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Forte Apache

A Semana que Passou: Compreender a Itália, Compreender a Europa

Ricardo Vicente, 22.01.12

Na Quinta-feira passada li em Milão um cartaz que dizia "Dopo una Vita di Sacrifici". Os taxistas italianos estão contra a liberalização do sector e têm feito manifestações em várias cidades.

 

Aquelas palavras chocaram-me: como é possível tal inversão ética? Como é possível que os privilegiados queiram passar por sacrificados? Em Itália e noutros países, o direito a ser taxista é propriamente classificável como um privilégio. É um "direito" que alguns têm e que exclui os outros, sendo que o critério que determina quem é incluído e quem fica de fora não é baseado nem no mérito nem na justiça, é um mero "porque sim".

 

Se eu estiver decidido a pagar a alguém para me transportar de carro por x euros e uma pessoa estiver disposta a prestar-me esse serviço por esse preço, tanto eu como esta poderemos ser judicialmente punidos: eu não posso pagar a um não-taxista para me prestar um serviço de taxi e um não-taxista está proibido de realizar tal prestação. Um não pode contratar, o outro não pode ser contratado ainda que ambos o desejemos e acordemos num preço. Porque é que esta troca não é possível? Porque o "direito" a ser taxista está limitado a um número fixo. Um privilégio é isso: um "direito" que serve para impedir que pessoas livres compram e vendam um serviço, forçando-as a contratar por preço superior aqueles que sem mérito que o justifique detêm o poder legal exclusivo de o prestar.

 

Isto é assim no caso dos taxistas mas também dos advogados, dos médicos, das farmácias, dos arquitectos, das televisões e de um número incontável de serviços, profissões e produtos. E é assim por toda a Europa (ou quase). A Itália será apenas um dos casos mais extremos desta ausência de liberdade económica, a par talvez de uma Grécia.

 

Para além da imoralidade que estes privilégios e proibições representam, há ainda o problema económico. Se é impossível aumentar o número de profissionais em determinado sector; se a regra é dificultar o mais possível a vida aos imigrantes e quanto mais qualificados pior; se é proibido abrir uma nova televisão, uma farmácia, uma fábrica; se a concorrência, que é o melhor motor da inovação e criação de produtos, redução de preços e aumento da qualidade e variedade, é limitada por todos os meios - então a estagnação económica não pode ser surpresa para ninguém. É então fácil compreender a decadência relativa da Europa e, nalguns casos, a decadência absoluta de certos países. Como ficar supreendido com o facto de que nos últimos dez anos Portugal e a Itália foram dois dos três países que menos cresceram no mundo?

 

Com um desrespeito tão grande pela liberdade, é mais do que natural que países como Portugal e a Itália tivessem nos últimos dez anos um desempenho só comparável ao de um país sujeito a uma catástrofe natural de enormes proporções (o Haiti).

 

Mas naquela grandiosa Piazza Duca d'Aosta o que mais me chocou não foi o reconhecimento da fatal decadência económica para onde caminham os que tão insistentemente lutam contra a liberdade. O que mais me revolta é a pequenez moral de quem fala numa vida de sacrifícios quando, de facto, goza de uma vida de privilégio.