O direito ao massacre
Agora que as minhas férias estão a acabar, suspeito que estou em numerosa companhia quando o digo com um acanhado suspiro de alívio. Que milhões de cidadãos se estendam na areia debaixo de um sol inclemente, a frigir durante horas para terem sensações de queimadura apesar de borrados com unguentos pegajosos, desafia o entendimento; e que para isso façam longas viagens de automóvel no meio de um movimento infernal, parando em áreas de serviço onde ele é reles e os preços anormais; ou, pior, que se sujeitem a ser tratados como gado em aeroportos para chegar a um destino onde se come lixo exótico nos intervalos do estorricanço - só se explica como um ecuménico delírio colectivo.
Há, é claro, outras férias: ir ver monumentos célebres, países distantes, museus famosos. A prova de que tais destinos não se recomendam é que estão inçados de turistas. E eles tiram, furiosamente, fotografias. E como todo o lugar que vale a pena está abundante e superiormente documentado, o papel das fotografias é o de um certificado: estive lá, vi isto e aquilo, ai que bom que foi. Toma lá visitante, que nas noites de Inverno vou-te atazanar a paciência com o álbum e, pior, o filme das últimas férias em Bali.
Mesmo o cidadão pacato que tome as suas disposições para se pôr ao abrigo das contrariedades, fugindo do circuito normal, indo para sítios onde os turistas não enxameiam, tomando precauções quanto às instalações e passadio no destino, descobre que outros tiveram a mesma ideia; e o restaurante justamente conhecido pela sua qualidade tem, mesmo que a mantenha, o que não é certo, mesas esgotadas a horas decentes; além do que a minoria dos maduros a querer férias civilizadas é demasiado numerosa, por causa da concentração nos três meses de Verão.
Os trabalhadores conquistaram o direito a férias. Óptimo. Falta ainda que conquistem o direito a ter férias quando os outros trabalham. Como isso se fará, ignoro; que já não faço pouco em saber o que não convém.