamento mas a Educação não "provoca" desenvolvimento. Se provocasse, os países comunistas, campeões da aposta na Educação, ter-se-iam alguma vez distinguido pelo seu fulgurante crescimento. E suponho que não seja preciso fazer um inquérito, aliás impossível, para saber qual a opção que um médico ou engenheiro cubanos fariam, se pudessem escolher entre as suas profissões em Cuba e as de trabalhadores menos qualificados num país capitalista desenvolvido.

 

É claro que para desempenhar certas tarefas é preciso conhecimento; a formação profissional não substitui a educação formal; sem investigação científica não há evolução nem do conhecimento nem tecnológica; e se o aparelho da Educação não fornecer em quantidade suficiente gente habilitada em todas as áreas do Saber a economia ou importa formados noutras paragens ou estiola.

 

Agora, acreditar que multiplicar universidades, cursos, estabelecimentos, rebentar com milhões no Parque Escolar ou nas Novas Oportunidades, alargar a escolaridade obrigatória, "investir" porque o investimento na educação não pode estar errado, dá

 

nisto.

Um "herói" do nosso tempo

Pedro Correia, 08.10.12

«Um aluno universitário, escudado na 'coragem' da turba, achou-se no direito de dizer ao primeiro-ministro, de visita à sua Faculdade: "vai para casa, filho da puta!". Depois, deu entrevistas, como um herói estudantil, gabando-se da sua coragem e dizendo estar pronto a repetir. Após curta ponderação, a Faculdade deu-lhe a pena disciplinar de "advertência", a mais baixa. Já sabia dos largos critérios científicos exigidos em algumas universidades, agora fiquei elucidado sobre os seus critérios disciplinares e cívicos. Se insultar assim um primeiro-ministro apenas merece uma advertência, o que seria necessário para a pena máxima de exclusão - que ele matasse o PM e esquartejasse o cadáver em público? A Faculdade em causa, o ISCSP, veio assim juntar-se à maralha dos que, a coberto do anonimato impune da net, insultam, ofendem, inventam, mentem e difamam livremente quem quer que desempenhe funções públicas.»

Miguel Sousa Tavares, no Expresso de sábado

Bom início escolar

Diogo Agostinho, 05.09.12

"Os refrigerantes, fritos e folhados deixam de ser comercializados. Os néctares só serão vendidos se tiverem mais de 50 por cento de polpa de fruta. Os bolos, chocolates e gelados vão continuar disponíveis nas cantinas e bares mas terão de ter menos de 250 calorias e serão mais caros. Por outro lado, as frutas, saladas e lacticínios serão privilegiados."

 

Novas medidas. Bom para a saúde dos jovens. Os bons hábitos alimentares começam desde cedo. 

A carnificina dos nossos dias

Joana Nave, 18.08.12

No próximo dia 1 de Setembro vai passar no King o filme “Carnage” de Roman Polanski. Deixo aqui a sugestão para quem não teve oportunidade de o ver antes. Carnage significa carnificina. Esta tradução faria bem mais sentido que “O Deus da carnificina”, até porque me parece que a carnificina não é divina, mas sim um atributo do homem.

O filme conta um episódio caricato na vida de dois casais que se cruzam na sequência de um desentendimento entre os filhos. A raiz do desentendimento é banal: um grupo de crianças onde o líder rejeita a entrada de uma criança para o grupo. Entretanto, os pais são chamados a intervir de forma a repor a ordem e argumentam o sucedido com a educação que transmitiram aos filhos. O genial de tudo isto é que os pais acabam por revelar características de conduta em sociedade bem mais absurdas e intransigentes que as adoptadas pelos filhos. Enquanto os pais se agridem verbalmente e revelam as suas falhas educativas através do entendimento que fazem dos factos, os filhos acabam por fazer as pazes, porque as crianças são bem mais sensatas, práticas e simples que muitos adultos.

Polanski dá-nos assim a conhecer uma experiência social fortíssima, pois basta colocar dois casais perfeitamente desconhecidos num espaço fechado, a discutir os métodos pedagógicos que regem o comportamento dos filhos, para desencadear os monstros que se escondem por trás das aparências da vida em comunidade. Quem nunca ouviu uma mãe ou um pai gabar os seus filhos como se fossem os melhores do mundo? Quem nunca viu uma mãe ou um pai defenderem os actos mais cruéis dos seus filhos apenas porque são os seus filhos, os mesmos com os quais se comprometeram cuidar, proteger e educar? Ter um filho é uma responsabilidade tremenda, um compromisso para a vida. Antigamente tinham-se filhos para ajudar os pais, hoje são os pais que ajudam os filhos, fruto da evolução dos tempos em que a emancipação é cada vez mais tardia.

No entanto, a abordagem social que está aqui presente é a que rege as crenças e os valores dos pais. A complexidade da vida adulta, tão exigente e permeável, é um desafio constante até para o mais atento, bondoso e respeitador ser humano. Os adultos têm de ser filhos gratos, trabalhadores responsáveis, maridos e mulheres carinhosos e pais exímios. Os vários papéis estão ainda sujeitos às contrariedades do dia-a-dia, às relações que têm com os amigos e ao desempenho de um papel social de dedicação e empenho para as causas e efeitos que governam o mundo. Por vezes, ser adulto cansa. Seria bom poder carregar num botão e de repente, por apenas uns instantes, não termos de cumprir nenhum papel a não ser o de sermos nós próprios, seres frágeis, com as nossas dúvidas e medos, e altamente falíveis.

Esta é a verdadeira carnificina dos nossos dias, que não nos dá um só segundo para sermos seres humanos, exigindo que sejamos divinos, perfeitos e complacentes.

A mala de cartão com diplomas

José Meireles Graça, 29.06.12

Sempre ouvi dizer que o segredo para o sucesso da economia é a educação. Formam-se engenheiros, técnicos, cientistas às resmas, dá-se um diploma a toda a gente, de física atómica ou entomologia, e o progresso está logo ali, ao dobrar da esquina. Simples, basta esperar uns vinte aninhos para os benefícios começarem a aparecer, como frutos maduros.

 

Há ou houve alguma vez nos tempos modernos um país que de repente começasse a fugir à mesmice da estagnação, sem um grande esforço na educação? Não há, pois não? Ora aí está.

 

Há mesmo quem defenda que a superioridade chinesa, algo que durou pelo menos até ao Renascimento (parece, por exemplo, que a melhor tecnologia naval da época dos Descobrimentos não era a Espanhola ou Portuguesa ou Italiana, era a Chinesa) se ficou a dever à instituição do mandarinato, que permitia o acesso à classe dirigente não pelo nascimento mas pelo conhecimento.

 

Sucede que os países comunistas sempre acreditaram nesta receita; e, concomitantemente, "apostaram" na educação, com os resultados que se conhecem, não obstante um modesto triunfo, mais propagandístico que real, aqui e além. E nós, que temos "a geração mais bem preparada de sempre", no dizer pacífico e orgulhoso de quem nisso acredita, temos também a abjecta situação a que nos trouxe, entre muitas outras coisas, o despejar sem critério de milhões de dinheiro público por cima da educação, mais o empreendedorismo das fábricas privadas de diplomas com a chancela do Estado.

 

Manuel António Pina aponta o dedo premiado, fremente de indignação, a uns quantos privilegiados do regime, e põe-nos a eles de um lado e, do outro, os emigrantes, dos quais "muitos são engenheiros, arquitectos, professores, cientistas, que levam na bagagem conhecimento técnico, doutoramentos, mestrados, licenciaturas, e a frustração por terem nascido num país que os enjeita, castigando-os por terem perdido anos a estudar e qualificar-se ...".

 

O País não os enjeita pelo investimento que fizeram - castiga-os por não ser capaz de criar empregos. E não os criou nem cria por causa do mesmo Estado que acreditou na equação simplista de que mais ensino = mais desenvolvimento. O ensino é condição necessária mas não suficiente - fora preciso, além disso, que não fôssemos governados por gente que como Pina confunde correlações com causalidades e acha por exemplo que mais igualdade = mais desenvolvimento.

 

Pina não entende coisas complicadas - as ideias iracundas de motorista de táxi embrulha-as num português literário escorreito, a ver se ficam mais lúcidas.

 

Não ficam. 

 

Selo de garantia

José Meireles Graça, 06.06.12

Que tenham pena de mim, ou dos mais como eu, por andarem em más companhias, é uma coisa que me chateia, pá.


Mas prontos, reconheço que ando em más companhias.


E o meu caso é porventura mais grave porque, subscrevendo embora quase tudo o que aqui se diz, não compro esta conclusão: "(...) até porque a autonomia poderá ser a única forma que resta às escolas de imprimir exigência no ensino, indo assim ao encontro das expectativas de tantos alunos e tantas famílias que hoje se sentem defraudadas por um sistema aparentemente mais preocupado com o número de alunos escolarizados do que com o conhecimento adquirido ao longo do percurso escolar."


O centralismo tem mau nome porque tem sido fonte de promoção do eduquês, da gigantesca burocracia do Ministério e dos ziguezagues da política educativa, ao sabor das idiossincrasias de cada ministro.


Mas a autonomia das escolas...depende. Se for autonomia para gerir um orçamento, e contratar e despedir pessoal, vale. Mas esta autonomia: "(...) quando todo o currículo nacional for pensado com base no princípio da autonomia escolar, permitindo às escolas uma efectiva adaptação às necessidades educativas dos seus alunos. A única resposta legítima ao pluralismo é mais diversidade, e não mais centralismo"... não.


Não porque o sistema de ensino destina-se a garantir à sociedade que o paga que todos os alunos que detêm um certo grau académico têm um certo número de conhecimentos e capacidades. A escola pode e deve ter liberdade pedagógica quanto à forma de ensinar, mas quanto ao resultado este deve ser aferido a um padrão público. E aferido no sentido que defende esta pessoa de direita, realmente digna de pena por não ter um excessivo respeito nem por especialistas nem pela modernidade.

A educação da deseducação

José Meireles Graça, 06.05.12

Recebi por e-mail, de um autor identificado que é Professor no IST, o seguinte texto:


O que o estudante típico usualmente não percebe é o aforismo "não há nada mais prático do que a teoria". Sobretudo o estudante que toma contacto com as matemáticas. Perdido no meio do raciocínio matemático, reage usualmente mal. Por isso faz com frequência a pergunta sacramental ao mestre - "Para que é que isto serve?".
Quer o estudante dizer que não entende tanta 'complicação' quando afinal o que interessa são 'coisas práticas'. O mestre pouco avisado responde evasivamente que as complicações são o que são porque a matemática é o que é. Resposta mal dada. A resposta correcta é:
Não há nada mais prático do que a teoria.
Sobretudo a teoria matemática, a qual subjaz a todas as ciências aplicadas, precisamente porque a matemática e a sua companheira, a Física, são os melhores explicadores do mundo material.
Porquê a desconfortável 'complicação' matemática? Porque é na demonstração matemática, onde se evidenciam as complicações, que ao engenho e raciocínios do homem é exigido o esforço maior. É na inutilidade aparente de uma demonstração matemática que se procura enquadrar um problema com toda a sua generalidade. E quanto maior for a generalidade, geralmente maior é a complexidade do engenho e dos raciocínios a empregar.
Ora uma receita geral, por definição, enquadra qualquer receita particular. E são receitas particulares aquelas com que o estudante das ciências aplicadas terá de se confrontar ao longo da sua vida profissional.
Por conseguinte,  quanto mais tempo o estudante tiver gasto na sua juventude à volta das 'inutilidades matemáticas', mais facilmente resolverá problemas práticos na sua futura profissão. Por aqui se poderá pois concluir que na aprendizagem das criancinhas a matemática deve estar em lugar cimeiro.
A matemática não tem que ser necessariamente cool, tal como acontece na vida do homem comum obrigado a lidar mais com sofrimentos e menos com prazeres.

 

Fim de transcrição.


A mim me parece que o raciocínio matemático é um entre outros; e que o fruto dos raciocínios, para ser comunicado, precisa muitas vezes de linguagem não-matemática, donde a importância das línguas.

Poria portanto as línguas (a Pátria e a veicular dos nossos dias) a par da Matemática. E como raciocinar bem e comunicar bem não chega - é preciso ainda ter alguma coisa para dizer - a isto acrescentaria umas boas bases de História, sem a qual não entendemos o presente, a Geografia, sem a qual não entendemos a História, a Física, a Química e as Ciências da Natureza, sem as quais não entendemos o Mundo físico, e a Filosofia, para percebermos porque razão não percebemos nada.

Nuno Crato é matemático e estudioso das ciências da educação, seja lá isso o que for, pelo que é legítimo esperar que tenha sobre matérias curriculares ideias, hum ... matemáticas.

Pode bem ser que da sua passagem pelo Ministério fique, no meio das salgalhadas corporativas, da pedagogia modernaça, do facilitismo igualitário e dos interesses ocultos da máquina alucinada que comanda - algum bem.