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Forte Apache

O martelo

José Meireles Graça, 03.10.12

Hoje houve aula de lavores gasparianos.

 

Portugal é há décadas uma fotografia desfocada, retocada incessantemente, a ver se fica mais nítida, quase sempre com cada emenda pior do que o soneto. Quando queremos ver um pormenor franzimos os olhos, mas não vemos todos a mesma coisa - apenas constatamos recentemente que a fotografia não cabe na moldura, porque isso entra pelos olhos dentro de quem não for invisual, infelicidade que afecta desgraçadamente uma porção considerável de cidadãos.

 

Ultimamente, tem vindo a ficar mais nítida: tinha uns espaços gordurosos, e massa muscular difusa, mas no afã de a recortar para caber na moldura, cortaram a eito, dando umas tesouradas no músculo e outras menores no branco, que se ficou a notar mais.

 

Os fotógrafos amadores lunáticos dizem: Cortar na fotografia? Mas para quê? O que é preciso é uma moldura nova, deve haver quem no-la ofereça; e, se não houver, roubamos.

 

Os fotógrafos amadores cínicos dizem: Bem, vai-se cortando como calha, sempre algum branco há-de desaparecer, e depois, quando se constatar que continua a não caber, recorre-se a um martelo.

 

Os fotógrafos amadores ingénuos dizem: Bem, vamos cortando até caber. Havemos de cortar tanto que, mesmo que a moldura encolha, chegará o momento em que tudo encaixa e tráz - a coisa fica firme.

 

Os fotógrafos falsamente modestos dizem: Bom, os cínicos têm razão. Mas não há motivos válidos para esperar. Venha daí o martelo, e já tarda.

 

Se o leitor vai entender a alegoria - não estou certo; se, entendendo-a, se encaixa em alguma categoria - não imagino; e em que categoria encaixo eu - não divulgo, que agora não tenho vagar, nem presumo que haja muita gente a querer saber.

 

Mas lá que no futuro próximo ou distante há um martelo à nossa espera - há.

 

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