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Forte Apache

Carta aberta a Filipe Nunes Vicente

Luís Naves, 13.09.11

Caro Filipe Nunes Vicente

Compreendo que haja pessoas do PSD desiludidas com o seu partido. O que me escapa ao entendimento é que escrevam textos tão desencantados como este, que me parece uma mistura de desejos e devaneios. O texto cita-me apenas a mim, como se eu fosse da "campanha", como se a minha opinião fosse de "facção". Por isso, acho que todos os seus comentários me são inteiramente dirigidos.

Embora discorde da parte sobre a "truculência, trocadilhos e piadolas de café", tenho de aceitar o remoque sobre "erros ortográficos" e também a farpa sobre a "vaga superioridade moral". Estas críticas serão injustas em relação aos meus textos? Talvez, mas respeito a opinião.

Em relação à citação do meu post, afirma que a "actual política do governo, até agora, é a que foi desmentida durante a campanha". Faça favor de ler melhor: o post original fala da repetição sistemática de inverdades como método político; na altura, Março, o PSD era acusado de querer aumentar impostos e de estar na origem do aumento das taxas de juro. O meu texto foi escrito após a queda do governo Sócrates, mas antes do acordo com a troika. O executivo era de gestão há uma semana e não retiro uma linha. Leia tudo com atenção e veja se a razão não estava do meu lado. Portugal encontrava-se numa situação financeira extremamente difícil e tinha de pedir ajuda externa. O que resultou num acordo que permitiu continuar a financiar a nossa economia.

 

Ao contrário, no seu texto, a meu ver, o Filipe usa o velho truque de colocar o que escrevi fora do contexto de época. A frase "o que foi desmentido na campanha" constitui uma falsificação do que escrevi; esta era apenas a opinião de um autor, emitida antes da campanha eleitoral propriamente dita e antes do acordo com a troika. Na votação, três meses depois, o eleitorado pensou da mesma maneira que eu, não aceitando os argumentos do Partido Socialista, de que a culpa pela crise era do PSD. Os votantes viram na oposição uma oportunidade para formar um governo maioritário que daria alguma estabilidade financeira ao país. Daí a actual coligação PSD-CDS, que tem dois partidos e não apenas um.

O seu post começa por falar da ausência total de intelectuais a apoiar o executivo e menciona "o ódio deste PSD às elites". Estes já são dois temas mais interessantes e que vale a pena discutir. Concordo com o senhor: os intelectuais portugueses não apoiam este governo, como não apoiavam o anterior, nem o que o precedeu. Os intelectuais estão fora da política. Ou, num português mais truculento, "estão-se nas tintas". Os verdadeiros intelectuais não se pronunciam, (com muito poucas excepções, incluindo pessoas que até estão neste governo). De resto, há uns comentadores que falam nas televisões e em blogues sobre temas profundos, mas são sempre os mesmos e acho atrevimento usarmos a palavra intelectual. As pessoas que verdadeiramente pensam não costumam ser ouvidas em público, e acho que não estão muito interessadas em fazer-se ouvir, dado o actual panorama mediático, que valoriza a espuma passageira. Por isso não sei do que fala, Filipe, quando menciona o "ódio deste PSD às elites". Quais elites? E onde estão essas elites? Então eles são dos negócios ou populistas? Decida-se lá.

 

Não sei se sou apenas "um peão de brega" a fazer-me passar "por um jornalista celestialmente isento", mas discordo totalmente da sua tese central, de que este governo só está a tomar decisões exteriores às promessas eleitorais. Há uma promessa crucial que Passos Coelho, nos seus primeiros três meses, está a cumprir escrupulosamente: a de tentar atingir todos os objectivos do memorando da troika. E sublinho "tentar" e "até agora".

Mal chegou ao poder, este governo aumentou os impostos para além do que estava previsto no memorando de entendimento, para poder atingir o objectivo do défice e tomando uma decisão impopular. O facto é que havia um buraco nas contas de 1,8 mil milhões de euros e foram decididas medidas extraordinárias no lado da receita. Este ano, parece garantida a meta de 5,9%, o que não aconteceria sem os novos impostos, nomeadamente a metade do subsídio de Natal. Podemos argumentar que falharam uma promessa, podemos argumentar o inverso.

 

Se Portugal não cumprir o memorando de entendimento, o resultado será idêntico ao que a Grécia poderá sofrer dentro de dias ou semanas: declarar incumprimento. Na melhor das hipóteses, Atenas estará dez anos a pagar a sua dívida reestruturada, fora dos mercados financeiros e dependente da generosidade dos parceiros europeus; na pior das hipóteses terá de sair do euro, o que muitos juristas dizem ser o mesmo que sair da União Europeia.

Se cumprir o acordo da troika, Portugal poderá escapar a esse destino de protectorado; mas se não cumprir será a nossa ruína. Repare, Filipe, que neste ponto não estou apenas a mencionar uma crise sem precedentes, mas falo da minha ruína pessoal; fora do euro, não poderei pagar a casa onde moro e onde investi as minhas poupanças de 25 anos de trabalho, para não mencionar o estoiro dos bancos, onde está o resto do dinheiro que fui juntando.

 

Por isso, como certamente compreende, estou pouco ralado com a esquizofrenia do PSD, as suas facções e ódios de estimação. Estou-me nas tintas para os comentadores e intelectuais das elites que gostariam de ter gente mais polida no poder, com conversa culta e boas leituras. Em 2012 e 2013, serão aumentados impostos em mais de 3 mil milhões e haverá cortes na despesa de 8 mil milhões. É esta a nossa estreita vereda. Serão os pequenos a pagar, mas ainda não me explicaram qual é a alternativa. O mandato do novo poder é o de cumprir o memorando, ponto final parágrafo, nem que para isso só durem quatro anos.

Termino por aqui. Desculpe não ter feito citações de grandes clássicos, mas deve ser o meu ódio às elites; e também peço que perdoe este meu tom de redacção escolar...

com os melhores cumprimentos

Luís Naves

 

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