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Forte Apache

Em nome de Delgado, Machado Santos e Paiva Couceiro!

José Adelino Maltez, 05.10.11

No dia do golpe de Estado, sem povo ao fundo

 

No dia em que a República de 1910 faz anos, costuma apagar as velas uma figura institucional que chegou sete anos depois, com Sidónio (1918) e, depois, em ditadura (1928), o presidente eleito por sufrágio universal e directo, e fá-lo, paradoxalmente, não na casa da democracia, o parlamento, mas por trás da janela onde se proclamou a vitória de um golpe de Estado, promovido pelo braço armado de um partido. Daí, o paradoxo.

 

A instituição presidencial da Constituição de 1976 diverge das figuras presidenciais da revisão sidonista da Constituição de 1911 e dos enxertos ditatoriais e plebiscitários que a ditadura lhe introduziu com Carmona, Craveiro Lopes e Américo Tomás. Mas só conseguimos fazer elevar um civil a esse sucedâneo de monarca, pela via do sufrágio, quando os partidocratas ocuparam o cargo, através de Soares, Sampaio e Cavaco.

 

No fundo, o nosso presidente constitucional tem mais a ver com a nostalgia de 1958, quando, dentro das regras do jogo do salazarismo, Humberto Delgado, através do voto popular, quase consumou um golpe de Estado constitucional, o tal golpe de Estado sem efusão de sangue, pela via eleitoral, que nos poderia ter livrado da ditadura. Por isso é que os esbirros da mesma o assassinaram em 1965. E por isso é que este regime tem tido superioridade moral.

 

Apesar de tudo, o PR ainda é a instituição mais prestigiada aos olhos do povão. Tem mais autoridade que poder, e, como mestre de cerimónias, assume os seus cumes de representatividade pelos discursos que emite no 5 de Outubro, no 25 de Abril, no 10 de Junho e nas mensagens de Ano Novo, quase sempre em ritmo de um cabalismo politicamente correcto, onde qualquer palavra fora do contexto é objecto de hermenêutica quase bíblica, através da corte dos comentadores, de que também faço parte.

 

Sendo impossível restaurar a república, pela via do golpe de Estado, como em 5 de Outubro, onde sempre houve a esperança de um acto de violência genesíaco significar as dores de parto de uma revolução, com o consequente homem novo, temos de concluir que os exercícios teológicos de interpretação do texto presidencial nos discursos rituais do costume são, cada vez mais, uma espécie de discussão do sexo dos anjos, isto é, de aulas de pós-graduação sobre a conjuntura financeira internacional.

 

Por isso é que espero que um dia, haja um presidente que tenha a coragem de homenagear os heróis do 5 de Outubro, mesmo que sejam irmãos-inimigos. Era um belo gesto presidencial saudar o carbonário Machado Santos e o monárquico Paiva Couceiro, dois dos portugueses daquela fibra multissecular que manifestaram a vontade de sermos independentes, contra a sociologia cobarde que já então nos amargurava, porque tínhamos a nossa soberania condicionada por um acordo internacional de credores. Logo, vou hoje cantar "A Portuguesa", mais uma vez. Sempre. Valete, Valete, Valete!

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