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Forte Apache

Mistérios da fé

José Meireles Graça, 03.06.13

Se, no google maps, se procurar "rua Mário Soares", encontram-se resultados na Póvoa de Lanhoso, em Pias (Lousada), Vila Pouca de Aguiar e Vagos; se a procura for por "avenida", a colheita é Abrantes, Oeiras e Chaves. De praças ou pracetas, nada, e nada também para travessas.

 

Isto é estranho: que eu em 1975 já trabalhava e era atento, e se não estive na Fonte Luminosa estive nas Antas e tenho bem presente quem liderou o movimento de resistência anti-comunista. E mesmo que seja verdade, se for, que o PCP recuou na 24ª hora para evitar uma guerra civil; ainda que, se Soares não existisse, outro desempenhasse o papel; mesmo que a nossa localização geográfica, a importância da Igreja, a existência de numerosos pequenos proprietários e empresários, e uma já razoável classe média, tudo se conjugasse para inviabilizar uma revolução tão obsoleta como o partido e satélites que a impulsionavam, nem por isso Marocas deixará de ter o seu lugar na História - uma meia-página se a História for concisa, que é mais do que está reservado às outras personagens que nos povoam a memória da época.

 

Se Soares, cuja marca está tão presente no Portugal desde então, se vê escassamente representado na toponímia, isso é porque, depois do seu papel de herói civil no Verão Quente de 1975, nunca foi mais do que um chefe partidário como os outros, e como os outros votado à experimentada desconfiança e desprezo que os Portugueses reservam aos seus líderes. Ah!, tivesse ele morrido providencialmente, e o País inteiro estaria coberto com urbanizações e pontes e pavilhões multi-usos com o seu nome. E dir-se-ia hoje, com um encolher de ombros desalentado e soturno: se Soares fosse vivo, nada disto teria acontecido.

 

Sucede porém que, com diferenças de grau e de estilo em relação aos colegas da arena política, o Portugal que Soares quis e para o qual trabalhou, é o Portugal que temos: europeu do Sul nos costumes, atento, venerador e obrigado a internacionalismos vários, bem-pensante, com uma diplomacia ágil e competente na chupice de fundos, abrigado debaixo de uma Constituição surreal que garante os direitos económicos de todos desde que os nossos parceiros e os ricos paguem.

 

No Portugal de Soares, a chuva e o bom tempo vêm do Euro, da UE, do Estado patrão e do Estado investidor; e como, subitamente, o Euro se revelou um fato apertado a uns e solto a outros, curto ou comprido nas mangas, e de forma geral de mau corte, por ser a moeda de uma raça de trabalhadores disciplinados nos dias úteis, e borrachões de fim-de-semana; como a UE é um conjunto suspeito de instituições desacreditadas, recheadas de funcionários parasitas e metediços, afogados em privilégios e tretas; como o Estado patrão alargou o número de dependentes até ao infinito, para garantir votos para os eleitos do dia; e como, na pele de investidor, cobriu os montes de ventoinhas, as esquinas de abastecedores para carrinhos eléctricos, e as escolas maternais de computadores para ver as aventuras do Noddy - a bonanza durou o tempo que durou o crédito.

 

É aqui que estamos. O Governo que temos, desastradamente embora, quis pôr ordem na tourada. Pôr ordem na tourada quer dizer fazer marcha-atrás. E fazer marcha-atrás é o nosso caminho inelutável, o da UE e o do papel dos Estados - tudo aquilo em que Mário Soares acredita, e a que dedicou a vida.

 

É a esta luz que se deve interpretar o que se passou na Aula Magna: todos os que lá estiveram querem evitar o inevitável, embora nem todos pelas mesmas razões. E, se me é permitido, mil vezes o velho discurso republicano, jacobino e socialista do homem que, mais do que outro qualquer, é responsável pela abjecção a que o nosso País chegou, do que os arroubos líricos do Professor Sampaio da Nóvoa, que não tem a desculpa de ter uma obra a defender nem uma vida de fé que as consequências abalam todos os dias, mas é reincidente nestas lides.

 

O homem está xéxé, dizem-me próximos. Não está não, digo eu: tem o mesmo síndroma de Cunhal, que manteve a fé no céu terreno mesmo depois da queda do muro de Berlim.