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Forte Apache

O poder da Igreja

Luís Naves, 17.07.12

Não sendo religioso, evito abordar questões de religião neste blogue, até para não ofender leitores católicos. Em matérias de fé ou doutrina, não vale a pena estar a argumentar. Mas escrevo este post por ter visto ontem, com espanto meu, as declarações do bispo Torgal Ferreira na TVI24. Foi o mais selvagem ataque político ao governo feito por um membro da hierarquia católica, pelo menos que eu tenha testemunhado. Se este fosse um governo de esquerda, a indignação pelos blogues republicanos e laicos seria ensurdecedora (e acrescento, inteiramente justa). Para quem não viu, fica um pequeno resumo: sem ter referido um único facto, falando sempre no horror dos miseráveis, o bispo associou este Governo ao mal, tratando os seus membros por “esses tipos” e dizendo com todas as letras que são “corruptos” e defendem “interesses de grupo”, até mafiosos. Em comparação, o anterior governo era de “anjinhos”. Ao longo da entrevista, o bispo sublinhou várias vezes que não estava a fazer política. Hoje, já ouvi na rádio um responsável da conferência episcopal afirmar que as frases do bispo Torgal Ferreira eram “opiniões pessoais”.

 

A intensidade da indignação dá que pensar, para mais quando está a ser elaborado um orçamento de Estado. A Igreja Católica é altamente hierarquizada e disciplinada: não há franco-atiradores. Aquilo que o bispo disse vincula a instituição, que aliás lava as suas mãos de forma bastante hipócrita. É também claro que Torgal Ferreira jamais faria aquelas afirmações se o governo fosse de esquerda. Elas dariam origem a uma reacção indignada da opinião pública, que não tolera estas interferências. Neste caso, há a garantia de que a esquerda encolhe os ombros. Isto só atinge os eleitores católicos do PSD e do CDS, que são numerosos.


 

A Igreja Católica sempre fez política em Portugal. Tem aliás sido um dos maiores actores políticos neste país, e não estou a falar da Inquisição, dos Jesuítas, da diabolização da República ou do apoio ao Estado Novo. Refiro-me a tempos mais recentes. Resistindo às mudanças, sempre a força mais conservadora, a Igreja tem sido especialmente simpática com os partidos da direita. Daí a estranheza do feroz ataque de ontem. Como se explica que um bispo faça afirmações daquelas, sem um único facto a suportar o que dizia, sem qualquer sinal de estar a agir por conta própria?

Julgo que estas críticas têm a ver com a questão do costume, o dinheiro. Do ponto de vista dos valores cristãos, é difícil negar que este Governo está mais próximo dos valores da Igreja do que o anterior. O que mudou, então?
A resposta é evidente. O executivo está a fazer reformas extensas no orçamento de Estado, tentando limitar o acesso dos grupos de interesses ao bolo orçamental, que diminuiu de dimensão. Esta redução resulta da falência do país, é imposta pela troika e decorre dos termos do resgate. Não é escolha nossa, mas uma necessidade. Se o país falhar, o nosso futuro é albanês.

 
Não deixa de ser humano (alheio ao Reino de Deus) que quem esteja habituado a uma fatia grande, tente defender o tamanho dessa fatia. Há consórcios das PPPs, a banca e as rendas excessivas dos oligopólios, mas esquecemos sempre a igreja católica na lista do banquete. As instituições da igreja, ou ligadas a esta, têm acesso privilegiado à segurança social e a fundos comunitários, mas também tocam em verbas de outros ministérios. Sim, eles não vivem das esmolas.
Estamos a falar de centenas de milhões de euros por ano, bastando somar os orçamentos das centenas de organismos que se dedicam à actividade social e que são dirigidas por sacerdotes. Muitas destas entidades trabalham no fio da navalha e desempenham um papel relevante na nossa sociedade, mas também há ineficiência, resistência ao controlo do dinheiro dos contribuintes, certamente desperdícios. Era disto que falava Torgal Ferreira, naquele tom indignado e retórico: não mexam no nosso dinheirinho.

É justo dizer que a Igreja não é a única instituição a lutar pela sua parte do dinheiro dos contribuintes. Muito do que vemos nos meios de comunicação faz parte desse combate político e visa influenciar o próximo orçamento, reduzir ao mínimo os prejuízos.

 

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