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Forte Apache

O Verão do nosso descontentamento

José Meireles Graça, 14.05.13

Já houve entre nós um tempo de relativa simplicidade: havia os comunistas, que queriam a sociedade sem classes e o diziam sem rebuço. Tê-la-iam tentado atingir, ao cabo de uma guerra civil, se tivéssemos fronteira com um país soviético e os Americanos encolhessem os ombros; havia o PS, que queria que o país tivesse intelectuais franceses, estado social sueco, eficiência alemã e algum fado e caldo verde; havia o PSD, que nem sempre sabia o que queria e tinha, como hoje, uma quantidade inverosímil de prima-donas, mas que na versão sá-carneirista parecia querer a Suécia possível, fosse lá isso o que fosse; e havia o CDS, que desconfiava dos outros quereres e acolhia os desapossados da nova Situação, os eurocépticos avant-la-lettre, alguns liberais, e que tinha sido fundado por dois homens talentosos a quem fora encomendado o meritório serviço de trazer os fascistas para a democracia (destes, um queria uma tribuna - qualquer tribuna - de onde pudesse saltar para a proeminência e os lugares a que se julgava destinado, e o outro não teve tempo para dizer ao que vinha).

 

Tudo mudou:

 

Os comunistas querem, mas não dizem querer, a mesma coisa. Entretanto, especializaram-se, enquanto os ventos da História não mudam, em dar aulas sobre os malefícios do capitalismo, minar as instituições da sociedade civil (sindicatos, grupos de cidadãos contra ou a favor de qualquer coisa, etc.) e afectar respeito à democracia burguesa, a cuja sombra se acolheram.

 

Nasceu um partido novo, constituído no essencial por comunistas que não conseguem fingir que não existiram os desastres históricos do comunismo real, nem aceitar a organização do PCP, mas nem por isso perderam o amor acrisolado à igualdade, que consideram um valor que serve de estalão para todos os outros. Tem como fonds de commerce causas avulsas, partilhadas por uma boa quantidade de moços citadinos com acne e formação académica, mas sem emprego, e por moças que hesitam na hora de depilar as axilas, não vá estarem a ofender algum direito, inclusive delas.

 

O PS e o PSD tornaram-se ferozmente europeístas, e à sombra dos milhões da Europa, primeiro, e do crédito europeu, depois, conquistaram o eleitorado, deixando umas sobras à esquerda e à direita.

 

O CDS podia ter sido o MRPP da Direita, se tivesse conservado o eurocepticismo que uma vez foi seu. Mas não está na natureza dos partidos, se não forem alimentados por uma boa dose de fanatismo ideológico, cuspirem contra o vento. Tornou-se assim euro-realista, por oposição aos eurófilos à sua esquerda. E acabou por ser sempre vítima do PSD, que tinha tradicionalmente uma claque mais numerosa e pôde fazer consistentemente apelo ao voto útil.

 

Bastou uma crise mundial, daquelas que o excesso de crédito periodicamente engendra, mais a circunstância de o País ser governado ocasionalmente por um demagogo venal e inepto, para o edifício - do crédito, das convicções, da Europa - ruir.

 

E aqui chegamos, à tarefa ingrata de pagar os calotes, com juros sufocantes, e encontrar uma maneira nova de viver.

 

E, com surpresa, agora que a barraca está a arder, nem por isso estamos confrontados com escolhas claras: os comunistas e bloquistas defendem o não pagamos, mas que sociedade alternativa defendem, que o não pagar implica? O PS defende investimentos e défices, mas como pode fazer-nos acreditar que haja quem empreste mais? Os credores aceitam ou não aceitam que vamos conservando um módico de respeito por nós mesmos? Quem quer sair do Euro aceita ou não aceita que o País possa e deva ser gerido com orçamentos equilibrados, logo que possível? Quem acha que o País só se reforma com imposições vindas de fora, e que por isso não há exigências dos credores que sejam excessivas ou simplesmente estúpidas, reconhece ou não reconhece que essa posição é anti-democrática?

 

Não pus links na última pergunta porque são tantos os meus amigos que isso acham que não quero discriminar ninguém. Mas a todos recomendaria um pouco menos de confiança nos seus gráficos, e nos seus gurus, e um pouco mais de confiança em nós: andamos por cá há mais de oito séculos e terá que haver, para isso, boas razões. É que o presente tem medos, o futuro incógnitas e o passado lições.

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