Violência doméstica
Ontem foi dia de entrevista do PM. Deixemos de lado a patente mediocridade dos entrevistadores, agravada no caso de Judite de Sousa por não perceber que as pessoas nem querem um debate (para isso é necessária igualdade de estatutos, não uma distribuição de papéis em que um pergunta e o outro responde), nem querem saber o que realmente pensa o entrevistador (Judite, se pensa alguma coisa, não vai muito acima da versão ¡Hola! do jogo político), nem querem subserviência - o que não é a mesma coisa que adoptar um comportamento impertinente, interrompendo a despropósito o entrevistado e impedindo-o de completar raciocínios.
Deixemos de lado também a maior parte do que disse Pedro Passos Coelho. Quem vê estas coisas também acompanha a vida política, e Passos não acrescentou praticamente nada ao que já se sabia.
Porém, questionado sobre quem é o seu número dois, respondeu rápido: “É o ministro das Finanças”. Isto parece um fait-divers: face à dimensão dramática dos tempos que vivemos, que interessa lá a hierarquia formal do Governo? Acaso os ministros dão ordens uns aos outros? Portas, que pelos vistos é o nº 3, acaso pode dizer ao número quatro - faz isto e aquilo?
Lamento, mas o formalismo e os símbolos contam: a nossa bandeira é um pano, mas com ela não se limpa a louça; o nosso País pode estar sob diktat dos credores, mas suponho que não recebemos instruções sobre como votar na ONU.
Ora, o Governo foi formado por dois partidos com um certo peso eleitoral e maneiras diferentes de ver o interesse nacional, mas com um grau suficiente de convergência para assegurar, face à esquerda radical e à esquerda irresponsável, ambas no Parlamento, um mínimo de estabilidade. E dos votos que conferem legitimidade ao Governo os primeiros e principais depositários são Pedro Passos Coelho e Paulo Portas - por esta ordem.
Vítor Gaspar foi nomeado por quem tinha competência para o nomear mas não foi eleito. E mesmo que o tivesse sido cabe perguntar se o esforço que é preciso fazer para que cada qual abafe a sua maneira própria de ver as coisas, e nessa medida se comprometa com decisões que não tomaria se estivesse só, é compatível com uma permanente abdicação de um lado, e uma permanente sobranceria do outro: Gaspar até poderia ser o homem certo no lugar certo, coisa em que, incidentalmente, cada vez menos gente acredita; e até pode ser o homem forte do Governo, coisa de que muita gente suspeita. Mas não é com ele que o Primeiro-Ministro tem que negociar: ele pode ser substituído sem cair o Governo; Portas não, salvo a hipótese de sair voluntariamente. De resto, negoceia-se com um parceiro, não com um número três - a menos que a coligação tivesse não dois mas três partidos.
Um fait-divers, decerto: daqueles que minam os casamentos. E mesmo não estando, como não estou, ao corrente dos problemas do casal, quer-me parecer que um dos cônjuges deve imaginar que o medo das consequências é um cimento que permite todos os abusos.