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Forte Apache

Perplexidade

Pedro Correia, 03.11.12

Imaginem o terramoto político que haveria em Portugal se o poder legislativo ou o executivo interferissem nas decisões judiciais. Tal ingerência violaria um dos fundamentos do sistema democrático, assente na separação de poderes, e seria certamente denunciada pelos juízes.

Tão condenável como este cenário hipotético é a tentativa real de condicionamento das decisões políticas por parte do poder judicial. Confesso portanto que foi com espanto que escutei o juiz Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, exprimir ontem no Parlamento a sua oposição frontal aos cortes orçamentais previstos para os titulares do poder judicial, que não podem estar isentos dos sacrifícios que são exigidos a todas as classes profissionais do País.

O meu espanto deveu-se sobretudo aos argumentos invocados. "Gostaria de chamar a atenção para uma situação que hoje começa a ser perigosamente preocupante para a independência dos juízes: as pessoas são independentes por via dos princípios que defendem, por via das leis que têm, mas também são independentes se tiverem uma componente financeira que lhes permita exercer as suas funções com dignidade e não estarem sujeitas a qualquer tipo de pressão. Há que assegurar aos juízes uma independência financeira suficiente para que a sua independência no acto de julgar seja efectiva. É isso que começa a ser posto em causa hoje em Portugal", disse Mouraz Lopes, em declarações recolhidas pela SIC. E à TVI o presidente da associação sindical afirmou o seguinte: "Os juízes têm que ter uma capacidade económica, estatutária e financeira que lhes permita dizer não. E dizer não sem medo."

Acho preocupante que a independência dos juízes - titulares de um órgão de soberania imprescindível no sistema constitucional português - flutue à mercê de condicionalismos financeiros. E que a sua capacidade de dizer "não sem medo" a pressões indevidas possa depender dessas circunstâncias, como parece inferir-se das palavras de Mouraz Lopes. O primeiro dever de um juiz é ser independente. E quem possa sentir abalado este princípio - que deve ser sagrado - devido a cortes de suplementos remuneratórios e à redução de ajudas de custo certamente errou a vocação.

Eu sei que não é fácil ser juiz. Mas milhões de portugueses sonhariam auferir o salário de um magistrado, que em início de carreira recebe entre 1800 e 2000 euros líquidos, acrescidos de 600 euros de subsídio de alojamento.

É legítimo que queiram melhores condições. Mas é inaceitável que façam depender o grau de independência do estatuto remuneratório. E é inimaginável que sintam "medo" na razão directa das medidas de contenção financeira que possam afectá-los.

O presidente da Associação Sindical de Juízes - que ainda antes de ser conhecida a proposta de Orçamento do Estado para 2013 já a considerava eventualmente ferida de inconstitucionalidade por conter um "brutal aumento da carga fiscal" - volta a interferir num domínio que está reservado à Assembleia da República.

E regresso ao princípio: imaginem o que sucederia se o poder político procurasse condicionar as sentenças judiciais.

Publicado também aqui

O mistério

José Meireles Graça, 25.10.12

Por estes dias em que até mesmo quem apoiou convictamente o Governo hesita, critica, pondera outros caminhos, convém perceber o que diz aquela oposição que, para além do folclore fracturante e da retórica da justiça social, afirma não rejeitar a economia de mercado nem o direito de propriedade, incluindo dos meios de produção - em suma, o capitalismo.

 

Anda para aí um programa orçamental do BE para "salvar a economia". Fui ver e fiquei pelo resumo - a agenda é de tal modo transparente que, para ler o desenvolvimento com atenção, se faria mister ter um espírito de sacrifício que não me assiste.

 

Diz a papeleta o seguinte:

 

1) A recusa do aumento do irs no oe 2013, demonstrando que o défice pode ser corrigido com um conjunto de reformas fiscais no irs (englobamento de todos os rendimentos), no imi (progressividade com quatro escalões e fim de isenções), no irc (progressividade por via de 3 novos escalões), um imposto sobre grandes fortunas (igf), a reposição do imposto sobre heranças e ainda uma taxa marginal sobre transações financeiras.

 

O IRS já é progressivo, e com todas as alcavalas a taxa máxima atingirá 54,5%. Já em 2009, 6% dos agregados (com rendimentos acima de 50.000 Euros) representavam 63% do total da receita cobrada. E os felizardos que pagaram 42% (rendimentos acima de 64,6 mil Euros) representaram 21,4%. Com as cordoveias do pescoço inchadas de indignação, a malta do BE costuma falsear a percepção deste facto, fazendo passar a ideia que os "ricos" não pagam a crise. Há, é claro, os muito ricos (mais de um milhão de rendimento bruto por ano). São 0,003% das famílias, uma superfície sobre a qual, para obter uma receita significativa, é melhor ir para o confisco puro e simples, que infelizmente só funcionará uma vez. O englobamento, pó de perlimpimpim do BE, produziria  uma receita de 400 milhões de Euros, a sair dos bolsos sem fundo dos ex-ricos dos escalões máximos - um reforço da progressividade, com outro nome.

 

A progressividade do imposto sobre o rendimento, que tem dignidade constitucional, é em si discutível. Mas não curo dessa batidíssima discussão agora. O esbulho dos ricos, transformando-os manu militari em remediados, parte do princípio que tudo ficaria igual: continuariam a ganhar o mesmo, e deixavam-se sangrar trabalhando, investindo, e não reagindo. Santa ingenuidade!

 

O imposto sobre grandes fortunas é um esbulho dirigido a quem tenha imóveis ou móveis de luxo e traduz-se nesta mensagem: ponham os móveis ao fresco e os imóveis no mercado. Se tiverem bens mas não rendimentos ao mesmo nível, a gente penhora e põe as mobílias nos gabinetes dos dirigentes da Administração, os candelabros nas estações de metro (há precedentes históricos, que deram excelentes resultados) e associações de okupas e comissões de moradores nas mansões. Já as antiguidades têm mais é que estar em museus, que o povo precisa de se cultivar vendo como viviam os fascistas e exploradores.

 

O IMI, um imposto que se destina a sustentar as autarquias, a sua prodigiosa malbaratação de fundos, a cacicagem local, os quadros pletóricos de pessoal, o endividamento crónico, as megalomanias e modas dos bairrismos tolos, o desenvolvimento a golpes de pavilhões multi-usos, rotundas ornadas de estatuária modernaça, e vias rápidas para o motel ou as casas de putas do concelho vizinho - é a negação retroactiva da vontade dos mortos, para quem quis deixar imóveis a herdeiros, e sobre a poupança e o trabalho, para quem os comprou e conserva ou melhora.

 

O IRC deveria ver baixar a sua taxa permanentemente, para atrair o investimento, nacional e estrangeiro. E há boas razões para pensar que a receita não baixaria na proporção da redução percentual do imposto, mesmo que o investimento não viesse em tropel - a competitividade fiscal é uma boa e necessária ideia, mas não é suficiente.

 

O imposto sobre heranças é iníquo. Quem deixa alguma coisa a alguém, adquiriu-a por investimento, trabalho, diligência ou poupança, e já pagou os seus impostos. Desejar aos descendentes uma vida mais desafogada, e trabalhar para isso, é um impulso natural que o imposto contraria, incentivando a incúria, o desleixo e o consumo, e desincentivando a poupança e o investimento.

 

A taxa marginal sobre transacções financeiras assenta na necessidade do registo do movimento de capitais e pressupõe níveis iguais de actividade. Não se percebe a modéstia dos 0,3% - cinco por cento parecer-me-ia um número mais feliz. É preciso ver que para obter receita fiscal o que é preciso é imaginação. Gaspar enganou-se na previsão de receitas - o BE não é desses, está com certeza confiante e pede meças aos guarda-livros da Troika na manipulação de folhas Excel.

 

O programa quer, todo ele quer (e aqui chegado acho que nem me vou dar ao trabalho de ver o resto) emagrecer a galinha, no pressuposto de que continuará a pôr ovos.

 

Esta é a receita que o Governo tem, em parte, seguido, para o País pagar o que deve. Já o BE não se incomoda excessivamente com os estados de alma dos credores, e diz-lhes quanto vai pagar, quando, e a que preço. Estes devem confiar, porque para gerir a economia uma das qualificações mais úteis é a capacidade de gerir comícios, e redigir manifestos e proclamações.

 

Resolvido assim a contento o problema do défice e da dívida, falta combater a quebra do produto e o desemprego. Calma: há o investimento público, parece. Em os decisores sendo da verdadeira esquerda, nem há corrupção, nem o investimento deixará de ser fortemente reprodutivo, nem faltarão recursos.

 

Por que razão esta gente, que na sua maioria apenas produz perdigotos e opiniões, acredita que retirando a quem realmente produz para pôr na mão de burocratas, políticos e engenheiros de sociedades, gerará Progresso - é um mistério.

Dream on, baby

José Meireles Graça, 19.10.12

 

60% de dívida pública máxima, 3% de défice - anda por aí, algures, um estudo que demonstra que para 2 ou 3% de crescimento isto está muito bem.


Não o vou procurar, o estudo. Que estudos económicos demonstram preconceitos, e eu tenho outros (preconceitos, não estudos). Para mim, fora de guerras, calamidades, depressões e despesas de investimento sobre cujo retorno não haja a menor dúvida, o défice deve ser zero. E mais: como os cenários orçamentais devem ser pessimistas, a execução superavitária, se houver, é uma coisa boa: os mercados emprestam com tanta maior facilidade e tanto menor preço quanto menos se precisa.


Tudo isto é um raciocínio perigosamente fascista: estão a ver, de quando o País crescia a taxas asiáticas (quase o dobro do que se verificava no espaço que viria a ser o da UE), o equilíbrio era a regra e a despesa pública não chegava a 25%.


Este discurso, actualmente raro, costuma ser despachado com escárnio: e a miséria, hem? e o atraso? e os índices humilhantes, na educação, na saúde, nas vias de comunicação? e a ausência de globalização e a adesão à AECL, no início da década de 60? Hum?


Hum o caraças. Que as comparações estáticas entre o agora e o antes são um abuso de raciocínio: todo o Mundo cresceu e em todo o Mundo se registaram melhorias de índices. E mesmo que, como na saúde, haja não apenas progresso absoluto mas também relativo (isto é, subida no ranking comparativo dos países) está por perceber quanta marcha-atrás terá que ser feita até que se atinjam níveis sustentáveis de despesa pública, na saúde e no resto.


E antes que venham para aí bolsar nas caixas de comentários insultos de salazarista!, facho!, e coisas piores, esclareço que, ainda que a gestão económica do País tenha sido nos últimos 38 anos, como foi, uma litania de disparates - nem por isso deixei de pensar que a única legitimidade admissível para governar é ter sido escolhido livremente pelos governados.


Tudo isto para dizer que não preciso de ser convencido da bondade da disciplina nas contas e, portanto, que deveria talvez receber esta notícia com alegria.


Mas não. Ser democrata implica inclinarmo-nos perante a vontade da maioria, mesmo quando - e se calhar sobretudo quando - a maioria escolhe miragens e compra banha da cobra. Ser democrata é isso - e ser patriota implica partir do princípio que quando estrangeiros nos governam, por muito lúcidos que sejam, não somos mais do que cidadãos de segunda.


E, salvo melhor opinião, ainda está para nascer aquela sociedade onde quem parte e reparte não escolha a melhor parte.


Os europeístas de todos os bordos dirão: que tolice, esta é a maneira de termos uma voz numa União de iguais, e salvarmos o precioso Euro, qual colonização qual quê.


Dream on, baby.

Temos para onde ir?

José Meireles Graça, 15.10.12

 

(*)

 

Hoje é dia de orçamento, o documento que, via fugas, antes de o ser já o era.

 

É um documento trágico: quase ninguém acredita que a pauperização da classe média seja caminho para lado algum. Não porque seja possível pagar dívidas sem apertar o cinto, mas porque o violento esbulho do rendimento ainda disponível é feito em nome de uma inevitabilidade sem outra esperança que não seja os credores abrirem os olhos a tempo de verem que nem para eles estão a ser bons.

 

Entendamo-nos: o caminho que alguma esquerda defende (renegociar a dívida sem reforma séria do Estado, sem diminuir as despesas sociais, e sem nenhuma receita para o crescimento que não seja o consumo) esbarra na incredulidade dos credores e no senso comum. E a ideia de que se pode dizer aos mercados que para já não pagamos, mas que o crédito deve continuar a fluir para importarmos combustíveis, alimentos, matérias-primas para a indústria e o mais que mantém o país de pé - ou decorre de ignorância, ou ingenuidade, ou má-fé.

 

Nas circunstâncias a que nos deixamos chegar o Governo que temos teve uma curta oportunidade de reformar o Estado, se tivesse concentrado todos os seus esforços na correcção do défice pelo lado da despesa e não hesitasse no tratamento a dar aos poderes fácticos do sector financeiro, dos plutocratas, dos sindicatos, das associações patronais e das opiniões estatistas, que são quase todas. Não foi assim e agora é tarde. Haveria convulsões, a popularidade ficaria num frangalho, o ambiente social não seria muito diferente do que é, a berrata das esquerdas seria, se possível, ainda mais estrídula, quando houvesse eleições perdê-las-ia - mas nem a queda do produto seria tão grande, nem a perspectiva de recuperação tão distante, nem a autoridade para discutir com os credores tão enfraquecida.

 

Numa palavra, preferiu-se a água choca do diálogo social, dos panos quentes, das reformazinhas, dos cortezinhos e das medidinhas. Quando, numa reforma do instituto das fundações, se faz um corte de apenas 30% à Fundação Mário Soares, um monumento dispendioso ao ego daquele heróico fóssil; quando se tratam com panos quentes os empresários de retorno garantido das PPPs e a banca que está por detrás; quando se deixa em paz o sorvedouro da RTP; ou quando se deixa cair a reforma dos municípios, para não perturbar as doces sinecuras dos senhores autarcas treteiros e sempre grávidos do próximo melhoramento - está tudo dito.

 

Alguma coisa ficará, muito mais do que ficaria se fôssemos pastoreados por um Seguro, ou um Costa, ou qualquer outro da longa lista de criadores de riqueza via Decreto-Lei e dinamismos públicos sortidos. Mas será pouco.

 

Para quem defende o que eu defendo, e que agora me dispenso de repetir, um pouco de cinismo autorizaria que pensasse: quanto pior, melhor. Nada disso: pena-me que o Governo mais à direita em quase 40 anos deixe de si a imagem de ter querido fazer tarde o que não teve coragem de fazer cedo; de ter sido forte com os fracos, por ter que ser, sem ter sido forte com os fortes, como devia; e que em momento algum tenha parado para pensar que futuro sem Euro e que, se não acredita já no caminho que os credores apontam, deveria ter o carácter de dizer: não sei para onde vou, mas sei que não vou por aí.

 

____________

 

* Fotografia: Margarida Bentes Penedo

 

Memória e atenção

Mr. Brown, 17.01.12

Podia falar da dívida que duplicou, do défice que subiu porque quiseram ou dos estabilizadores automáticos que fariam baixar o défice sem stress, nem sacrifícios especiais. Podia recordar quando a baixa de notação das agências de rating não tinha importância alguma, a dívida não era um problema e as taxas de juros continuariam eternamente baixas porque os mercados confiavam em nós. Podia lembrar que a construção do TGV e do aeroporto eram ainda mais urgentes no contexto da crise que vivíamos (todos os que isso defenderam estão na minha lista negra). Agora até descobriram que o Euro apresenta defeitos na forma como foi projectado, curioso porque na altura não pareciam dar por eles e se deram ainda foram mais irresponsáveis do que já penso terem sido. Experimentem perguntar aos finlandeses se deram pelos defeitos na construção do Euro? Certamente que não de igual forma do que nós: «Presidente Halonen diz a Sampaio que as regras da UE são para cumprir». A notícia é de 2002 e vale a pena revisitá-la. A falta de memória dos portugueses, é com isso que muito boa gente conta. Mas permitam-me só mais um esforço para avivar a vossa memória: nem faz um ano que andavam a nos garantir que um défice de 4,5%, sem receitas extraordinárias, estaria ao nosso alcance no final de 2011. Repito: um défice de 4,5%. Acrescento: Abril de 2011. Alguns dos génios que estavam desse lado da barricada são os que agora querem nos convencer que Vítor Gaspar é incompetente. Não, não se riam: o incompetente é o Gaspar. Antes de Junho de 2011 isto estava tudo a correr tão bem.

Dirão alguns: isso é passado, importa é ponderar o presente e perspectivar o futuro. Essa é certamente uma abordagem que agrada a quem nos quer levar a esquecer os erros do passado (é melhor não recordar o histórico de alguns opinadores e jornalistas, não se vá dar o caso de desmontarmos uma farsa), mas vamos a isso: podia dar-se o caso do PS ter aprendido a lição e ter-se renovado, mas nem isso. O "novo" PS é extraordinariamente semelhante ao anterior. Tão depressa num dia discutem folgas e almofadas, como no outro acusam Gaspar de não ter deixado margem no OE2012 para acomodar uma parcela muito inferior à margem que anteriormente haviam garantido existir. São génios da matemática estes socialistas. E incompetente é o outro. Mas vamos à cereja no topo do bolo: no PS conseguem por um lado malhar em Vítor Gaspar pelos problemas que a transferência do fundo de pensões acarreta - isto, claro, ignorando que o recurso à mesma só em ínfima parte pode ser explicada pela actuação do actual ministro das finanças - ao mesmo tempo que dão como provado que a sobretaxa extraordinária do ano passado não seria necessária. E porquê? Tcharan: porque recorremos ao fundo de pensões da banca. Que não usar a sobretaxa extraordinária agravasse os problemas inerentes à transferência do fundo de pensões da banca é um pormenor sem importância. Tanta coerência - e competência! - que existe por aquelas bandas.

A estratégia no Largo do Rato é disparar em todos os sentidos, mesmo que os tiros atinjam os próprios soldados. E isso é um problema? Nem por isso, responderá o general socialista, a atenção está toda centrada no campo do adversário.

A terceira derrota de José Sócrates

Pedro Correia, 04.11.11

 

Viragem de página no PS: terminou esta noite o que restava do ciclo político de José Sócrates à frente do maior partido da esquerda portuguesa. Na reunião da Comissão Política do partido, concluída há pouco, vingou por larga maioria a tese do secretário-geral, António José Seguro: os socialistas optam pela abstenção no Orçamento do Estado para 2012. Demarcando-se assim do cenário de polarização política existente na Grécia e dos incendiários internos, que lhe vinham exigindo o voto contra.

É o terceiro -- e definitivo -- desaire político de Sócrates em poucos meses. Perdeu as legislativas para o PSD, perdeu a liderança do partido e acaba de ver os seus homens de confiança derrotados numa votação crucial, com claras repercussões na linha estratégica do PS para o próximo ano. Seguro mostrou-se à altura das circunstâncias. Pelos motivos que antecipei aqui há duas semanas.  Interessa-lhe, por um lado, credibilizar a sua imagem associando-a à ideia de estabilidade -- não só na frente interna mas sobretudo aos olhos dos nossos interlocutores internacionais nesta fase em que os holofotes de todas as instituições financeiras estão centrados em Portugal. Interessa-lhe, por outro lado, estabelecer fronteiras à esquerda com o BE e o PCP: o estilo de oposição do PS, como partido dotado de vocação governativa, não pode confundir-se com as manobras tácticas de bloquistas e comunistas, que disputam entre si o campeonato da esquerda radical.

O PS só tem a beneficiar com isso. E o País também.

O meu Orçamento não é do Estado.

João Gomes de Almeida, 25.10.11

 

Percebo que estamos no grau zero, compreendo que foram feitas muitas asneiras e que durante vários anos andámos a viver à custa de empréstimos que agora não temos hipótese de pagar. Sei que os tempos são maus e que todos vamos ter que colaborar, sei que a austeridade tem que ser um designo nacional, percebo que a crise nos obriga a cortes e que a maneira mais fácil que temos para conseguirmos equilibrar as contas públicas, no curto prazo, é através do aumento dos impostos.


Sei também que este governo parece estar empenhado em cortar nas chamadas gorduras do Estado, sei que existe uma vontade expressa de pôr fim às regalias dos titulares de órgãos públicos e acredito que exista um programa estratégico que passe por retirar peso ao sector público na economia.


No entanto, também sei que nada disto é suficiente a longo prazo. Daqui a dois anos podemos estar com as contas do país equilibradas, mas se mantivermos esta carga fiscal sobre as famílias, estaremos também, certamente, todos a comer pão com manteiga e a beber cerveja cristal às refeições. Em suma, teremos um estado saudável, mas uma economia moribunda e uma classe média mártir e completamente empobrecida.

 

Desculpem, mas não é este o país que eu quero. Desejo esta força e vontade em equilibrar as contas públicas, mas ao mesmo tempo quero ver uma estratégia a longo prazo para a nossa economia. Quero poder trabalhar todos os dias e pensar que daqui a alguns anos estaremos melhor do que estamos hoje – quero acreditar que o nosso país pode ter um rumo.


Quero ter dinheiro para poder sobreviver, quero que a minha geração possa casar, viver condignamente e ter filhos. Quero que o mérito seja reconhecido a quem o tem e que o estado me deixe de obrigar a pagar a saúde dos outros, a educação dos filhos dos outros e os problemas dos pais dos outros.


Senhores governantes, sou de uma nova geração: que prefere uma economia forte a um estado forte.


Não quero ir ao hospital de graça, não quero ficar em casa a receber sem trabalhar, não quero meter os meus filhos na escola de borla, não quero ajuda de ninguém para comprar casa, não quero que me ofereçam um Magalhães, não quero que me paguem o curso e não quero que me dêem trabalho na função pública. Quero apenas que me deixem de ir ao bolso, que criem emprego e riqueza para o meu país. Do resto trato eu, quando o meu orçamento deixar de ser do Estado.