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Forte Apache

Esta espécie de Bizâncio em que nos tornámos

Pedro Correia, 01.12.11

 

Com a Europa política ameaçando desagregar-se, o modelo social europeu à beira da agonia, os juros da dívida pública a dispararem para níveis inéditos na quarta maior economia do continente e a moeda única a um passo do colapso, um dos temas dominantes da semana jornalística e blogosférica por cá foi uma notícia sonante baseada em alegados factos. O ministro da Solidariedade e Segurança Social teria trocado a Vespa que possui por um Audi que decidiu comprar por 86 mil euros, a expensas dos contribuintes, indo ele próprio buscar a nova viatura ao stand.

Veio a verificar-se posteriormente o seguinte:

- A viatura não foi comprada mas alugada;

- O contrato de aluguer não foi celebrado pelo actual Governo, mas pelo anterior;

- O contrato estava blindado, não podendo portanto ser denunciado pelo ministro da Solidariedade;

- O Audi destinava-se originalmente ao então secretário de Estado Carlos Zorrinho, actual líder parlamentar do PS;

- O valor de 86 mil euros é o de venda ao público para aquisição própria, não correspondendo ao valor real de um contrato de aluguer por dois anos no âmbito da frota de automóveis do Governo;

- Estes contratos são celebrados pela Agência Nacional de Compras, entidade responsável para o efeito, e não resultam de nenhuma decisão ministerial, seja deste seja do anterior Governo;

- Como é óbvio, o ministro Mota Soares jamais se deslocou a stand algum para levantar o Audi, nem isso faria qualquer sentido;

- Como é óbvio também, o ministro não trocou a Vespa (que usa regularmente para deslocações de âmbito privado) por um Audi (a utilizar apenas em deslocações oficiais);

- Apurou-se entretanto que no ministério em causa, onde antes existiam 20 viaturas oficiais, há agora só 11. E o ministro, por altura da posse, nem tinha automóvel de serviço devido ao facto de o anterior contrato de aluguer ter expirado.

 

Andámos dias a discutir isto. Indiferentes a todos os indícios de derrocada que nos surgem de várias capitais europeias e que ameaçam tornar quase irrelevantes os nossos problemas actuais. Se o euro implodir, o nosso nível de vida pode ser reduzido até 60% face aos padrões actuais, o tecido empresarial português entrará em colapso e Portugal será remetido de regresso ao grupo dos países subdesenvolvidos.

Nada que pareça preocupar excessivamente esta espécie de Bizâncio em que nos tornámos, entretida com inócuos tabuleiros de xadrez. Até por isso, foi com particular satisfação que li este texto do André Macedo no Diário de Notícias. Estou à vontade: critiquei muito o Governo anterior, mas nunca porque o primeiro-ministro usava o carro X ou o ministro Y se deslocava na viatura W. Nem queria saber onde passavam férias nem com quem, nem que restaurantes frequentavam ao almoço e ao jantar.

Há limites óbvios para a demagogia política. Ou devia haver, mas não há. Enquanto Bizâncio arde.

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