A ver o Europeu (4)
Ia decorrido o minuto 49 quando aconteceu um golo monumental, daqueles que nos ficarão para sempre na memória, durante o jogo Espanha-Irlanda, disputado hoje debaixo de chuva em Gdansk (Polónia).
Foi um golo invulgar, mas que ilustra de forma exemplar a indiscutível superioridade espanhola num encontro em que os irlandeses sofreram aquela que foi até agora a mais copiosa derrota deste Campeonato da Europa. David Silva recebeu a bola na grande área irlandesa. Tinha à sua frente três defesas que neutralizou com uma simulação perfeita, como se tivesse ao seu dispor todo o tempo do mundo: bastou-lhe uma simples troca de pés, passando a bola do direito para o esquerdo, com o qual rematou - pouca força, muito jeito - sem hipóteses para o guardião Shay Given, que nunca imaginou um desfecho destes.
Sem golos o futebol não chega a ser uma festa. Disso não se podem queixar todos quantos viram este encontro, onde a superioridade espanhola foi quase escandalosa. Se os bons lances de futebol fossem acompanhados por música, como acontece nas touradas, mais de metade da partida teria ocorrido ao som estridente dos pasodobles, com o carrocel catalão e castelhano a provocar vertigens aos verdes devotos de São Patrício.
De vez em quando as câmaras focavam o rosto do seleccionador da Irlanda: Giovanni Trapattoni, bem conhecido dos portugueses, era a imagem personificada da impotência táctica perante a equipa que ostenta justamente os títulos de campeã da Europa e campeã do Mundo. Com cerca de dois terços de posse de bola em tempo útil, nuestros hermanos confirmaram hoje que são sérios candidatos à revalidação do título. E ninguém personificava melhor isso do que Andrés Iniesta. Fala-se muito em Lionel Messi (por bons motivos), tem-se falado também muito em Cristiano Ronaldo (por motivos menos bons), mas pouco se fala deste genial médio catalão de 28 anos que constrói jogadas impossíveis e oferece aos colegas semigolos servidos em bandeja de ouro.
Reparem em Iniesta enquanto joga: os olhos dele nunca deixam de acompanhar a circulação da bola. Como se sofresse quando não a tem e se transfigurasse sempre que a possui.
"Quem quer ver espectáculo, vá ao Scala de Milão", costuma dizer Trapattoni. Erro crasso: hoje houve espectáculo em Gdansk. No relvado, onde os espanhóis imperaram. E nas bancadas, dominadas pelos fãs irlandeses. Que nunca deixaram de vibrar do primeiro ao último minuto. Como se tivessem uma hipótese remota de ganhar quando estavam condenados a uma derrota inapelável.
Espanha, 4 - Irlanda, 0