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Forte Apache

Um país mal Constituído

Maurício Barra, 30.08.12

Ontem, na TVI24, tive a sorte de parcialmente acompanhar um debate no qual estavam presentes, entre outros, Henrique Monteiro e Pires de Lima. Digo sorte porque, desassombradamente, ouvi Henrique Monteiro (*) ir ao fundo da questão : a Constituição impede que Portugal cumpra o acordo de correcção da economia portuguesa, e, se o PS quer ser intelectualmente honesto, tem de encarar esse facto de frente. Ou se alia aos outros partidos democráticos e revê a Constiuição ou continua aliado dos partidos não democráticos que impedem a sua revisão. Pires de Lima corroborou, enfatisando que dois partidos que representam 10 a 15% da população mantêm todo o país réfem de ideologias que impedem soluções para os problemas que enfrentamos. Os outros participantes concordaram, mas advertiram que agora não há condições para essa revisão constitucional.

Infelizmente parecem ter razão. Digo parecem porque efectivamente não a têm.

O que o PS tem é de  assumir  que o tempo em que ficava "confortável" nas trincheiras ideológicas criadas pela geração anterior, e que resultavam de uma visão anti-fascista controlada pelo PC, acabou. Esse tempo acabou. Acabou para quem em 2012 quer pertencer à Europa. Acabou para quem quer ter políticas económicas e sociais justas, equilibradas, permanentes, adequadas à capacidade produtiva do país. Só não acabou para os minoritários partidos não democráticos que querem destruir a democracia  e a garantia de estabilidade económica que a Europa nos oferece.

O PS pode agradecer não estar no Governo. Se estivesse, teria de se rever a si próprio.

Antes de rever a Constituição.

 

(*) Ler o ouvir Henrique Monteiro é a melhor prova de aferir o que mudou no Expresso. Este anterior director, que desempenhou a sua função com probidade e um equilíbrio reconhecidos pelos seus leitores, hoje é uma raridade deslocada num jornal que enveredou por uma formatação ideológica do que é noticia e do que  não é noticia.

O gigantone

José Meireles Graça, 30.08.12


José Vítor Malheiros assinou na edição de anteontem do Público um artigo em que faz um veemente ataque à democracia representativa, na versão que temos, e que descreve como "uma democracia que só se anima durante um dia de quatro em quatro anos", sendo por isso "apenas a múmia seca de uma democracia". 

 

Malheiros não quer nada com múmias, ainda por cima secas - prefere o "cidadão responsável que reclame e que se indigne, que proteste e que se manifeste no espaço público em defesa dos direitos de todos, que promova concentrações, que organize manifestações, que lance palavras de ordem, que mobilize os seus concidadãos para as causas que lhe são mais caras".

 

Estes cidadãos responsáveis são para mim, o Vítor Malheiros que me desculpe, uns grandessíssimos chatos: são os tipos da CGTP que interrompem o trânsito para debitar as mesmas coisas cediças que dizem há décadas; são as comissões de utentes que reclamam em nome do "utente" - palavra horrível - a reversão de uma medida qualquer; são as associações de pais, ou de consumidores, ou do diabo que os carregue, que vêm à praça pública, sempre indignados, papaguear uma agenda.

 

E aqui é que a porca torce o rabo: porque as manifestações quase nunca são de geração espontânea e quem as organiza, vai-se a ver, e é uma segunda ou terceira figura do PCP, ou do BE - do PS também, se calhar de não estar no Governo, que no PS também sabem tirar a gravata, gritar palavras de ordem e fingir que estão à vontade na rua.

 

É claro que não nego o direito à manifestação; e que reconheço que, sem ele, a qualidade da Democracia fica ferida na asa. Mas a maioria silenciosa, que grande maçada - existe e sempre existiu; e os eleitores que, de quatro em quatro anos, se abstêm de ir às urnas, e que são muito mais numerosos que todos estes coloridos cidadãos da berrata, não são menos respeitáveis do que os que, como eu, lá vão depositar o seu "inútil" voto, nem do que o cidadão que

 

" interpele os poderes, que use os instrumentos legais para o fazer, da participação em reuniões públicas da sua autarquia ao lançamento de petições e abaixo-assinados, que promova iniciativas legislativas cidadãs e envie projectos de lei ao Parlamento. Que participe nas organizações profissionais e sindicais que lhe dizem respeito, que lute por condições que garantam maior equidade, justiça e bem-estar para si, para os seus camaradas de trabalho e para a sociedade em geral. Que se envolva na actividade partidária, que participe em movimentos de cidadãos, que se envolva em organizações de defesa dos direitos humanos, de defesa do ambiente, de promoção do património cultural, de solidariedade social, que faça trabalho voluntário para causas humanitárias. Que se envolva nas organizações que visam melhorar as condições de vida do seu bairro, da sua cidade, da sua escola ou do seu emprego. Que denuncie os crimes de que tem conhecimento ou suspeita, que não feche os olhos à corrupção".

 

Digamos a crua verdade: José Vítor Malheiros não é verdadeiramente um apóstolo do direito à manifestação, nem um advogado do cidadão politicamente hiperactivo; é, mais comezinhamente, um defensor dos partidos que perdem sistematicamente eleições. E que por isso desprezam a urna, que os reduz ao tamanho natural, e valorizam a rua, que os faz parecer muitos.


A democracia do voto é uma múmia seca? Pois a dos desfiles é um gigantone de feira. 

Ipsis verbis

Pedro Correia, 30.08.12

«Há duas formas fortes de se duvidar. Uma é a de julgar-se que tudo está errado. Outra, mais radical ainda, é a de se nem querer saber se está certo ou errado e admitir para mais depressa que tudo está certo, se se diz que está certo, ou errado, se não. Ou as duas coisas se houver controvérsia. Ou nenhuma, se também. E é possível que a razão tenha escolhido aí a sua morada.»

Vergílio Ferreira

Chez Prieto #21

Francisca Prieto, 29.08.12

Manelito Prieto tem o grave defeito de ser um rapaz com uma grande falta de modéstia. Ele é o melhor a jogar ténis, o rei das ondas nos mares mais revoltos e o campeão dos cavalinhos de bicicleta.

Um destes dias, o irmão, farto de tanta fanfarronice, gritou-lhe: "sabes o que é que tu és, sabes? És um C-O-N-V-E-N-C-I-D-O". E apressou-se a acrescentar: "aposto que se eu escrevesse a palavra convencido no youtube iam aparecer moooontes de vídeos teus".

 

"Construsons" do lixo ao luxo poético

José Meireles Graça, 29.08.12

Confesso: sou admirador de João Ricardo de Barros Oliveira. A primeira obra (Vi:Ela Sentada) que tive o privilégio de conhecer deste escultor sonoro foi uma epifania, e delas (da obra e da epifania) dei pávido testemunho aqui.

 

No meu post acima referido já se anunciava a 5ª Sound. E ela aqui está, gloriosa, "um galinheiro amplificado, na Horta Pedagógica, em Guimarães, composto por um teclado musical suspenso e coberto de milho. O esgravatar das galinhas e dos galos e o som que produzem ao comer o milho nas teclas do piano, dão forma ao laboratório vivo de sonoridades."

 

Fallait y penser. Nas palavras imorredoiras do artista: "...apesar da muita 'inspirasom', durante a criação, há sempre uma 'insatisfasom' no processo criativo." E acrescenta: "Estou sempre à procura do som perdido que ainda não encontrei e espero não encontrar"; e "Há todo o levantamento e canalização para o som, a canalizasom."

 

Também esperamos - eu espero - que não encontre. De modo a que continuemos a ser brindados com obras que elevam as almas nestes tempos deprimentes que estamos a viver.

 

Estas coisas custam muito dinheiro ao contribuinte europeu, e portanto também a nós. Mas a Cultura, não é verdade? - não tem preço.

 

Os homens de negro não perdoam

Luís Naves, 28.08.12

Os comentadores da televisão e cronistas de jornal são praticamente unânimes: a situação está a patinar, as contas públicas derrapam e a estratégia do governo não funciona. Não o dizem com todas as letras, mas vão insinuando que assim não dá, que temos de bater o pé à troika e desistir quanto antes do actual rumo. Faltam provas para mostrar aos homens de negro? Pois, lá está a execução orçamental para demonstrar a tese. Usam sempre a ironia “desvio colossal”, tentando com isso dizer que Passos Coelho não é diferente de Sócrates, e a narrativa enganadora vai entrando nos ouvidos da opinião pública, já quase convencida de que os sacrifícios não valeram a pena.
A verdade é que a troika e os mercados olham para a tendência de redução do défice e o ritmo das reformas, muito mais do que para as metas em si. Em termos relativos, Portugal fez o maior ajustamento, entre os países em dificuldades, isto pelo segundo ano consecutivo. Os números são claros, mas o mito do fracasso já está tão cristalizado, que os leitores vão resistir às próximas linhas deste texto.