Os liberais de pacote
Consigo perceber um capitalista que muda de país para pagar menos impostos. Sobretudo quando é dono de uma multinacional. O que não consigo compreender é a reacção pavloviana de Blasfémias ou este comentário de Pedro Pestana Bastos. Qual é a relação entre a mudança de domicílio fiscal do Pingo Doce e comprar gasolina em Badajoz? Isto só pode ser o começo de uma desconversa ou o autor do Cachimbo decidiu brincar com os seus leitores e não apanhei a ironia. Por outro lado, Francisco Louçã tem toda a razão. A evasão fiscal explica parte da situação financeira do país. Basta dar uma olhadela ao parque automóvel e aos modelos novinhos em folha que vejo por aí.
Percebo que o senhor Alexandre Soares dos Santos queira pagar menos impostos em Portugal. O dinheiro não tem Pátria. Já não percebo é o contentamento dos chamados "liberais": eles não parecem perceber que este tipo de acontecimento é o seu pesadelo.
Venha então a harmonização fiscal a nível europeu, para as empresas não andarem por aí a ver onde é que pagam menos.
Em Insurgente, Filipe Faria faz uma significativa confusão. A UE tem liberdade de circulação de capitais. O que a Jerónimo Martins fez é inteiramente legal. Mas, ao contrário do que afirma o autor, este caso demonstra o problema da competição fiscal e a razão pela qual ela vai acabar. O mercado único implica harmonização das taxas de IRC e o fim dos off-shore. É inevitável ou não haverá mercado único (como se vê pelo que fez a Jerónimo Martins, entre outras). Não vamos querer que alguns países, como a Holanda, vivam do trabalho dos outros.
Mas a questão tem também a ver com a hipocrisia. Ainda me lembro de ouvir Alexandre Soares dos Santos, num dos seus brilhantes diagnósticos sobre a situação portuguesa, dizer que "sem finanças sãs não há desenvolvimento" e depois alertar para a explosiva "questão social", que ameaçava ter graves consequências.
Eu, que pago os meus impostos e não compro gasolina em Badajoz, fico um bocadinho desanimado com a fibra destes doces "liberais" de pacotilha. No fundo, só pensam no deles. E da próxima vez que os ouvir a dar a táctica para o país, sei que vou mudar de canal.