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Forte Apache

Solidariedades na Europa

Carlos Faria, 27.09.12

Muitos defendem que a ultrapassagem da crise das dívidas soberanas na zona euro passaria pelos eurobonds, onde na prática haveria uma compartilha das dívidas soberanas entre os Estados pobres e o ricos. Reconheço que isto seria de facto uma forma de solidariedade interestadual na eurozona. Todavia, goste-se ou não, seja justo ou não, esta ideia esbarra sempre com preconceitos em confronto:

- a desconfiança dos mais ricos de que os mais pobres perante a solidariedade não se sabem conter e assim continuam a gastar mais do que podem; e

- a ideia de que a crise não é da responsabilidade dos mais pobres, pelo que é justo que os ricos a paguem e sejam solidários, até porque precisam dos mais pobres.

Penso que nas ideias extremadas nunca está a verdade e no que toca à solidariedade entre povos em nada distingo o facto da Finlândia e a Alemanha não quererem eurobonds para não pagarem os “excessos” sulistas; do reacender da ideia independentista da Catalunha mais rica que não quer contribuir solidariamente para outras províncias mais pobres do reino de Espanha, apesar de não ter sido capaz de não se endividar com dinheiro que lhe coube nesta repartição solidária das riquezas pelo domínio de Madrid; e das regiões Autónomas Portuguesas serem muito rápidas a pedir solidariedade nacional ou protestarem sempre que Lisboa não lhes cobre as dívidas e lhes exige austeridade ou ainda, quando beneficiária dessa solidariedade, não se endivida a curto-prazo e se recusa a sacrificar-se em favor do todo Nacional.

Na política real europeia e independentemente da escala, todos apelam à solidariedade e fogem de cumprir os encargos assumidos quando em dificuldades, mas recusam-se a ser solidários quando a crise bate à porta do vizinho, isto porque se criou um modelo de democracia que promete apenas uma melhoria continua da qualidade de vida associada ao poder de compra de forma ilimitada num planeta limitado e num Continente que durante milénios sacrificou povos e continentes para que países e impérios seus enriquecessem.

E que tal uma pequena discussão sobre eurobonds e o futuro da Europa?

Luís Naves, 23.05.12

A comunicação social esforça-se por encontrar o ângulo mais negativo em cada notícia, numa espécie de festa masoquista em que quanto pior, melhor. As previsões da OCDE são piores do que as do Governo? Pois, em vez de isso ser visto como duas previsões a apontarem para números distintos, uns mais pessimistas do que outros, a notícia foi tratada como 'OCDE desmente governo'. A realidade passou a ser a pior das duas, embora ambas sejam previsões. Aliás, a notícia foi transformada em 'mais medidas de austeridade', embora o programa de ajustamento inclua a possibilidade de avaliação regular.
Uma militância semelhante ocorre com as análises da crise europeia e, em particular, o tema dos eurobonds. A panaceia torna-se tão evidente que fica por explicar a oposição alemã, ou antes, Berlim deve estar a ser governada por um qualquer lunático, tipo major Strasser.

 

No que se refere à Europa, surgem mitos difíceis de contrariar, segundo o qual a Alemanha continua a agir de forma irracional e contra os interesses gerais, impedindo quiméricas "políticas de crescimento e de emprego" por simples burrice da chanceler Angela Merkel.

Na realidade, a união monetária não pode funcionar sem mais união política e as regras sobre o equilíbrio orçamental tinham de ser reforçadas, pois o pacto de estabilidade existente não possuía mecanismos suficientes para impedir o crescimento do fosso entre os países mais competitivos e os menos competitivos. E as soluções políticas são geralmente inaceitáveis para os eleitorados, pelo que o progresso é lento.
Na cimeira informal de hoje, que prepara o Conselho Europeu do próximo mês, estão em confronto duas visões da solução, com o requinte de uma batalha política em torno do exercício de poder: alguns países tentarão reduzir a força da Alemanha, a França tem interesse em reforçar a sua componente do eixo Paris-Berlim (mas sem estragar a aliança) e o Reino Unido quer voltar a jogo na zona euro, embora tenha poucas hipóteses de o conseguir. A Alemanha vive no horror do isolamento, o presidente francês enfrenta eleições legislativas dentro de algumas semanas e precisa dos votos da esquerda, os países sob resgate desejam a suavização dos seus programas de ajustamento mas não o podem admitir em público, a Grécia está em vazio de poder.

Crónica de um desastre anunciado

José Meireles Graça, 10.05.12

Seguro defende eleição de um 'presidente da Europa'

 

Com o aprofundar da crise do Euro, cresce a pressão para que a solução venha do estado federal que imponha a disciplina dos países do Norte com contas sãs, na versão federalista de Direita, ou o estado federal que apenas eurobondize a dívida, na versão federalista da Esquerda. O simpático e patético Seguro não se limita a querer que os ricos paguem a crise - constata que há "Estados que mandam mais do que outros", pelo que espera confiantemente que, logo que comecem a assumir as dívidas, fiquem mais iguaizinhos - não é mal visto, realmente.

Tudo isto quer dizer que o mesmo fato delirante vestido a corpos diferentes ameaça esgarçar de vez. Alguns dos grandes, enormes estadistas que engendraram esta estranha peça de vestuário one-size-fits-all não ignoravam isto; e o terem levado a iniciativa a bom porto foi uma engenharia de contrabando quase-continental para impôr aos povos europeus a federalização que eles não escolheram, à boleia de uma calculista irreversibilidade.

 

Temos assim, com crescente nitidez, dois campos, a saber:

 

I

 

O dos que acham que big is beautiful - no séc. XXI é preciso falar a uma só voz, para que essa voz seja ouvida pela América, pelos BRICs, pela ONU e tutti quanti; a história da Europa, que é uma de guerras, perseguições e rivalidades, passará doravante a ser, como a dos E.U.A. depois da Guerra Civil, de unidade de propósitos, paz entre os estados federados e representação externa comum; a economia, essa, terá o rigor e a eficiência do Norte, com a alegria, a imaginação e as estâncias de férias do Sul; e o Euro será sólido como uma rocha, tal como o dólar o é, não obstante a falência da Califórnia e a dívida estratosférica. E

 

II

 

O dos que entendem que: a competição entre estados, modelos de sociedade, fiscalidades, modos de organizar a representação política e o resto da coisa pública, é a melhor garantia de progresso e da detecção de erros de políticas sociais e outras; está por provar que os grandes países sejam mais eficientes, mais "justos", mais felizes do que os pequenos; as superpotências falam a uma só voz, mas a defesa dos seus interesses implica que periodicamente alguns dos seus cidadãos regressem a casa em sacos de plástico preto; as guerras do passado foram por conquista de terra, domínio, esbulho, religião e ideologia. A história não acabou e elas não se tornaram impossíveis, mas não se vêem no horizonte guerras intestinas na Europa - vêem-se porém no resto do Mundo; os pequenos estados gerem as suas dependências - se diluídos em grandes não gerem coisa alguma; a riqueza não funciona pelo princípio dos vasos comunicantes - há estados e regiões pobres e estados e regiões ricas dentro das federações e dos países unificados. E, finalmente, que há, nos estados europeus antigos, culturas, tradições, línguas e sentimentos de pertença - as instâncias centrais europeias, como quaisquer outras burocracias, tendem fatalmente a tentar anular tudo isso, a benefício da unicidade e da camada de apparatchicks de Bruxelas e dos seus delegados nos 26 Terreiros do Paço.

Depois, o nacionalismo, que foi, e ainda é (lembremo-nos dos Curdos e dos Bascos), o fundamento ou o adjuvante de muitas guerras; e que funcionou como cimento e legitimação de regimes detestáveis (lembremo-nos do Salazarismo) - não está em odor de santidade. E é também objecto de desvalorização por correntes de pensamento internacionalistas e fantasiosas: diz-se ser uma construção do romantismo, confundindo-se o ideal de fazer coincidir geograficamente as Nações com os Estados (que é uma ideia do séc. XIX) com o sentimento de pertença, que é a base do nacionalismo e uma pulsão antiga e natural. Este sentimento faz com que, ainda que tenhamos, e temos, muitas, boas, antigas e modernas, razões para detestar o nosso País, não deixemos de ser estrangeiros...no estrangeiro.


Em resumo: O Euro foi um erro caro - e a maior parte do preço estará ainda em revertê-lo. As élites querem corrigir o erro com outro maior, ignorando tradições, nacionalidades, idiossincrasias, fugindo para a frente para fazer um Mundo Novo.

Já vimos disto com outras vestes. É como diz uma amiga minha: as reformas são para políticos aborrecidos. As grandes engenharias de pátrias e revoluções, digo eu, são para políticos visionários - daqueles que engendram grandes desastres.

A Semana que Passou: Lembram-se dos Eurobonds?

Ricardo Vicente, 22.01.12

A 13 de Julho de 2010 colocava no Albergue Espanhol a seguinte perguntazinha ao nosso amigo Wolfgang Münchau:

 

A minha perguntazinha é esta: mas quem é que garante que os eurobonds terão rating triple A??? É a senhora Viviane Reding que irá encostar uma arma à cabeça da Moody's e obrigá-la a dizer que os eurobonds são excelentes e credíveis e valem a pena? Pois...

 

A 14 de Julho de 2010 repetia a pergunta e previa que a crise das dívidas soberanas chegaria à França, como acabou por acontecer com o downgrading há pouco mais de uma semana.

 

Como o Münchau não me respondesse, a realidade veio a dar-me razão mais uma vez: na Segunda-feira passada as obrigações do Fundo Europeu de Estabilização Financeira sofreram um downgrade às mãos da Standard & Poor's.

 

Aquelas obrigações não são exactamente a mesma coisa que os eurobonds mas as suas garantias de solvência são aproximadamente as mesmas: os países da zona euro partilham responsabilidades em função do seu capital junto do Banco Central Europeu.

 

Ora se na sequência do downgrade francês, o FEEF também perde o triple A é pois evidente que os eurobonds nunca poderiam ter necessariamente tal rating. Os triple As não dependem de wishful thinking e os eurobonds, tal como quase tudo na União Europeia, gozavam de um excesso de optimismo por parte dos seus defensores - tal como escrevi:

 

Os eurobonds têm toda a aparência de serem um plano pelo menos tão bom como as alternativas para levar a cabo um default parcial e selectivo (...). Mas isso só por si não garante credibilidade nem triple A, talvez garanta que o rating dos eurobonds seja superior ao das dívidas nacionais, o que já não é mau; e

 

se os problemas chegarem à Espanha e/ou à Itália (...) nem em sonhos azuis com estrelinhas amarelas irão os eurobonds ter triple A.

 

Como em muitos outros aspectos da construção europeia, existe já um excesso de optimismo em relação aos eurobonds. Parece-me, apesar de tudo, que os eurobonds são um paliativo pelo menos tão bom como outro qualquer, o que já não é nada mau (aqui).

Privados a Salvo (?)

Ricardo Vicente, 13.12.11

Ainda a propósito do "pacto de estabilidade orçamental" e mantendo sempre um "parece", há a intenção de que as eventuais re-estruturações da dívida não afectem os privados. O mal disso é dificultar os necessários processos de default. Aliás, sem eurobonds e sem participação privada, um default ordenado torna-se muito mais difícil (pelo menos uma daquelas duas hipóteses terá, pois, de cair). O compromisso de que os privados não perdem tem também uma faceta positiva: o estímulo à compra de dívida nova, o que beneficia sobretudo os países que, não estando propriamente falidos, tinham um horizonte muito desagradável (Espanha, Itália, Bélgica).

Chancelerina Teutónica em Alta

Ricardo Vicente, 13.12.11

Estou de acordo com Luís Naves quando afirma que esta cimeira foi uma grande vitória de Angela Merkel mas não sei se convergimos no que são os aspectos dessa vitória. Para mim, Merkel é a grande vencedora porque refutou os eurobonds (o que é mau); obteve compromissos da parte da Polónia que é um dos "bons mal comportados" da Europa (incerteza); negou a possibilidade de ter um banco central mais interveniente (negativo) e menos independente (positivo); e, acima de tudo, a chancelerina teutónica conseguiu mais uma vez não tomar nenhuma decisão daquelas que, embora possam resolver a crise, podem também destruir as suas esperanças de re-eleição (não tomar boas decisões é... péssimo, pois).

...sob pressão...

Ricardo Vicente, 07.12.11

... os anteriores erros e insuficiências, bem como a actual crise, têm de ser tidos em conta numa futura revisão dos tratados mas isso não significa que seja boa ideia revê-los agora e sob pressão. Sarkozy e Merkel não decidem sozinhos, é certo, mas a actual preponderância de que gozam (eles é que pagam) e a fragilidade dos países falidos colocam estes últimos numa situação de défice de "liberdade contratual" ou assim. Para além de todos os défices democráticos na história da construção europeia, é possível que venhamos a ter agora a aprovação de tratados por países, digamos, sob chantagem. O triste disto tudo é que se o objectivo é responder à crise das dívidas soberanas então a solução tem de ser mais rápida (alterar tratados é coisa para meses ou anos) e, por outro lado, não tem de passar, neste momento, por alterações institucionais de fundo: o que urge pôr em prática é uma versão não politizada de eurobonds que facilite defaults parciais e inteligentes que atinjam um óptimo entre minimização dos riscos de contágio e maximização da sustentabilidade dinâmica das contas públicas após o default...

Angela Merkel: Paralisia e Chantagem

Ricardo Vicente, 02.12.11

Segundo o Sol, Angela Merkel diz que os 'eurobonds' não são solução. Como pretende, então, a chancelerina teutónica realizar o default ordenado das dívidas grega, portuguesa, irlandesa e, eventualmente, italiana?

 

Ainda do mesmo jornal, «O governo alemão tornou claro que a crise europeia não será resolvida num ápice», afirmou [Merkel], acrescentando que a solução «é um processo e esse processo levará anos».

 

Eu traduzo: até Setembro ou Outubro de 2013, época em que se realizam as próximas eleições federais na Alemanha, Merkel não fará nada que possa pôr em causa  a sua reeleição, nem que para isso tenha de deixar o Sul da Europa em permanente agonia social e económica e toda a Europa em risco de desintegração.

 

A Europa está em condições de avançar para uma união orçamental. A afirmação foi deixada esta manhã pela chanceler Angela Merkel, num discurso perante o Parlamento alemão.  (...) Segundo a imprensa alemã de hoje, a chanceler quer rever o Tratado de Lisboa (no site da Rádio Renascença).

 

Por outro lado, Merkel mantém a União Europeia sob chantagem: ou os tratados da União são reformados como nós (ela) quer, ou não há solução para a crise das dívidas soberanas.

 

A Economia Não Chega Para uma União Política

Ricardo Vicente, 29.11.11

A integração política da zona euro ou da União Europeia, se for forçada (como alguns prevêem, por exemplo aqui no Forte, e outros parecem desejar) tem de deixar de fora países que são "monetariamente sustentáveis", isto é, que não contribuem para a desestabilização da zona, antes pelo contrário. Isto porque uma economia partilhada não é suficiente para uma união polítca. Aliás, tirando a questão da moeda comum, a união económica não precisa de união política e até pede menos união, menos bruxelas, menos regulamentos, menos PAC, menos burocracia e menos Estado supra-estadual. A economia não é pois condição suficiente para uma união política e esta, por sua vez, não é condição necessária para aquela (como também se afirma amiúde). Declarando o óbvio: também há a política. Vamos a um exemplo: a Polónia.

A Polónia pode ser uma economia extremamente robusta e promissora e a chancelerina teutónica pode andar em pulgas para que aquele país adira ao euro, assim facilitando ainda mais as exportações alemãs. Mas enquanto a França e a Alemanha venderem armamento e treino militar à Rússia, a Polónia nunca aceitará uma união política que inclua aqueles dois países e, ainda por cima, tendo-os à cabeça. Nunca. Por muito economicamente desejável que possa ser a inclusão da Polónia numa nova zona euro mais restrita. E o mesmo vale para uma República Checa ou uma Estónia.

Forçar uma união política coincidente com uma zona euro mais reestrita levará ao estalar de fracturas profundas da geografia política europeia. E essas fracturas têm consequências económicas: se a Polónia fica de fora da união política liderada pela França e pela Alemanha, também ficará de fora da nova e mais restritiva zona euro. E se fica de fora desta, quanto tempo restará dentro da união económica? É por isso que, a bem da continuidade e abrangência da zona euro e da própria União Europeia, eu defendo que não se deve avançar para nenhuma união política. Caso contrário, vamos ter quatro ou cinco blocos políticos na Europa que estarão também separados economicamente. A fragmentação económica na Europa equivale à destruição daquilo que manteve a Europa em paz: uma economia comum. Não é preciso dizer mais nada.

Por tudo isto, alguns conselhos: não avançar com nenhuma união política; implementar as medidas institucionais necessárias e só as necessárias para que o euro seja um projecto credível; não deixar cair para fora da zona euro nenhum dos actuais membros, o que implica reestruturar as dívidas da Grécia, Irlanda e Portugal o mais rápidamente possível, o que por sua vez recomenda a utilização de eurobonds mas apenas com o objectivo da reestruturação ordenada e nunca com o propósito federalista.