O futuro à rasca
Dizendo-se "atónita com tanta passividade" portuguesa, a historiadora Irene Flunsel Pimentel concorda que as pessoas estão "amedrontadas, aterrorizadas e desorientadas, sobretudo porque não vêem nenhuma luz ao fundo do túnel. As que ainda têm emprego têm medo de o perder mas também não sabem muito bem o que fazer".
Eu também estou atónito, mas por se ter imaginado que uma multidão de espectadores de "concertos" de música popular, ingénuos e românticos, acolitados e enquadrados pelos profissionais da movimentação de rua (sindicalistas, militantes e esquerdistas de denominações várias), pudesse parir mais do que slogans e lixo.
Não digo a mesma coisa dos polícias, sargentos, praças e oficiais - esses têm tradição e, se a crise lhes afectar seriamente o modo de vida, precisam apenas de liderança e um simulacro de ideologia - coisas aliás não particularmente fáceis de arranjar - para refundar a Pátria desfalecida.
Agora, deixando de lado as manifestações e a importância imaginária que elas têm, realmente a luz ao fim do túnel é por demais bruxuleante.
Como cidadão, tenho também direito a sentar-me à cabeceira do divã onde o País languesce e interpretar-lhe a apatia. E digo que a indignação consequente precisa de um propósito: não basta dizer que isto está mal - está -, é preciso saber o que estaria bem.
O que estaria, então, bem? i) A receita do PCP e do BE? Um povo de fundo católico, de pequenos proprietários, empresários e trabalhadores de pequenas empresas, ao PCP já disse o que tinha a dizer, em Novembro de 1975, e tem voltado a dizer em todas as eleições. E o esfusiante Louçã nem sequer é consensual dentro da seita diminuta a que preside, onde aliás há uma facção que está muito mais distante dos comunistas que do PS; ii) A receita do PS? Mas se há coisa que as eleições mostraram, e as sondagens confirmam, é que o PS é considerado por uma sólida maioria o fautor principal da nossa desgraça - e é.
Resta a "Europa", o alfa e o ómega de todo o progresso, a "Europa" de onde veio o alcatrão, o Estado Social e modernidades várias - mas essa mesma "Europa" é o elemento mais intransigente da troika.
Por conseguinte, ainda que o desespero seja mau conselheiro e o Governo não cesse de dar tiros nos pés, com as opacidades no tratamento à banca, o atraso no reexame das PPPs e as excepções à austeridade, por exemplo e antes de um longo etc., não há realmente outro caminho, até onde a vista alcança.
O empresário que faliu, o funcionário que foi despedido, tal como o trabalhador demasiado velho para emigrar, o jovem que não consegue emprego, o empregado com qualificações e emprego mal pago que vê a sobrevivência à sombra do Estado de uns quantos plutocratas que ganham obscenidades à boleia das competências técnicas que os áulicos lhes propagandeiam - sabem disto.
Espero, e desejo, que no Governo também haja gente a saber. Às vezes não parece.