Pequena política, grandes interesses
Compro o Expresso desde que me lembro. Começou por ser a âncora para os queriam a democracia no período marcelista, foi o ponto de encontro de quem lutou contra a tentativa comunista de controlo do Estado em 1975, foi o porta-aviões da sociedade civil que desejava um país europeu.
Teve bons directores, uns mais tacticistas, outros mais observadores da ética e dos valores, mas sempre encontrámos em alguns dos seus directores e jornalistas um chapéu-de-chuva que permitia, todas as semanas, que a pequena política não dominasse o conteúdo essencial da informação. E, frequentemente, surpreendia o país com trabalhos de investigação. Era um jornal que respeitava e se fazia respeitar e, sobretudo, não se deixava utilizar como veio de transmissão de agendas políticas particulares. Nem era o parceiro silencioso dos interesses corporativos instalados na economia portuguesa.
Agora, o Expresso transformou-se num produto menor, o campus da pequena política, dos minuendos, dos processos de intenção, do diz que disse, sobrevalorizando sistematicamente interesses particulares do momento acima dos interesses nacionais permanentes. E, para um órgão de comunicação que justamente criticava os monopólios do Estado Novo, tornou-se especialista em proteger os mono e oligopólios que hoje distorcem e asfixiam a economia portuguesa. A carteira dos clientes é mais importante do que os seus leitores, do que o interesse dos cidadãos.
Com um director chico esperto e chocarreiro, e um analista económico socialista que teve artes de, durante dois anos, fazer a bissectriz entre os grandes negócios e a agenda de Sócrates, e não ver o país a caminhar para a bancarrota, o Expresso transformou-se num jornal especialista dos interstícios dos entrefolhos da pequena política, promovendo a opinião acintosa e subjectiva, sobrevalorizando aspectos colaterais para nos distrair das agendas políticas que as grandes corporações preferem.
O ataque sistemático ao actual Governo esconde a oposição velada à reestruturação da economia. E à democratização da economia a que ela está associada. É o principal defensor deste situacionismo, deste jogo de equilíbrios construído ao longo de anos e anos, sobretudo pelos governos do PS, entre as grandes corporações, um Estado sobredimensionado e a “rua” da CGTP. Equilíbrio que nos levou à bancarrota mas que o Expresso nunca admitiu.
A este Expresso aplica-se bem a frase de Lampedusa: só aceita que se mude alguma coisa (na política) desde que tudo continue na mesma (na economia).