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Forte Apache

(Des)Humores

Francisca Prieto, 21.11.11

 

Nos últimos anos de vida, Mário Viegas dedicou-se a espectáculos de one man show na sala estúdio do São Luís. Tratavam-se de peças que partiam de um texto base e que deixavam espaço para, de forma magistralmente improvisada, evoluírem por diferentes caminhos, consoante a resposta da plateia da noite.

 

Fui ver grande parte destes espectáculos, talvez todos. Mário Viegas dominava com toda a mestria o humor inteligente e conseguia muito facilmente tirar da cartola uma carta inesperada para nos fazer lançar uma gargalhada.

Um dia, porém, vá-se lá saber porquê, começou a abandalhar em demasia e a deixar-se resvalar para o humor “cocó-xixi”. Tive pena e achei desnecessário, mas sobretudo não contava que a casa viesse abaixo em risos histéricos e palmas convictas.

 

Lembrei-me disto este fim de semana porque, depois de uma laboriosa operação para convencer Monsieur Prieto a deslocar-se ao Casino de Lisboa para ver o “É Como diz o Outro”, com o Miguel Guilherme e o Bruno Nogueira, saí do espectáculo com todos os meus futuros créditos queimados.

 

Quer eu, quer Monsieur Prieto, nutrimos uma embirração de estimação pelo Bruno Nogueira. No entanto, várias pessoas em quem ingenuamente confiava, me asseguraram que tinham passado a peça toda a contorcerem-se de riso pela cadeira do teatro abaixo.

 

“Olha lá, o rapaz pode ser um bocado parvo” – verbalizei eu em plena consideração metafísica – “mas se calhar meteram-lhe um bom texto nas mãos e o Miguel Guilherme é um tipo com graça, com muitos anos disto. É pessoa para fazer dele um homem”.

 

Muito contrariado, Monsieur Prieto lá acedeu. Mas mais valia que não tivesse acedido (por muito que me custe admitir).

 

Ora a peça tem, de facto, uma ou outra parte com graça. Curiosamente, todas as passagens de texto que fazem a ligação entre uma ordinarice gratuita e outra. O que quer dizer que me ri quando a plateia se encontrava silenciosa e me constrangi sempre que a casa veio abaixo em gargalhadas desvairadas.

 

Gostava de deixar bem claro que não sou nenhuma flor de estufa. Já me ri de muita javardeira por esta vida fora. Ocorre-me, assim de repente, uma peça com o Gonçalo Waddington – “O que se Leva desta Vida”- , onde fervia palavrão que era uma alegria, e que foi talvez dos espectáculos mais divertidos a que assisti em Portugal.

Tal como fui assolada por espasmos de hilariedade quando li o “Efeitos Secundários”, de Augusten Burroughs, um ex-alcoólico, homossexual assumido, que relata todo e qualquer episódio estrambólico da sua vida da forma mais cáustica e amoral que alguém possa imaginar.

 

No entanto, em ambos os exemplos, senti que levar o humor a tais extremos se adequava ao registo. É como se não pudesse ser feito de outra maneira.

 

Em “É como Diz o Outro”, o que encontramos é uma sequência de alusões básicas a partes anatómicas quer do Miguel Guilherme, quer do Bruno Nogueira, complementadas com algumas descrições de orifícios de terceiros. Confesso que me constrange ser confrontada com uma dor no escroto do Miguel Guilherme ou uma comichão nos tintins do Bruno Nogueira. Não há necessidade, não quero saber, não tem graça. Lamento.

 

Gostava de ter sido poupada a isto. Mas infelizmente não só me deu um instinto suicida, como arrastei comigo para a forca o homem com quem é suposto viver para o resto da vida. É coisa para ascender à categoria de pecado capital, convenhamos.

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