Evolução na Continuidade?
Acreditei que a maioria política que suporta o Governo tinha vontade e estímulo para proceder a um conjunto de alterações na estrutura da sociedade e do Estado que afastassem duradouramente para o futuro a necessidade de um novo pedido de assistência financeira externa.
Admiti, depois de ter lido o livro que o actual Primeiro-ministro lançou durante a campanha na última corrida à liderança do seu partido, antes de se tornar Chefe do Governo, que o seu impulso era efectivamente reformador na senda do que à sua maneira e para a época foi Francisco Sá Carneiro.
Quis convencer-me que as proclamações do CDS sobre a redução de impostos e sobre a reorganização do Estado eram genuínas.
Digo-o com pena – apesar de ainda ter a esperança de estar enganado – mas hoje parece-me que Pedro Passos Coelho e Paulo Portas se aproximam mais de Marcello Caetano, no sentido de que as expectativas de que houvesse sob a sua liderança reais transformações na sociedade portuguesa, afinal, não passam de uma evolução na continuidade...
Marcello Caetano, no contexto histórico que se vivia, lá teria as suas razões para pretender a evolução na continuidade, mas quanto a Passos Coelho e Paulo Portas já é mais difícil descortinarem-se os motivos para que queiram aplicar o mesmo método…
Cortar vencimentos aos funcionários públicos e pensões aos reformados não são reformas estruturais. Aumentar impostos não é também seguramente uma reforma estrutural.
Até concedo que na situação de emergência em que nos encontramos, esta é uma das receitas mais expeditas para conseguir reduzir a despesa do Estado, mas a prazo, para que estas medidas não se venham a repetir, é indispensável executar as tais reformas de que há muito se fala, que preencheram já milhares de páginas e horas de debates, mas que infelizmente continuam a escassear no concreto.
Não cometo a injustiça de dizer que este Governo nada fez. Mas a revisão do Código Laboral, da Lei do Arrendamento, da organização dos tribunais e a racionalização de despesas no Serviço Nacional de Saúde, designadamente, são ainda movimentos muito curtos para a dimensão do que deve e pode ser feito.
Para reequilibrar Portugal há muito que fazer, ainda que os resultados só venham a ser sentidos no médio/longo prazo. Mas há que começar. Não se pode mudar apenas alguma coisa para que, no essencial, tudo fique na mesma. Deveria contrariar-se pela acção o sentimento que se vai generalizando de que chegados ao poder, tanto faz uns como outros…
Por isso esperava que fosse dito e assumido que o Estado, que é suportado pelos impostos, tem que definir as suas funções, as que sejam efectivamente indispensáveis, reduzindo ao mínimo a despesa pública. E não, ao contrário, manter, mais coisa, menos coisa, um modelo em que se suga de forma implacável recursos para consolidar o formato de sempre.
Que deixará de se assegurar de forma indiscriminada serviços gratuitos à generalidade das pessoas, nomeadamente, nos sectores da Saúde e Educação, passando a ter em conta na utilização do princípio do utilizador/pagador os rendimentos de cada um. Que haverá propinas, dignas do nome, em todo o ensino público e não apenas no superior.
Que a idade para passagem à reforma terá que se aproximar realmente da esperança média de vida.
Que os recursos do Estado serão utilizados com sobriedade e as prestações sociais se limitarão aos efectivamente carenciados.
Que o compadrio, a corrupção e a falta de ética terão um combate sem tréguas.
Que serão extintos Politécnicos e Universidades que pululam por esse país fora, em muitos casos apenas por vaidade dos poderes municipais, mas que pouco ou nada de útil têm a dar ao país que hoje somos.
Que o Governo aplicará uma efectiva e profunda reestruturação da Administração Central, Regional e Local, com todas as consequências que daí necessariamente advêm, não se limitando ao corte de “gorduras”.
Que o caminho não é a regionalização e mais políticos, mas menos titulares de cargos públicos, diminuindo fortemente o número de municípios e de freguesias, e os correspondentes autarcas.
Que, neste contexto, se eliminarão as Assembleia de Freguesia, mantendo-se apenas as Juntas que chegam e sobram para resolver os problemas dos cidadãos.
Que, desmantelado o actual arquétipo do Estado, se deverá avançar para fortes reduções de impostos, permitindo que o sector privado crie condições para absorver os que necessariamente terão que ser dispensados na Administração Pública.
Enfim, que Portugal deixará de ser um país marcado pela mentalidade assistencialista, em que o Estado tudo pode e tudo resolve, orientando-nos para ser uma Nação em que os cidadãos são os primeiros responsáveis pelo seu destino, premiados e estimulados pelo mérito, em função do seu esforço, trabalho e empenho, seja no sector público, seja no sector privado.