Brincar aos Cowboys
Por ter nascido rapariga, nunca me foram dadas grandes oportunidades de andar a brincar aos cowboys. Na melhor das hipóteses, nas jogatanas com primos, talvez tenha feito alguma vez de mulher do xerife, papel que dificilmente implicaria um galope emocionante de carabina em punho.
Durante a adolescência, lambi durante as tardes de domingo todos os filmes do John Wane onde proliferavam índios e cowboys a combater no meio da grande poeirada do oeste americano. Às mulheres, cabiam mais uma vez papéis secundários tão dignificantes como o de varrer a varanda ou dançar o can-can no palanque do saloon.
Porém, por alturas dos meus dezoito anos, comprei um livro do Lucky Luck onde pela primeira vez aparecia neste ambiente hostil uma mulher capaz de meter na ordem qualquer cowboy mais atrevido. Chamava-se Calamity Jane e passou a ser o meu ídolo lá pela página cinco, quando Lucky Luck lhe oferece um cigarro e ela lhe responde calmamente que não fuma, acrescentando, após uma breve pausa e mediante o constrangimento de Luck, “...masco tabaco”.
A verdade é que deixei de querer ser a Julie Wood dos livros do Michel Vaillant para desejar desesperadamente encarnar a Calamity Jane na vida, uma mulher que, ao contrário de Julie, tinha mesmo existido em carne e osso.
Eu queria ser uma mulher que soubesse manobrar uma carabina e que mascasse tabaco. Eu sonhava com o dia em que num grupo de cowboys me dissessem “tu, para nós, és um homem”.
Cumpre-se hoje este sonho ao entrar para o regimento do Forte Apache. Quem ousar pensar que as unhas pintadas de vermelho me atrapalharão o premir do gatilho, desengane-se. Não hesitarei em disparar sobre o primeiro que me roa as canelas.