No meu tempo é que havia trovoadas
Há mais de 30 anos que lido quase diariamente com clientes que se exprimem em Português, Francês ou Inglês. E, com cuidado, induzo-os a que também escrevam além de apenas falarem, nobre propósito para o qual contribuo respondendo sistematicamente por escrito a perguntas feitas pelo telefone. Em caso de dúvidas as conversas telefónicas dão origem a intermináveis diz-que-disse - os textos não. Além disso, falando diz-se mais ou menos do que se quer e escrevendo pode-se pesar e medir, ainda que casos abundem de pessoas que, falando ou escrevendo, não pesem nem meçam - mas não apenas clientes.
Dantes era por telex, depois por fax, hoje sobretudo por e-mail. Tenho notado que a inteligibilidade dos textos se vem degradando mas costumava dizer para os meus botões que devia ser impressão minha: dantes é que havia trovoadas, já não há estações, os automóveis antigos é que eram resistentes ... a memória prega-nos partidas porque retém impressões e pormenores que vê com a nostalgia do tempo em que éramos novos.
Mas mesmo distante e desinteressado de assuntos de educação fui lentamente sedimentando a ideia de que a massificação do ensino, a chegada de novos saberes por causa da informática e da internet, o aumento da importância do Inglês como língua veicular da técnica e dos negócios, a cedência aos professores, que naturalmente reivindicam importância para a sua área de ensino, e sobretudo as teorias lunáticas do eduquês - tudo militava, em conjunto com o apelo avassalador das tecnologias ligadas ao divertimento, para a degradação do ensino entre nós, e boa parte desta tendência partilhávamos com outros países.
E isto tinha que ser assim porque, ao contrário do que diz o bordão, o saber ocupa lugar - não se pode ler clássicos e ver televisão ao mesmo tempo, ou ir ver um "concerto" de "génios" mal lavados, aos saltos desastrados num palco, ao mesmo tempo que uma catedral, ou navegar na internet enquanto se estuda História (a menos que se trate de pesquisa, mas só pesquisa quem sabe, não quem ignora), ou aprender Português, Matemática e Física, reforçar o Inglês, dar atenção à Geografia, não esquecer as Ciências da Natureza (ou lá como chamam agora a isso), mais a Ginástica e o diabo a sete, tudo embrulhado em programas extensos e mal amanhados, mudando constantemente como se as línguas, a história, a matemática e as outras ciências estivessem em constante mutação.
Não se pode porque o dia não aumentou - dura as mesmas vinte e quatro horas, e delas um terço é para dormir. E, no caso da expressão escrita e do raciocínio, se o tempo já não é suficiente, menos ainda o será se o Latim reganhar a importância que muitos avisadamente acham que nunca devia ter perdido.
À força de tudo querer para todos, os miúdos (boa parte deles) acabam por sair do Ensino Secundário sem saber nada de nada. Impressões, já se vê. E impressões reaccionárias, pior ainda.
Sucede que se pode ter razão com impressões, não a tendo com doutoramentos em ciências da educação. Pelo menos foi a conclusão que tirei deste estudo.