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Forte Apache

António Barreto ... II

Rodrigo Saraiva, 03.12.11

... sobre Portugal, a crise, como chegámos aqui e os possíveis caminhos.

 

Mas os números são um mapa, apontam realidades, se não absolutas, aproximadas. O que se destaca?
Os elementos que mais se destacam são os de um país que evoluiu muito rapidamente e com grande sentido de progresso e prosperidade entre as décadas de 60 e 90, que abrandou entre 90 e 2000 e que decaiu a partir de 2000.

Como é que justifica esse trajecto?
Será que há um efeito de cansaço, de fadiga, das pessoas, da sociedade, das estruturas? Será que há um efeito de contraciclo, depois de uma enorme euforia, quando se percebeu que se estava a viver a crédito? Porque a partir de certa altura foi-se percebendo que Portugal não tinha os recursos suficientes para a vida que estava a fazer, sobretudo para os projectos, e começou a empurrar e a acumular dívida para a geração seguinte. Isto é válido, a meu ver, a partir de meados dos anos noventa. Começou-se a gastar por conta do que se ia crescer nos 20 anos seguintes. Simplesmente, não crescemos!

E agora estamos pressionados para pagar essa dívida, uma vez mais pressionados pelo imediato. E para onde vamos?
Acho que o país inteiro está a pensar nisso. O país está desesperado, as pessoas estão aflitas. E não tem nada a ver com apoiar ou não apoiar... Isto é, as pessoas que estão contra o actual governo e as actuais políticas e as pessoas que são a favor do governo e das actuais políticas, por razões, eventualmente, ligeiramente diferentes, ou motivos pessoais diferentes – porque uns estão à vontade e outros não estão –, estão todas elas num estado de aflição, de inquietação. O que quer dizer que toda a gente está a pensar. Infelizmente, as pessoas não estão a receber toda a informação, que deveria ser constante, permanente, honesta e séria, nos jornais, nas rádios, nas televisões…

O que é que acha que as pessoas não sabem?
Ainda ninguém sabe porque é que a dívida teve esta evolução nestes cinco anos. Foi graças a quê? Quais são as responsabilidades? Foi o comércio externo, foi a produção de bens, foi a imigração, foi a emigração, foi a fuga de fundos, foi a corrupção, foi a fuga ao fisco, foram as off-shores, foi a especulação financeira, foi a bolha imobiliária, foi a falta de crédito?

E é fundamental saber isso agora?
É, para corrigir. Se tem um ano ou dois de austeridade e depois faz as mesmas coisas… Entretanto cancelou projectos, cancelou TGV, aeroporto e etc., e depois, se daqui a dois anos recomeça tudo?!

Sabemos que se gastou mais do que se tinha…
Vivemos a crédito e empurrámos para a frente.

As pessoas estão conscientes disso, ou acredita que não?
Estão. Mas agora há quem pense que basta nacionalizar tudo – banca, empresas –, colectivizar tudo que o problema resolve-se. Eu acho que não, que se agrava ainda. Há pessoas que dizem que basta sair do euro. Eu acho que não, que se isso acontecer os portugueses perdem 40% ou 50% do seu nível de vida em dois anos, e teremos enormes dificuldades em pagar dívida, em relacionar-nos com o exterior.

Qual deve ser o caminho?
Não tenho competência para dar uma solução para a maior parte das coisas importantes, mas aquilo que se desenha diante de mim como uma hipótese, que é muito abstracta, se assim quiser, é isto: o Estado português está falido – e é melhor não andar à procura de outros termos, default e sei lá o que mais… Estamos falidos e a viver a crédito! Portugal já tem um enorme empréstimo à sua conta, vai certamente ter mais empréstimo ainda, e vai precisar nos próximos cinco a dez anos de recorrer a financiamentos externos. Não há dúvida sobre isto. Portanto, é necessário criar austeridade suficiente para reduzir a despesa pública, o endividamento de empresas e de pessoas, o que quer dizer que é preciso gastar muito menos, comprar muito menos ao estrangeiro e tentar o mais possível produzir um pouco mais e melhor. E não vejo muitas possibilidades de Portugal produzir mais e melhor antes de dois ou três anos, ou quatro… O que quer dizer que o importante, a meu ver, era, numa primeira fase, Portugal encontrar uma solução de estabilidade provisória com a União Europeia.

E sem a União Europeia?
Sem União Europeia não há qualquer solução – vamos para a bancarrota e vamos ter uma vida negra durante muitas décadas. Se ficarmos dentro, a solução tem de ser razoavelmente europeia. E a Europa, felizmente, tem de tratar de outros países que não só de Portugal, caso contrário éramos capazes de não ter sorte…

E assim, teremos sorte?
Mas que não se pense que isso é o reino da facilidade. Se a Europa encontrar as soluções e a estabilidade financeira, o papel a desempenhar pelo BCE, por exemplo, vamos ter uma vida muito difícil à mesma. Simplesmente, dá-nos tempo. Portugal precisa urgentemente de tempo, com alguma estabilidade, para recuperar um pouco e pôr em ordem algumas reformas, nas empresas, na administração, nas instituições.

Não temos por onde fugir, estamos comprometidos com a troika…
Sabendo que isto é quase uma forma de protectorado. Hoje, diz-se que não é protectorado, é federalismo. Chamem-lhe o que quiserem, mas obviamente Portugal tem de estar por conta! Isto custa muito dizer. Se Portugal não quer estar por conta tem de sair de tudo, e para sair tem de pagar o ónus, tem de pagar as favas. Se Portugal fica, é neste sistema, federalista, unionista, comunitário - ok, é uma espécie de protectorado colectivo. Se conseguirmos comprar tempo e alguma estabilidade para poder fazer algumas reformas de fundo, sempre em austeridade, que não vejo alternativa, já não é mau.

A própria União Europeia está à procura de solução, financeira e política…
Queriam pedir dinheiro emprestado a outros países, não sei como, que só emprestam a países com três A, ouvi eu dizer à presidente do Brasil e ao presidente da China. Para Portugal há quem sugira, em vez da Europa, fazer uma união com a Líbia, que já não é. E já foi Angola, já foi a Venezuela, que agora também já não é… Tudo isso é blá-blá, não vejo qualquer espécie de alternativa a ter um longo período de austeridade, uma preparação ao crescimento, um apoio europeu e, sobretudo, aprendermos com os erros.

 

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