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Forte Apache

Crónicas de cinco-réis (II)

Luís Naves, 04.04.12

Em vários blogues li textos de autores muito indignados com a actualização do corrector do Word, que agora assinala como erros as palavras alteradas pelo novo acordo ortográfico. Penso que a reacção foi francamente desproporcionada.
Escrevo todos os dias segundo as regras do novo acordo e uso nos meus blogues a antiga ortografia. Talvez consiga fazer isso durante algum tempo, mas é inevitável que comece a usar uma única forma nas palavras que escrevo de duas maneiras, já que existe aqui um desperdício de memória. Ao todo, o novo acordo impõe umas 500 alterações, das quais talvez 400 nem se notem. Há disparates? Claro, alguns dos quais empobrecem a língua, tal como demonstraram autores que li sobre este assunto, como Vasco Graça Moura ou Pedro Mexia.

 

Confesso a minha ignorância sobre a ciência do tema e se me aflige escrever a palavra Egito, não me incomodou, esta manhã, escrever "prova direta" num texto. Já faço confusões e tive de perguntar se antes do acordo se escrevia "directa". No jornal onde escrevo, foi decidido adoptar a nova ortografia e não faz qualquer sentido deixar a responsabilidade da correcção para a secção de fecho, dando trabalho a outras pessoas. Escrever segundo a ortografia cessante equivale a cometer erros que outros terão de corrigir. Por isso, há quatro meses que me esforço por escrever os textos de jornal segundo a nova ortografia.
O meu jornal, o DN, já passou por isto antes. Nas colecções antigas, que são património nacional, o editorial chamava-se "Assumptos do Dia" e aparecia na primeira coluna da primeira página, com textos que são uma delícia de boa escripta.
Nos blogues, onde as regras são individuais, tento ao máximo evitar erros de ortografia, sabendo que não há copy-desk (e dou a minha dose de lapsos lamentáveis).

O uso de correctores faz parte da vida de pessoas que, como eu, têm de escrever diariamente e em quantidade. As ferramentas proporcionadas pela técnica moderna facilitam muito o nosso trabalho. Lembro-me ainda da época em que os redactores escreviam com máquinas pesadonas e barulhentas, em folhas chamadas "linguados" onde caberiam umas 250 palavras e que chegavam à composição meio rasuradas pelos mais trapalhões (do tempo do chumbo só ouvi falar, os linguados eram compridos e escritos à mão, daí o nome engraçado).

Para alguém que escreva ocasionalmente, o corrector no programa de escrita é ainda mais importante. Mau ou bom, existe um acordo internacional que o Estado português negociou e assinou de boa-fé e livre vontade. Más ou boas, as regras ortográficas são aquelas. Mesmo que no futuro ainda haja alterações em algumas palavras, existe uma mudança que progressivamente será adoptada pelos que escrevem regularmente e também pelos que não fazem disso profissão.
O programa em causa é um ferramenta de escrita usada pelas pessoas que escrevem, bem ou mal, pouco ou muito. Se a tecnologia permite, então esta ferramenta deve adoptar quanto antes o novo acordo, pois é desta forma que a maioria irá escrever no futuro, incluindo quem estiver na escola a usar o Word. A indignação em relação à actualização do programa não faz sentido, por ser elitista, exagerar no impacto real e, em vários casos, invocar uma privacidade que manifestamente neste caso estará deslocada. O corrector limita-se a assinalar as palavras, não as altera. Ninguém é forçado a corrigir.

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