Os ayatollahs
Se eu mandasse, proibia música em locais públicos. Não gosto quase nunca das musiquetas da moda e, quando haja música que me agrade, não vejo por que razão outras pessoas têm que a ouvir.
Se eu mandasse, acabava com o foguetório que não fosse de artifício: o barulho de explosões, sem mais, só pode agradar a terroristas, só se justifica para rebentar penedos, treino de fogo e guerras, e tem como resultado assustar as crianças, provocar incêndios, espantar os animais e incomodar os doentes.
Se eu mandasse, não homologava SUVs: não são mais confortáveis nem mais rápidos do que limusinas de preço equivalente, gastam mais e dão uma falsa sensação de segurança.
Se eu mandasse, programas como o Preço Certo ou séries inanes com gargalhadas enlatadas estariam reservadas para o público americano.
Isto é só uma amostra: a minha lista de proibições ocuparia, se feita com meditação e esmero, tantas páginas, e tantos artigos, quanto as da Constituição. E posso asseverar que cada um dos interditos se justificaria com ponderosas razões de interesse público.
O nosso País está porém livre deste terrível flagelo: não mando. E deveria estar ao abrigo das listas de ódios e rejeições dos meus concidadãos, porque cada um tem a sua: qualquer leitora deste blogue, por exemplo, se mandasse, proibiria os seus familiares homens de deixarem a tampa da sanita em cima, depois do uso, sob a cominação de pesadas sanções.
Sucede porém que alguns chegam ao Governo. E como o caminho para lá chegar é difícil e implica agradar a quantidades enormes de pessoas muito diferentes entre si, seria de esperar que os governantes se abstivessem de regular a vida colectiva, no plano dos comportamentos, em obediência às suas manias.
Não sucede assim: já suspeitava que o ayatollah Leal da Costa não prosseguiria na sua cruzada anti-tabagista se não tivesse a cobertura do mago dos impostos (um indivíduo cheio de prestígio por causa da obra deletéria que perpetrou na DGCI - mas isso são outros quinhentos). Agora confirma-se: Paulo Macedo também dá para este peditório. E como o argumento da saúde de terceiros já não cola - os direitos de terceiros já estão mais do que assegurados - os dois clérigos agora estão preocupados com o que os fumadores custam ao SNS.
Este argumento não vale nada - mesmo que não houvesse estudos a demonstrar a sua falsidade, sempre seria uma porta que não deveria ser aberta: Paulo Macedo tem todo o aspecto de quem abusa de carnes gordas, queremos controlar-lhe a dieta; e Leal, com aquele ar tresloucado, é bem capaz de ter vícios ocultos com efeitos potencialmente daninhos nos seus equilíbrios vitais - queremos uma rigorosa investigação.
Todos a meter o nariz na vida de todos, a bem de todos.