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Forte Apache

Dois ensaios sobre a arte contemporânea

Luís Naves, 19.05.12

Dois vencedores do Prémio Nobel da Literatura (Orhan Pamuk e Mario Vargas Llosa) escreveram recentemente pequenos ensaios, com a característica comum do estilo elegante e da riqueza de ideias.
O escritor turco publicou um livro já traduzido em português O Romancista Ingénuo e o Sentimental (Ed. Presença) que junta as suas conferências sobre literatura, na Universidade de Harvard. Estas conferências são uma velha série que já deu pelo menos um outro livro famoso sobre a arte da escrita, Aspects of the Novel, de E. M. Forster (este último escrito nos anos 20, é provável que esteja em português, mas só conheço a versão inglesa).
Julgo que o livro de Pamuk não é apenas sobre a escrita, mas sobre o prazer da leitura. O texto está repleto de observações acessíveis, nada pretensiosas ou demasiado técnicas. A certo ponto, o escritor explica como um dos seus prazeres na leitura de romances é o de tentar adivinhar aquilo que num texto é imaginário ou vivido. O autor explora de forma muito inteligente conceitos como a autenticidade, os jogos entre o real e o imaginário, a fragmentação e a noção de que os grandes romances têm um “centro”, enfim, chamem-lhe eixo ou núcleo, mais ou menos escondido e cuja busca é, para Pamuk, o essencial do prazer da leitura. “A escrita do romance, para mim, é a arte de falar de coisas importantes como se fossem insignificantes e de coisas insignificantes como se fossem importantes”, escreve o romancista na pág. 120 deste breve ensaio que não se esgota numa única leitura.


O peruano Vargas Llosa publicou entretanto em Espanha um trabalho, La civilización del espectáculo,  (Alfaguara) que certamente não tardará a ser traduzido em Portugal, pois é o seu primeiro livro escrito depois do prémio. A obra é bem mais pessimista do que a de Pamuk, tratando-se de uma reflexão sobre a degradação da cultura e o declínio dos intelectuais e das elites. “Na civilização do espectáculo, o intelectual só interessa se seguir o jogo da moda, tornando-se num bobo” (pág. 46), afirma Vargas Llosa, descrente da qualidade da literatura contemporânea e muito crítico da falta de originalidade e do excesso de niilismo nas artes. “Nos nossos dias, o que se espera dos artistas não é o talento nem a destreza, mas a pose e o escândalo, os seus atrevimentos não são mais do que as máscaras de um novo conformismo” (pág. 49).
O livro explora outros aspectos do quotidiano, da educação à política, a banalização do poder e das ideias, a superficialidade nas próprias relações humanas, o consumismo desenfreado. São amplamente citados e discutidos outros autores que exploraram esta ideia da civilização do espectáculo (a expressão não é de Vargas Llosa) e talvez o autor seja demasiado pessimista na sua visão de que a cultura está a ponto de desaparecer. Estas ideias foram exploradas pelo romancista peruano em crónicas antigas, algumas das quais são incluídas no volume. É inegável que, tal como diz Vargas Llosa, hoje triunfa o frívolo e o entretenimento, ao mesmo tempo que os intelectuais (como os concebemos no passado) se tornam invisíveis na nossa sociedade, desprovidos de qualquer influência. Enfim, este é um livro muito bem escrito e de grande clareza, cuja rápida tradução será bem útil.

 

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