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Forte Apache

O futuro do Bloco

Luís Naves, 20.08.12

Tem gerado polémica a decisão de Francisco Louçã de deixar a liderança do Bloco de Esquerda, sobretudo após o coordenador do BE propor aos militantes uma solução bicéfala para a direcção do partido. Julgo que a comoção é exagerada e que releva incompreensão em relação aos bloquistas e ao próprio Louçã.
Embora seja o melhor orador da política portuguesa, Francisco Louçã irrita a direita, que frequentemente distorce as suas posições. Em muitos comentários (ainda ontem no de Marcelo Rebelo de Sousa, na TVI) surgiu a acusação de "demagogia" que julgo ser injusta. Embora tenha fama de radical, o líder do bloco é um político com um percurso coerente, que transformou uma federação de pequenas formações num partido a sério e que tem hipóteses de integrar futuros governos. A ideia da direcção bicéfala resulta da adopção de um modelo idêntico ao dos Verdes alemães, a meu ver a grande referência do Bloco, pelo menos no plano das aspirações. 
 

As pessoas esquecem que o BE tem 13 anos. O seu início foi hesitante: nas eleições de 1999, conseguiu apenas 130 mil votos. Em 2002, o resultado não foi melhor, apenas 150 mil. A situação mudou a partir de 2005, com 360 mil votos e, sobretudo em 2009, quando o BE conseguiu um resultado extraordinário, de 550 mil votos, quase 10% do eleitorado e dois pontos percentuais acima da coligação do PCP, embora só conseguindo mais um deputado, devido à concentração de votos comunistas no sul.
O número de deputados mostrava um partido a crescer depressa em áreas urbanas e com universidades (Braga, Viseu ou Porto), em zonas do norte onde os comunistas não entram. Houve também voto útil e o BE atraiu socialistas descontentes com Sócrates, faixas do eleitorado que viria a perder na eleição seguinte.
Em 2011, o BE foi penalizado pelos erros tácticos cometidos na fase de derrube do Governo de José Sócrates. Aos olhos de muitos socialistas, Louçã foi um dos culpados pela queda do governo, ao votar contra o PEC IV (a CDU também votou contra, mas não foi penalizada). O facto do BE não ter sequer conversado com a troika foi também difícil de entender, já que estivera activo no derrube do governo. Em resultado, o Bloco caiu para menos de 300 mil votos, apenas 5,17%, mesmo assim no patamar da sobrevivência.

 

Muitos analistas políticos dizem que o BE não tem futuro, mas acho que é exactamente o contrário. Este partido está cada vez mais parecido com os Verdes alemães, embora alguns dirigentes invoquem o modelo do Linke como sua referência. Infelizmente para o bloco, o PCP antecipou-se na criação do alegado partido verde, que não é muito mais do que a extensão dos comunistas e que permite quase duplicar as intervenções parlamentares. Esta minha tese também pode ser contrariada pela escolha de bancada dos eurodeputados bloquistas, mas julgo que isso se justifica pela circunstância dos verdes europeus já estarem mais à direita do que convém ao bloco, entrando nos jogos eleitorais que lhes permite influenciar a legislação, à custa de perderem a alma radical.
A escolha da direcção bicéfala não é nova na política portuguesa, tal como refere este post de Helena Matos, mas julgo que Louçã se refere a uma genuína direcção bicéfala, à maneira do que os Verdes alemães fizeram no início da década passada. Este partido é hoje dirigido por uma mulher e um homem, Claudia Roth e Cem Ozdemir, este último de origem turca e muçulmano secular.

Os Verdes alemães (Aliança 90) são aquilo que se pode considerar "esquerda moderna", com algum pragmatismo económico e opiniões fortes em questões ambientais e de sociedade (feminismo, direitos dos homossexuais, etc.). A sua maior crise foi em coligação com o SPD, quando o governo alemão decidiu apoiar a intervenção americana no Afeganistão. Este partido foi fundado em 1980 e teve uma evolução semelhante à do BE, valendo neste momento 10% do eleitorado alemão. Em vários estados, está aliado ao SPD, sendo governo num outro.

Os verdes alemães têm vantagens. Os comunistas no Linke não têm a estrutura sólida do PCP, enquanto o SPD (ao contrário de parte do PS) aceita com naturalidade alianças com um partido à sua esquerda. Entretanto, surgiu o desafio dos Piratas, populistas que defendem a democracia directa, e para onde foram muitos verdes desiludidos. As próximas legislativas serão no Outono de 2013.

O bloco pode acabar por não escolher a direcção bicéfala, mas se o fizer, isso equivale a uma mensagem clara de que este partido pode tornar-se ainda mais como os verdes alemães, sem perder a sua coerência. Os temas sociais que o BE introduziu na discussão política são hoje pacíficos, até para grande parte da direita. No futuro, pode ser dado um passo pragmático de participação num governo de esquerda liderado pelo PS. Isso pode estar à distância de 3 anos, mais provavelmente de 7 anos, e os socialistas terão de mudar a sua cultura de poder.
Depois desta crise, a política nacional já não será a mesma. Não se vislumbram maiorias absolutas, apenas coligações. Há uma possibilidade à direita, haverá talvez a opção do centrão, falta a hipótese de esquerda, que exige outros protagonistas. 

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