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Forte Apache

A nostalgia da grandeza perdida

Pedro Correia, 23.04.12

 

Outros dirão provavelmente que o resultado da primeira volta das presidenciais de ontem em França foi bom para a Europa. Não é o meu caso. Quase um terço dos eleitores, que acorreram em grande número às urnas, exprimiram com clareza um voto anti-europeu.

É certo que o peculiar sistema eleitoral francês potencia o voto de protesto na primeira volta. Mas se somarmos os 6,4 milhões de eleitores de Marine Le Pen (que conduziu a Frente Nacional ao seu melhor resultado de sempre) aos quatro milhões de Jean-Luc Mélenchon, representante da Frente de Esquerda (o equivalente gaulês do Bloco de Esquerda), verificamos que cerca de um em cada três franceses renega o essencial do projecto europeu tal como foi desenhado no último meio século. No todo ou em grande parte, estes eleitores querem que o país abandone o euro, renegue Schengen, rasgue o Tratado de Lisboa. Defendem o "patriotismo" monetário, o proteccionismo económico, o controlo estatal do aparelho produtivo. Renegam a disciplina financeira. Exigem a reforma aos 60 anos e a subida do salário mínimo para os 1700 euros como se vivessem numa ilha, separada do continente, numa irreprimível nostalgia daquelas três gloriosas décadas - entre 1945 e 1975 - em que a França, grande potência industrial e agrícola, era um dos motores da economia mundial, com índices anuais de crescimento do produto interno bruto que ultrapassavam os 5% (mantendo-se nos 5,8% entre 1959 e 1973).

Esses tempos passaram, provavelmente para sempre. Vista de outras parcelas do globo, observada por chineses ou brasileiros, a Europa é hoje um continente em irreprimível declínio. A França deixou de desempenhar o relevante papel cultural que durante séculos assumiu no mundo e não o retomará com bravatas retóricas. Nem François Hollande (28,3%), com o seu socialismo descafeinado, nem Nicolas Sarkozy (27,2%), o mais errático dos conservadores europeus, conseguirão alterar nada de essencial - suceda o que suceder na segunda volta, com os eleitores de Marine Le Pen a servirem de fiéis da balança.

"A extrema-direita, com quase 20% na França do século XXI, é o resultado da crise económica, política e moral", alertou o candidato centrista François Bayrou, que obteve uns decepcionantes 9,1%. É a voz da razão. Mas cada vez menos querem ouvi-la nos dias que vão correndo, em que tudo serve de pretexto - à esquerda e à direita, com a cumplicidade activa das candidaturas do "sistema" - para enterrar o projecto europeu. Todos teremos a perder com isso. E, como é de prever, só perceberemos tarde de mais.

Publicado também aqui

 

ADENDA de 26/4:

Jorge Nascimento Rodrigues, no Público: «A “questão da Europa”, sempre latente em França, volta a ser central. Note-se que, entre extrema-direita e extrema-esquerda, mais de um terço do eleitorado pôs directamente em causa a Europa.»

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