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Forte Apache

Onde está o juízo?

José Meireles Graça, 03.11.12

Tenho pelos juízes, em abstracto, um respeito um pouco menos do que moderado: lembro-me que nunca houve falta deles para proferirem sentenças iníquas; e não esqueço o dito consagrado do nosso povo - "se queres conhecer o vilão, põe-lhe uma vara na mão".

 

Infelizmente, os riscos que se correm dando o poder da independência e irresponsabilidade aos juízes são ainda menores do que os de os submeter a alguma espécie de hierarquia, fora do âmbito do recurso: enquanto o juiz que decide a nossa pendência se puder estar nas tintas para as partes, os amigos das partes, a opinião pública, e toda a sorte de poderes, podemos ter a esperança de justiça; de contrário, não.

 

Mandaria o senso que gente depositária de poderes excepcionais - julgar em nome do Povo, decidir da fazenda e da liberdade das pessoas -  tivesse ao menos a noção de que poderes absolutos vêm com deveres fora do comum. Mas não, o que vemos é que não há nenhuma diferença: eles envolvem-se nas guerras rascas do futebol, dão palpites comentadeiros nos meios de comunicação, suspeita-se que as inclinações partidárias lhes tingem as decisões (ao menos no caso dos primos do Ministério Publico) e comportam-se, como aqui se narra, como se fossem maquinistas da CP e estivessem a ameaçar o Conselho de Administração.

 

Serão todos, ou sequer a maior parte? Duvido. Mas conviria que os que ainda tenham presente que ser depositário do Poder Judicial não é bem a mesma coisa que ser funcionário de um qualquer ministério, cozinhassem os meios de pôr os seus colegas na ordem.

 

Nestes tempos, mais do que noutros, os que mandam devem ter serenidade e vergonha. Porque, quando as perdem, os mandados perdem o respeito.

Importa-se de repetir? (XVII)

Sérgio Azevedo, 03.11.12
António José Seguro recusa que o PS seja uma "muleta do Governo", respondendo ao apelo do Governo, em concreto do PM, à participação do PS para que se encontrem, em conjunto, soluções para reformar o papel do Estado na sociedade. Soluções, ideias. As "muletas" que o PS de Seguro rejeita fornecer. Compreende-se. Isto de ter ideias e alternativas concretas à situação actual dá muito trabalho...

Perplexidade

Pedro Correia, 03.11.12

Imaginem o terramoto político que haveria em Portugal se o poder legislativo ou o executivo interferissem nas decisões judiciais. Tal ingerência violaria um dos fundamentos do sistema democrático, assente na separação de poderes, e seria certamente denunciada pelos juízes.

Tão condenável como este cenário hipotético é a tentativa real de condicionamento das decisões políticas por parte do poder judicial. Confesso portanto que foi com espanto que escutei o juiz Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, exprimir ontem no Parlamento a sua oposição frontal aos cortes orçamentais previstos para os titulares do poder judicial, que não podem estar isentos dos sacrifícios que são exigidos a todas as classes profissionais do País.

O meu espanto deveu-se sobretudo aos argumentos invocados. "Gostaria de chamar a atenção para uma situação que hoje começa a ser perigosamente preocupante para a independência dos juízes: as pessoas são independentes por via dos princípios que defendem, por via das leis que têm, mas também são independentes se tiverem uma componente financeira que lhes permita exercer as suas funções com dignidade e não estarem sujeitas a qualquer tipo de pressão. Há que assegurar aos juízes uma independência financeira suficiente para que a sua independência no acto de julgar seja efectiva. É isso que começa a ser posto em causa hoje em Portugal", disse Mouraz Lopes, em declarações recolhidas pela SIC. E à TVI o presidente da associação sindical afirmou o seguinte: "Os juízes têm que ter uma capacidade económica, estatutária e financeira que lhes permita dizer não. E dizer não sem medo."

Acho preocupante que a independência dos juízes - titulares de um órgão de soberania imprescindível no sistema constitucional português - flutue à mercê de condicionalismos financeiros. E que a sua capacidade de dizer "não sem medo" a pressões indevidas possa depender dessas circunstâncias, como parece inferir-se das palavras de Mouraz Lopes. O primeiro dever de um juiz é ser independente. E quem possa sentir abalado este princípio - que deve ser sagrado - devido a cortes de suplementos remuneratórios e à redução de ajudas de custo certamente errou a vocação.

Eu sei que não é fácil ser juiz. Mas milhões de portugueses sonhariam auferir o salário de um magistrado, que em início de carreira recebe entre 1800 e 2000 euros líquidos, acrescidos de 600 euros de subsídio de alojamento.

É legítimo que queiram melhores condições. Mas é inaceitável que façam depender o grau de independência do estatuto remuneratório. E é inimaginável que sintam "medo" na razão directa das medidas de contenção financeira que possam afectá-los.

O presidente da Associação Sindical de Juízes - que ainda antes de ser conhecida a proposta de Orçamento do Estado para 2013 já a considerava eventualmente ferida de inconstitucionalidade por conter um "brutal aumento da carga fiscal" - volta a interferir num domínio que está reservado à Assembleia da República.

E regresso ao princípio: imaginem o que sucederia se o poder político procurasse condicionar as sentenças judiciais.

Publicado também aqui

O furacão financeiro

José Meireles Graça, 02.11.12

Bem me parecia que a história do furacão Sandy estava mal contada.

 

Não comprei aquele paleio dos gays, e da degenerescência dos costumes, mesmo que efectivamente os estragos tenham sido a pain in the ass. Agora, que os bancos estejam por trás destes desmandos da Natureza, isso sim, já me parece bastante plausível.

 

Ninguém consegue parar a Ciência. E o que dizem os especialistas fica rapidamente desactualizado: entre nós, por exemplo, Galopim de Carvalho não elenca, entre as causas do recuo da nossa linha de costa, a influência do sector financeiro. Mas confio em que, à luz destas investigações de ponta, que vêm naturalmente dos EUA, se há-de encontrar uma relação entre, por exemplo, a CGD e o Santander e o quase desaparecimento da praia de Ofir. É que estes dois bancos têm agências em Fão, mesmo ali ao lado.

O fim da humanidade

Dita Dura, 02.11.12

Tranquem as crianças, escondam as mulheres e os metais preciosos, porque o Dita Dura é católico. Sim, não tenho problemas em afirmá-lo publicamente e resolvi agora falar dos problemas e desafios da Igreja do século XXI. Não é um tema monótono porque diz respeito a todos e, acima de tudo, não devemos ter vergonha de falar naquilo em que acreditamos. Porque se é preciso ter Fé para crer que Deus fez o mundo em seis dias e descansou no sétimo, o que dizer da tese científica que afirma que, do nada e por razão nenhuma, existiu uma explosão que fez tudo? 

 

A Igreja é uma das instituições mais antigas do mundo contemporâneo, mas está a fechar-se cada vez mais, a tornar-se um clube exclusivo para meia dúzia de iluminados, uma sociedade recreativa que se afasta progressivamente do resto do mundo. Em vez dos padres serem eremitas no meio do deserto das cidades, é preciso urgentemente que se envolvam, que sejam verdadeiros missionários em cada paróquia, que se interessem e actuem sobre os verdadeiros problemas das comunidades e das pessoas.

 

Num mundo cada vez mais relativista e superficial, a Igreja tem a mensagem para combater o egoísmo predominante. Mas tem de primeiro chegar junto das pessoas. E depois precisa de ser eficaz. Não pode continuar a deixar que lhe seja imputada uma imagem retrógrada e conservadora, para depois cair ela própria na retórica auto-comiserada da perseguição, que apenas leva a mais isolamento. É preciso arriscar, ser atrevida, errar se for preciso. Para sair deste autismo canceroso. E colocar um travão nas tentativas ridículas de popularizar sem direcção, que apenas tendem a criar cisões e provocar a fuga para cismas protestantes com menos senso teológico mas mais efectividade. A cerimónia é o ponto central da fé católica, mas não pode ser o seu princípio e o seu fim; tem de ser complementar a um conjunto de actividades junto de toda a comunidade. E para isso é também preciso acabar com a pretensão exclusiva de “estar junto dos que mais precisam”. É necessário deixar de fazer só caridade e começar a encontrar verdadeiras amizades, colocar o paternalismo de lado e reiniciar uma relação com a sociedade que seja genuinamente fraterna.

 

Neste momento, o padre paroquiano é um trabalhador como qualquer outro: entra ao serviço a certas horas, faz a sua cerimónia, tem as actividades que se arrastam até ao picar do ponto e depois vai o mais depressa possível para casa. Se era isto que a Igreja queria evitar ao impedir que os padres se casassem, talvez seja a altura para rever esse pressuposto. Mas há uma alternativa: a ambição de voltar a querer mudar o mundo com uma mensagem para todos, com o mesmo comprometimento, atitude, força e coragem de um jovem carpinteiro e os seus doze amigos, há dois mil anos atrás.

 

O enclausuramento da Igreja tem tido efeitos cada vez mais devastadores. Em primeiro lugar, transforma as paróquias em verdadeiros mosteiros de recolhimento. Depois, está a criar-se uma hierarquia parecida com os quartéis, com demasiada política e jogos de cintura, distanciando-se cada vez mais dos objectivos a que se propôs inicialmente. Por último, resultado do afastamento progressivo das necessidades e anseios das pessoas reais, a Igreja está a deixar que a legislação secular e a prática corrente se afastem dos princípios básicos do cristianismo, como a defesa da vida humana. A sociedade ainda não percebeu que quanto mais se afastar destes princípios, mais perto caminhará para o seu fim, ou o início de uma nova humanidade robótica, assente no culto do materialismo, da beleza ariana e da destruição dos mais fracos. E estamos todos sentados a deixar que isso aconteça. 

A Reorganização do Estado

Miguel Félix António, 02.11.12

No dia 21 de Junho de 2010 (há mais de 2 anos portanto...), uma 2.ª feira, sendo chefe do Governo o então líder do Partido Socialista e antes da "troika" entrar em Portugal, escrevi no Público um texto sobre "A Reorganização do Estado" que, por me parecer muito actual, não resisto a transcrever. Aqui vai:

 

A única forma de estancar de forma consolidada e duradoura a despesa do Estado é através de uma ampla, criteriosa e profunda reorganização das suas funções e, consequentemente, dos seus serviços e departamentos, quer se encontrem na Administração Central, Regional ou Local, quer no Sector Empresarial do Estado - nele incluindo as empresas municipais e as sociedades anónimas de capitais públicos - quer nas Universidades, Institutos Politécnicos e Hospitais.

A ferida é funda e não se consegue tratar com pensos rápidos, que é o que, afinal, representam na prática as medidas de aumento severo de impostos recentemente aplicadas a eito em Portugal. A cura - que urge, mas urge mesmo - só lá vai com uma cirurgia que tem que ser efectuada por especialistas conhecedores e conscientes da gravidade da situação, com anestesia q.b., de forma a não matar o doente...

Temos que começar por afirmar que o Estado não pode, por princípio, prestar serviços gratuitos para os respectivos utilizadores, pelo que a regra terá de ser a inversa, isto é, o que o Estado providencia, o Estado cobra, e de acordo com os preços praticados pelo mercado. Assim, por exemplo, a prestação de serviços de saúde pelo Estado teria que ser paga por quem deles usufrui e a existência de propinas (reais e não virtuais) teria que ser a norma nos estabelecimentos de ensino público.

A excepção terá que estar reservada para os manifestamente carentes e despojados de meios financeiros que lhes permitam acorrer a esses encargos, em particular nos domínios da saúde e da educação, sendo que nestes sectores o preferível seria adoptar seguros de saúde individuais suportados pelo Estado, em alternativa ao dispendiosíssimo Sistema Nacional de Saúde e financiar directamente os estudantes para que estes tenham total liberdade de escolha relativamente ao estabelecimento de ensino a frequentar, assim como acabar com os que não têm qualquer procura e cujos cursos, no caso do ensino superior, são de mais que certa desnecessidade.

Por outro lado, haveria que acordar o desmantelamento (eu sei que a palavra é forte, mas não há outro remédio…) do actual quadro autárquico, completamente irracional, supérfluo e, portanto, dispensável. Reduzindo para, no mínimo 1/3, os actuais 308 concelhos e mais de 4 mil freguesias (eliminando pura e simplesmente todas as assembleias de freguesia e mantendo apenas as juntas), nova realidade que chegaria e sobraria para fazer o que ainda não foi feito…

Relativamente ao Governo e Assembleia da República: constitucionalizar a designação e número de Ministérios e Secretarias de Estado (o papel e as alterações gráficas que se poupariam sempre que o Executivo muda…) e limitar o número de deputados a 100, eleitos de acordo com um único círculo, de carácter nacional, segundo o sistema proporcional, mas com voto preferencial, o que permitiria assegurar a pluralidade da representação político-partidária. Restringir igualmente o número de colaboradores dos gabinetes de membros do Governo e dos autarcas, equiparando a sua remuneração aos funcionários do Estado com curriculum e experiência profissional equivalente. Suprimir serviços integrados em Ministérios que acabam por configurar uma duplicação, nalguns casos triplicação e noutros ainda, mesmo, uma quadruplicação de funções, que além do desperdício geram ineficiências e inutilidades óbvias.

Eu sei que sabem que calculam que eu saiba que o diagnóstico e a enumeração das medidas são apenas o início. Por isso pergunto, por que espera quem quer suceder ao Partido Socialista no Governo, por apresentar um programa estruturado que responda aos efectivos problemas do País? É que, como sabem, ou deviam saber, quando lá chegarem, não haverá tempo para mais diagnósticos, mas apenas para colocar a terapia, que tem que ser de choque, em marcha…

A Volta dos Mortos Vivos

José Meireles Graça, 02.11.12

Tenho alguns amigos que revejo em casamentos, ou funerais, ou baptizados, e que estão mortos há muito - mas não estão ao corrente do facto.

 

Esta condição de fantasmas revela-se pelo estranho comportamento de contarem incansavelmente uns aos outros, e a mim, as mesmas histórias passadas há mais de quarenta anos e que todos sabemos de cor. Era num tempo em que eles tinham a importância que perderam, as esperanças que o futuro desmentiu e o estado de permanente exaltação que acompanha os anos verdes.

 

Casaram, tiveram filhos, separaram-se ou não, tiveram o seu quinhão de alegrias e tristezas - mais destas -, o mundo que conheceram já não existe, mas é ainda à luz do que então eram que veem o presente, que por contraste lhes parece infalivelmente uma coisa bem cinzenta e desprezível.

 

É da ordem natural das coisas - alguns de nós perderam a capacidade de entender o mundo que nos rodeia e o passar do tempo reforçou a saudade mas não a lucidez, que aliás nunca abundou.

 

E mesmo que na estultícia da análise, às vezes, nem tudo seja para deitar fora, sempre a condição de mortos-vivos é o que lhes explica o discurso.