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Forte Apache

Diário de ideias soltas (1)

Luís Naves, 05.09.11

Passeio breve. Muitos trabalhadores vieram de férias e o trânsito estava outra vez caótico. Em três locais diferentes, pessoas discutiam. Uma rapariga gorda gritava para um velho, talvez com razão; sandália chã, como se usa agora, a blusa sem chegar à calça, mostrando um pneu de banha a nível da cintura. Um velho e uma velha sentados num dos novos bancos de jardim gritavam um com o outro: “Deixe-me falar”, explodiu ele, a certo ponto; não percebi o tema da discussão; quando reparei neles, aquilo continuava: iam ao fundo da rua, ele atrás dela; chegaram a um prédio e entraram.
Sol manso, ar de cristal, ocorreu-me isto:

 

Observo o esplendor do dia
Que passa em morna monotonia
Dois velhos discutem
Ela exige que a escutem
E diz ele, deixa-me falar
Não há meio daquilo acabar
Se houvesse só gente amável
O mundo seria mais suportável
Mas talvez fosse muito banal
Sempre a sorrir, sempre igual

Cuidado com as aparências

Pedro Correia, 05.09.11

 

«Apanhámo-los, rapazes! Vamos acabar com eles e depois voltamos para o nosso forte.» Segundo a tradição, estas terão sido as últimas palavras pronunciadas pelo coronel George Armstrong Custer ao mandar avançar a sua cavalaria contra os índios Sioux, liderados pelos chefes Touro Sentado e Cavalo Louco. Nunca é de mais lembrar este episódio culminante da batalha de Little Big Horn para se avaliar até que ponto as aparências iludem. O voluntarismo é mau conselheiro, na guerra como na política: impede os seus cultores de perceber até que ponto o chão lhes foge debaixo dos pés. Há quem imagine que cerca quando está cercado, há quem suponha que ataca quando a única solução que lhe resta é defender-se. John Ford, que sabia tanto de cinema como sabia da vida, deixou-nos esta batalha imortalizada num dos seus melhores filmes. Forte Apache, precisamente.

À primeira vista, parece um épico. Mas cuidado com as aparências: é um dos melhores retratos jamais feitos do reverso do sonho americano. Uma longa-metragem que devia ser (re)vista por políticos de todas as latitudes e de todos os quadrantes. Para assimilarem a milenar sabedoria de Sun Tzu: "A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar."

Imagem: fotograma de Forte Apache (1948)

Morte aos grifos!

José Adelino Maltez, 05.09.11

 

Dizem que o Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) está a ponderar adoptar medidas para controlar a reprodução de abutres fouveiros em Portugal, que está a ameaçar outras aves protegidas devido à escassez de alimento. Tenho detectado vários que fazem visitas de inspecção aqui ao forte. Até consta que Passos Coelho tem um plano B: chamar ao governo, em regime de salvação pública, Vasco Graça Moura, Marques Mendes, Manuela Ferreira Leite, Marcelo Rebelo de Sousa, Lobo Xavier e Pires de Lima, assim substituindo os independentes, até agora usados como "éclaireurs" do processo estratégico.

 

Mas Alberto João Jardim não aceitou a pasta das regiões e autarquias. J. Pacheco Pereira nem sequer quis ouvir falar na da comunicação social, sobretudo no dia em que Miguel Relvas faz anos, segundo o Facebook. Nuno Rogeiro, a caminho de Sirte, ainda está a estudar a hipótese de secretário de estado para assuntos de estratégia holística. Marcelo, depois de relar o progrma Catroga, já esboçou o plano de reforma do Estado, depois de uma directa. Vasco Graça Moura garantiu que um poeta nas finanças vai dar que falar, porque importa rimar, de acordo com o velho acordo ortográfico e impedir que o Instituto de Linguística Teórica e Computacional, com a data de maio de 2011, e numa edição conjunta de dois defuntos, o Ministério da Educação e do Ministério da Cultura, continue a lançar esqueletos fora do armário. Manuela Ferreira Leite promete, entretanto, revolucionar as obras públicas, restaurando a Junta Autónoma das Estadas. Além de mais, Campos e Cunha e Diogo Freitas do Amaral sugeriram Pina Moura para embaixador do Vaticano...

 

Apenas se garante, a quem se atreve a entrar nesta reserva de estado de sítio, que estamos a experimentar, para cerca, uma sugestão de serviços secretos alienígenas que desenvolveram uma estratégia chamada "bubble net feeding". "É uma rede de bolhas inofensiva para as espécies e natural. Porque não adaptá-la às artes da política?", pensaram. A técnica é semelhante à que é utilizada no cerco tradicional, uma das artes mais utilizadas em Portugal (sobretudo na captura de opositores internos à liderança), em que a rede é colocada à volta do cardume. Em vez da rede, usariam bolhas de ar.

 

PS: A imagem é da alquimia e não foi retirada da Autobiografia de Nicolae Ceasescu, nem constava da Festa da Atalaia. Foi devidamente fiscalizada pela ASAE.

Brincar aos Cowboys

Francisca Prieto, 05.09.11

 

Por ter nascido rapariga, nunca me foram dadas grandes oportunidades de andar a brincar aos cowboys. Na melhor das hipóteses, nas jogatanas com primos, talvez tenha feito alguma vez de mulher do xerife, papel que dificilmente implicaria um galope emocionante de carabina em punho.

 

Durante a adolescência, lambi durante as tardes de domingo todos os filmes do John Wane onde proliferavam índios e cowboys a combater no meio da grande poeirada do oeste americano. Às mulheres, cabiam mais uma vez papéis secundários tão dignificantes como o de varrer a varanda ou dançar o can-can no palanque do saloon.

 

Porém, por alturas dos meus dezoito anos, comprei um livro do Lucky Luck onde pela primeira vez aparecia neste ambiente hostil uma mulher capaz de meter na ordem qualquer cowboy mais atrevido. Chamava-se Calamity Jane e passou a ser o meu ídolo lá pela página cinco, quando Lucky Luck lhe oferece um cigarro e ela lhe responde calmamente que não fuma, acrescentando, após uma breve pausa e mediante o constrangimento de Luck, “...masco tabaco”.

 

A verdade é que deixei de querer ser a Julie Wood dos livros do Michel Vaillant para desejar desesperadamente encarnar a Calamity Jane na vida, uma mulher que, ao contrário de Julie, tinha mesmo existido em carne e osso.

 

Eu queria ser uma mulher que soubesse manobrar uma carabina e que mascasse tabaco. Eu sonhava com o dia em que num grupo de cowboys me dissessem “tu, para nós, és um homem”.

 

Cumpre-se hoje este sonho ao entrar para o regimento do Forte Apache. Quem ousar pensar que as unhas pintadas de vermelho me atrapalharão o premir do gatilho, desengane-se. Não hesitarei em disparar sobre o primeiro que me roa as canelas. 

Façam-NOS o Favor de se Entenderem

Ricardo Vicente, 05.09.11

Há sinais de estar em curso uma guerra meio tépida entre PSD e CDS. Se a coligação de governo se quebra e deixa de ter apoio no parlamento, não servirá de nada que o PSD lembre ao CDS e ao PS que também esses partidos são signatários do acordo com a tróica: na prática, sem coligação fica garantido o boicote à implementação do acordo.

 

Por outro lado, só muito dificilmente a direita ganhará umas eleições legislativas antecipadas. Deixar o plano da tróica a meio e enfrentar eleições antes do fim da legislatura é entregar o poder numa bandeja aos socialistas.

 

Assim sendo, deixo dois conselhos a Pedro Passos Coelho: primeiro, uma coligação governamental é tempo para apaziguamento entre os partidos que a constituem: logo, o cessar-fogo deve durar pelo menos uma legislatura, até porque, em Portugal, o poder da direita é frágil  - e raro.

 

Segundo: dizia o outro que o bem deve ser feito aos poucos e espaçadamente, enquanto que o mal deve ser feito todo de uma vez e o mais rapidamente possível. Então, para quando os cortes na despesa? Os cortes a sério, não os remediozinhos que só trazem impopularidade e não alteram essencialmente nada do que interessa.

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