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Forte Apache

Crónicas de cinco-réis (IV)

Luís Naves, 18.04.12

Tenho dificuldade em falar na televisão. Além da inibição da minha timidez, sinto que o tempo corre demasiado depressa. Quero dizer tudo ao mesmo tempo e parece que a cabeça paralisa.
Fui hoje convidado para falar na TVI24 e deixei demasiado por dizer. Senti frustração ao ouvir os comentários dos ouvintes, semelhantes às frases que ouço no autocarro ou em conversas de café, mesmo entre pessoas informadas.
Portugal está sob resgate devido ao excesso de endividamento em que se deixou cair. O país tem problemas de competitividade e gera sistemáticos desequilíbrios externos. Sem a troika e as suas receitas, não haverá dinheiro para pagar as contas e o país não poderá financiar os seus gastos. Mas muitas pessoas continuam a culpar o remédio, na ilusão de que é possível fazer uma ruptura com quem nos mantém à tona.
Relatórios como aquele que o FMI divulgou ontem são mal interpretados na imprensa. A ideia que transparece é de que a organização contesta a austeridade portuguesa. Ora, o FMI é uma das três entidades que estão a impor ao país austeridade brutal concentrada em pouco tempo. Não há aqui nenhuma contestação (os avisos são dirigidos à Alemanha) nem existe previsão de que o euro esteja em perigo iminente, apenas a admissão de que isto introduz tal incerteza que não vale a pena fazer cenários.

Portugal tem de executar reformas difíceis e precisa da ajuda externa. Diabolizar a troika é disparate. Outro disparate é diabolizar o Tratado Orçamental que sustenta a lógica do resgate. Mais tarde ou mais cedo teríamos de o ratificar e não vejo desvantagem em se fazer mais cedo.

 

Na mesma ocasião, tive de comentar a intenção do governo de reduzir as indemnizações por despedimento. A medida está no memorando da troika (não quantificada) e as indemnizações altas são um obstáculo à contratação e um dos motivos do desemprego jovem. Mas não consigo perceber a urgência. Esta redução vai criar desemprego e em camadas de trabalhadores mais velhos. A taxa já está em 15% e os próprios técnicos da comissão mostram perplexidade pelo seu crescimento veloz.
Reduzir as indemnizações é deitar combustível para a fogueira. Haverá mais pessoas com idades avançadas a perderem os seus postos de trabalho. E isto terá custos sociais graves, aumentando também o desemprego de longa duração e a pobreza.
A medida pode criar emprego jovem a prazo, mas entretanto terá impacto na segurança social. As mensagens são contraditórias: por um lado, pretende-se aumentar a vida contributiva dos trabalhadores, por exemplo através do aumento da idade mínima da reforma antecipada, por outro lado encurta-se a vida contributiva desses trabalhadores, através do desemprego.
Enfim, gostava de ter dito isto com toda a clareza. Teria dito também que os custos da crise se concentram excessivamente na classe média e nos trabalhadores e contribuintes. Muitos portugueses gostariam de perceber melhor a estratégia de quem nos governa, para não continuarem a sentir que já não lhes resta chão debaixo dos pés.   

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