Na sua ausência, era insultado na taberna. Os bêbados chamavam-lhe todos os nomes, mas o que mais lhe doía era a acusação de alcoólico: bebe como uma esponja, diziam os bêbados; e faziam essa acusação sobretudo quando já tinham bebido em excesso; eles, que apenas sabiam beber até perderem toda a lucidez, viam no seu inimigo a própria imagem reflectida e sentiam uma ânsia súbita de destruir aquele objecto de ódio.
Por vezes, a vítima perguntava-se, que lhes fiz eu?
Era um mistério, sobretudo aquele insulto grave, de ser alcoólico. Espalhara-se pela vila, como uma nuvem de veneno. É alcoólico, o dissimulado. E se alguém lembrava o facto simples de nunca ninguém o ter visto a beber, de nunca ninguém o ter visto na taberna, logo uma beata dizia que isso era ser falso, que só bebia em casa, às escondidas, o que era pior.
A inversão da lógica não os perturbava. Davam mais ouvidos à calúnia do que à verdade, se é que existem verdades.
O facto é que ele não bebia uma gota. Sei de boa fonte, pois o homem morreu de desgosto e eu fui amante da viúva, que mo contou sem ter razão para me mentir. Julgo que era por isso que na taberna o caluniavam. Para os bêbados, era insuportável a simples existência de alguém que tinha toda a liberdade para não beber.