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Forte Apache

O mito da grande ilusão

Luís Naves, 26.06.12

Em posts anteriores, procurei explicar o que está em causa no Conselho Europeu de quinta e sexta-feira. A opinião pública continua a ser exposta a mitos que dificultam a compreensão dos factos e não há entendimento entre os dois maiores partidos sobre a declaração parlamentar que é suposto reflectir a “posição portuguesa”. A primeira circunstância é nociva e permite que um partido com altas responsabilidades na crise nacional se dedique a joguinhos de pequena política.
Em Portugal, continua a falar-se de eurobonds como se estes fossem uma panaceia muito fácil e que se encontra ao virar da esquina. Os eurobonds já estão fora da negociação. Por outro lado, a posição alemã continua a ser descrita como uma aberração, autêntico capricho de uma mulher teimosa que nem sequer tem o direito de ser identificada pelo título. Isto não é inocente: ouço sempre a “senhora Merkel”, nunca a “chanceler” ou a “líder” alemã. Nestes termos, a posição da Alemanha nas negociações não pode ser compreendida.

 

A discussão europeia dura há ano e meio e foi acumulando uma série de temas inseparáveis: os resgates, em particular, o da Grécia; o Tratado Orçamental; o Mecanismo de Estabilidade; as dívidas soberanas da Espanha e Itália; a ligação entre bancos e dívidas soberanas; a crise financeira e a contracção do crédito às empresas; o aumento dos poderes do BCE; o abrandamento económico; o aumento do desemprego; a insatisfação dos eleitores; a mutualização da dívida europeia.
Julgo ser pacífico que os líderes europeus querem salvar o euro e continuarão a financiar os resgates dos países que perderam acesso aos mercados financeiros. Em troca, exigem reformas estruturais e o cumprimento dos programas de ajustamento. O tratado e o mecanismo são elementos fundamentais para que a zona euro ganhe credibilidade, mas faltam elementos, sobretudo definir os poderes e legitimidade do futuro ministro europeu das finanças (governo económico, no jargão europeu). A questão financeira é a mais atrasada, pois passa pelo reforço da influência do BCE, havendo elementos em discussão, a saber: até que ponto irão os novos poderes de supervisão do banco central? Até que ponto irá a federalização da instituição? Ela poderá emprestar dinheiro a Estados? E há a questão inversa no Mecanismo Europeu de Estabilidade, pode este órgão emprestar dinheiro a bancos?

 

Merkel defende os interesses do seu país e, se houvesse um chanceler social-democrata, a política alemã não seria muito diferente, o que se prova pela forma como os partidos alemães chegaram a acordo sobre a ratificação do Tratado Orçamental que obriga os signatários ao rigor nas contas públicas. Não é possível imaginar que a Alemanha abra os cordões à bolsa sem garantias políticas. O eleitorado não aceitaria pagar mais impostos e ter abrandamento económico ao ajudar outros países, sem ter a certeza de que o dinheiro seria bem gasto.
Num programa da TV, ontem, Henrique Medina Carreira (um dos comentadores mais lúcidos em Portugal)  tentou explicar isto e lembrou o exemplo da relutância nacional em pagar as dívidas da Madeira. Os contribuintes continentais têm dificuldade em aceitar manter um sistema que sabem ser ineficiente e um estilo de vida que sabem ser insustentável. Confesso que quando vejo Jardim a mandar “umas bocas” contra o continente sinto uma indignação muito teutónica.

Há situações na Grécia ou em Portugal que um eleitor alemão não pode entender. Exemplo: no domingo, um jornal grego publicou um relatório oficial que mostrava não ter havido redução no número de funcionários públicos gregos; era suposto aplicar-se a regra de entrar um funcionário por cada cinco saídas; mas em 2010, reformaram-se 54 mil funcionários e o número global manteve-se; por cada saída, entrou um funcionário; em 2011, a situação melhorou, mas apenas ligeiramente.

 

Por outro lado, surgem as interpretações de que a União Europeia não passa de uma grande ilusão.
Julgo que a união não é apenas desejável, mas sobretudo inevitável. Claro que as velhas nações europeias poderiam sobreviver sem esta ligação inconstante, mas o sistema de rivalidade criado ao longo de mil anos provou ser demasiado instável. A UE poderia ter sobrevivido sem moeda única, mas talvez não sobrevivesse ao seu colapso. As recriminações seriam de tal ordem, que se torna difícil imaginar a possibilidade desta aliança se manter após o fim do euro.
A Alemanha defende os seus interesses, mas isso é visto como um pecado. Chamam-lhe falta de solidariedade. Na realidade, Berlim quer mutualizar a dívida, mas só o aceitará depois de haver mecanismos de união política que lhe garantam um controlo mínimo sobre o dinheiro que vai gastar. As pressões a que assistimos são dos países que querem reduzir as limitações ao gasto desse dinheiro, que passará de alemão para europeu. a defesa dos interesses nacionais é legítima para todos, menos para a Alemanha (Holanda, Áustria, Finlândia, etc.)

 

O aprofundamento da união política criará os seus próprios problemas, mas é condição sine qua non para a estabilização da zona euro, embora não resolva a crise financeira, que é de natureza diferente, pois não tem a ver com instituições políticas, mas com a ganância dos bancos.

Nesta cimeira, haverá provavelmente pequenos avanços, mas julgo ser evidente que as decisões políticas vão exigir muito tempo para serem efectivas. Um resumo:
O Tratado Orçamental será ratificado por todos (aliás, onde estão aqueles que diziam que Portugal se tinha precipitado na ratificação?)
Haverá avanços para a união bancária, com o BCE a ganhar poderes.
Decisões sobre um pacto de crescimento que usará fundos comunitários; este último ponto está ligado à negociação dos pacotes de 2014 a 2020 e seria interessante verificar se a França aceita reduzir as verbas da política agrícola comum.
Os países vão comprometer-se com as reformas estruturais e o controlo das contas públicas.
A Espanha terá ajuda directa aos seus bancos; por incrível que pareça, há comentadores de esquerda que parecem defender a ideia de que a Espanha devia ter mais austeridade, como nós temos; o raciocínio nunca é feito ao contrário, ainda bem que eles têm menos, pois assim podemos pedir o mesmo tratamento.
Neste momento, os eurobonds estão afastados da discussão e, na melhor das hipóteses, haverá a versão light, o chamado fundo de amortização, mas sempre a prazo.
Finalmente, será aprovada uma nova taxa sobre transacções financeiras (que ajudará porventura a resolver a execução orçamental portuguesa).

 

Os comentadores vão dizer que isto foi tudo em vão e os mercados vão testar a solidez das decisões ao longo de Julho e Agosto, que serão meses difíceis. Seguir-se-á um período de execução técnica das decisões, que muitos dirão serem desprovidas de ambição e imaginação. No futuro, a Europa continuará a discutir o reforço da sua união política. O edifício está bizantino, afastado dos eleitores, e a prazo terá de haver eleições de nível europeu, por exemplo para os presidentes do conselho e da comissão. O parlamento podia ser reformado, tornando-se  mais pequeno e eficaz, mas isso prejudica os pequenos países.

Estas discussões são complicadas e podem durar décadas, mas parece evidente que a crise da zona euro só pode ter dois resultados: ou acaba a moeda única, ou haverá uma Europa mais integrada.

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