Mãos ao alto!
Tem-se vindo a agravar em Portugal um generalizado sentimento de desprezo pela autoridade, que urge combater. O Inspector Amândio, da Divisão de Processos Fiscais, oportuno e sem papas na língua, não está pelos ajustes deste deslizar para uma sociedade anárquica e entende que os fiscais das finanças devem poder dar ordens de prisão, competência que não se compreende ainda não faça parte do limitado elenco de ferramentas que aqueles funcionários têm à sua disposição para cumprimento da sua importante missão. Os fiscais não podem dar ordens de prisão? Pois é um escândalo.
Acho muitíssimo bem o desassombro do Inspector Amândio. Creio mesmo que este assunto deveria ser visitado com interesse pelo Governo, alargando-se a competência para dar ordens de prisão também a outros agentes de autoridade que se deparam com dificuldades para o cabal desempenho das suas missões. As Polícias Municipais, por exemplo, são com frequência vítimas de entraves colocados por Munícipes que restauram os seus imóveis sem autorização, lançam à socapa chapadas de cimento em barracos não licenciados, inclusive em dias destinados a descanso, e que nem sempre usam de urbanidade quando são confrontados com as consequências dos seus actos. E os Inspectores do Trabalho são com frequência vítimas de atitudes arrogantes por parte de patrões grunhos (com perdão da redundância), que têm dificuldade em perceber a importância dos corrimões nos lanços de escadas, ousam discutir a interpretação das leis e dos contratos colectivos de trabalho por parte de quem tem obrigação de os fazer respeitar, e de modo geral não adoptam a atitude colaborante que lhes é exigível.
De resto, nem sequer se entende que, alargando-se desejavelmente o número de agentes do Estado com direito a prender cidadãos, se hesite em adoptar práticas mais restritivas do direito à inviolabilidade dos domicílios: é intolerável que aquele direito sirva de capa para a prática de crimes, que, sem o direito de visita por parte de quem tem por obrigação combatê-los, ficam impunes. Se a autoridade não pode prevenir a criminalidade por assim dizer no ovo, que muitas vezes é o recesso dos lares, como pode exigir-se-lhe depois que a combata nas ruas, quando ela já está entranhada nos costumes e os transgressores atolados no vício da ilegalidade?
Os governantes têm vindo a dar alguns sinais de não serem alheios a estas preocupações, tímidos embora. Já se admite que a ASAE se inteire da forma como as crianças menores de quatro anos são criadas, através de inspecções, por haver pais que, com incompreensível descaso, ignoram as normas da UE sobre segurança eléctrica, altura do armário dos medicamentos e outras relevantes matérias; e dão-se os primeiros passos na repressão dos hábitos tabágicos também ao volante, não obstante o movimento de cidadãos refractários que, invocando erroneamente um suposto direito de propriedade, consideram ser o interior dos automóveis o espaço privado que evidentemente não é.
Vamos portanto, aparentemente, na boa direcção, e seria injusto não referir aqui o trabalho pioneiro do Senhor Secretário da Saúde, Dr. Leal, em cuja determinação o seu colega da Fazenda bem se poderia inspirar. Pode acontecer, como efeito perverso, um aumento da população prisional, circunstância difícil de casar com a actual superlotação das cadeias.
Nada porém que não se resolva com alguma flexibilidade e imaginação, lançando mão, por exemplo, de um aumento das saídas em liberdade condicional. Seria uma generosa benesse para os bem comportados e de nenhum impacto negativo na sociedade: não estamos todos a ficar, progressivamente, em - liberdade condicional?
