Mais do que a raça, é um capuz na cabeça que transforma um inocente em suspeito
A absolvição de George Zimmerman pela morte do jovem negro de 17 anos, Trayvon Martin, veio reacender um debate nos Estados Unidos que, em bom rigor, nunca desapareceu da sociedade, mas que há muito estava adormecido e que agora ressurge com outros contornos. E são esses novos contornos que este arregimentado julga estarem a passar despercebidos na acesa discussão que, entretanto, se gerou.
As manifestações e vigílias que se têm verificado nalgumas cidades americanas contra a decisão do tribunal de Sanford têm expressado a crença histórica inabalável de que os negros na América vivem numa sociedade racista. Um sentimento que voltou a estar à flor da pele perante uma decisão judicial que é toda ela toldado por preconceitos de raça (mas não só) há muito enraizados na sociedade americana.
Infelizmente, aqui, não há nada de novo. Se, por um lado, os Estados Unidos, desde a sua "Fundação", têm sido um farol dos direitos humanos, por outro, contêm na sua natureza uma noção muito estratificada de raça e de condição social.
Não há volta a dar, a cor da pele foi determinante no desfecho do julgamento da morte de Trayvon Martin, sobretudo quando o sistema judicial americano coloca nas mãos dos jurados, simples cidadãos, a aplicação da Justiça.
Ora, neste caso em concreto, não houve qualquer Justiça e quanto à aplicação da Lei, muito haveria para dizer, como se pode ver por estas cinco questões que o USA Today suscita. Além de que esta decisão parece abrir um precedente grave, porque a partir deste momento qualquer negro de "hoodie" na cabeça pode ser abatido em "legítima defesa".
Seja com for, o júri considerou que Zimmerman agiu em legítima defesa, por acreditar que corria perigo de vida, apesar de Trayvon Martin ter feito o que de mais banal qualquer jovem urbano pode fazer: na noite de 26 de Fevereiro de 2012 dirigiu-se a uma loja de conveniência, tendo comprado "ice tea" e um pacote de Skittles.
À saída da loja, Martin colocou na cabeça o capuz do seu "hoodie" e a partir desse momento Zimmerman, um segurança voluntário de um condomínio privado daquela zona, viu ali um indivíduo suspeito. Os acontecimentos precipitaram-se e Zimmerman acabou por alvejar mortalmente o jovem no peito.
É aqui que está o pecado original desta história e que reflecte aquilo que é uma conjugação de preconceitos históricos de raça com o que este autor chamaria de novos preconceitos urbanos.
Uma simples "sweat com capuz" que escondia o rosto do Martin foi o tónico que faltava para tornar um inocente num potencial criminoso. O Forte Apache recorda que na altura gerou-se um debate interessante nalguns círculos sobre os novos preconceitos urbanos que vão muito além das discriminações de raça, de género ou de condição social.
Obama, aliás, veio prontamente afirmar que ele próprio usava "hoodies", uma indumentária que muitos jovens (e adultos) vestem sem qualquer conotação criminosa. Neste sentido foi também o protesto original do congressista democrata Bobby Rush, que em plena Câmara dos Representantes se insurgiu na altura contra uma nova forma de preconceito.
São correctas as leituras de Obama e de Rush, só possíveis através de uma consciencialização das novas tendências e realidades urbanas, que não obedecem a qualquer condição racial, social ou de género. E é precisamente esta realidade que o autor destas linhas considera que está ausente do actual debate, muito centrado na importantíssima questão racial, mas que não esgota o problema.