Os salvadores da pátria
A economia, à escala europeia, conhece as monumentais dificuldades que todos sabemos. Apesar disso, ou talvez por causa disso, não tropeçamos numa pedra na rua sem vermos sair de lá meia dúzia de improvisados economistas carregados de soluções mágicas para solucionar todos os problemas. Que esses economistas de circunstância não tenham o menor conhecimento da ciência que dizem dominar é um pormenor de somenos: basta-lhes dois pós de retórica e três citações dos mestres da moda (Krugman, Roubini e Stiglitz) para debitarem as suas teses capazes de ressuscitar a prosperidade nesta Europa com a corda na garganta.
Faltam de repente dois mil milhões de euros para cumprirmos os compromissos acordados com os nossos credores internacionais? Não tem importância: proceda-se de imediato a cortes nos "cerimoniais do estado", proclama um destes improvisados génios da economia. Certamente convicto de que a poupança em amendoins e tremoços garante o passaporte automático ao pagamento de salários, pensões e prestações sociais à margem das estritas regras de disciplina orçamental impostas pelo acordo de assistência financeira negociado in extremis com as instituições internacionais que concedem crédito ao Estado português.
Andamos a brincar com coisas demasiado sérias, entretidos em oratória de salão, como se não víssemos as chamas a arder nas casas em redor.
Numa altura em que o sistema financeiro espanhol está em risco de derrocada.
Numa altura em que o Executivo de coligação entre socialistas e comunistas que governa a Andaluzia - a mais populosa região de Espanha - aprova a subida de impostos e a redução dos salários dos trabalhadores da administração pública.
Numa altura em que Chipre - único país da Europa com um Presidente comunista - solicita um auxílio internacional de emergência que deverá totalizar dez mil milhões de euros.
Numa altura em que o Governo italiano anuncia o despedimento de 10% dos funcionários públicos e a eliminação de mais de metade das províncias - numa reforma administrativa sem precedentes motivada pelo astronómico montante da dívida pública.
Numa altura em que até a França necessita urgentemente de cortar 43 mil milhões da sua despesa, admitindo-se já a redução de benefícios sociais e do número de funcionários, o que terá contribuído para a rápida queda de sete pontos percentuais da popularidade do novo inquilino do Eliseu, François Hollande.
Numa altura em que da Finlândia vem um aviso que deve ser levado em conta: Helsínquia recusa continuar a pagar as dívidas dos outros países que integram a zona euro. Outros países poderão em breve ameaçar fazer o mesmo.
Em Portugal, indiferentes à realidade circundante, os mais diversos protagonistas ocupam a todo o momento os púlpitos mediáticos em pose e tom de salvadores da pátria: propõem medidas populistas destinadas por um lado a colher aplausos fáceis enquanto por outro agravam os riscos da execução orçamental e condicionam ainda mais o que resta da nossa soberania.
Como se permanecêssemos mergulhados nos anos de ilusória prosperidade que conduziram à situação actual e a Europa, enquanto projecto de unidade económica e política, não estivesse hoje em sério risco.
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