O vil metal
Há uns bons anos, Cavaco aconselhou os empresários portugueses a virarem-se para Espanha. E para sustentar o conselho chamou com sagacidade a atenção para a circunstância de a Espanha ter um mercado muito maior, com um muito maior poder de compra, e ficar mesmo aqui ao lado. Isto foi para muitos quase uma epifania, dado que até à revelação nunca se tinham apercebido daqueles factos. Não obstante, com a característica curteza de vistas do empresariado nacional, não houve uma corrida para Espanha. Pior, dos que já lá estavam, e dos poucos que para lá foram, boa parte começou recentemente a dar à sola: lá como cá o que neste momento está a progredir é o retrocesso.
Quando algum Chefe de Estado, ou Primeiro-Ministro, vai ao Brasil, faz parte da tradição querer incentivar muito, incentivar intensamente, incentivar convulsivamente, as trocas bilaterais e o investimento. As trocas e o investimento em questão revelam-se teimosamente impermeáveis a incentivos por via de discursos, mas nem por isso os políticos de consequência desistem de tentar puxar a carroça do empreendedorismo.
O empresariado é que não acompanha.
Sem dúvida para remediar esta congénita deficiência, o actual Governo conta com um Secretário de Estado do Empreendedorismo. A tarefa deste político é ciclópica: tem que vencer o atávico atraso e falta de formação do empresariado português, constituído na sua esmagadora maioria por broncos quase irrecuperáveis, e isto baseando-se em pouco mais do que a pregação do Evangelho da Gestão Fortemente Lúcida, dado que dinheiro para distribuir não há - o tempo de torrar arame do contribuinte nas Qimondas da vida já lá vai. Nem dinheiro nem gestores, visto que as fornadas de técnicos altamente qualificados que as Faculdades de Economia e Gestão despejam anualmente no mercado vão trabalhar para o Estado, a Banca, e, mais recentemente, o estrangeiro. Agora, empresas é que não fazem, possivelmente por não quererem ombrear com o empreendedor tradicional, com vergonha da companhia.
Não há, graças a Deus, dinheiro para distribuir, mas também não há para emprestar. E aqui revela-se em todo o seu esplendor a utilidade de um Secretário de Estado do Empreendedorismo: não é preciso haver dinheiro para emprestar, informa o próprio, em pessoa ele mesmo. Em sendo preciso financiamento, reforçam-se os capitais próprios e pronto. Fallait y penser, a coisa é luminosamente simples.
Quer dizer que se alguém quer investir - reforça os capitais próprios; tem encomendas com pagamentos a prazo mais longo do que o que pode obter junto de fornecedores, a somar a um ciclo de produção também longo - reforça os capitais próprios; quer inovar, expandir, procurar novos mercados - reforça os capitais próprios; o Estado não restitui o IVA nos prazos, na mesma altura em que há um incumprimento de um cliente - reforça os capitais próprios; arderam-lhe as instalações, e a companhia de seguros arrasta os pés, porque a Lei e a supervisão o permitem - reforça os capitais próprios; e sucedem-lhe os mil e um imponderáveis da vida das empresas, o tempo penoso do início, a infelicidade imprevisível à qual é possível sobreviver, a oportunidade inesperada que é preciso agarrar - reforça os capitais próprios.
Este Secretário de Estado é um grande estadista. Mas Sancho Pança - era maior.*
* Frase de fecho pilhada de um clássico português, quem não conhecer tem a minha autorização para googlar.