Os indignados
Acho saudável que uma democracia tenha formas de canalizar o descontentamento da população, como é o caso da manifestação dos indignados que está a decorrer em Lisboa (vi na rua o início do protesto).
Já fico mais preocupado com as respostas (e algumas das perguntas) que vi em reportagens na televisão.
As pessoas manifestam-se naturalmente contra as medidas do governo, mas deviam ter protestado em devido tempo contra a troika. Deviam ter votado contra os partidos que aceitaram o acordo do memorando. As metas do acordo são claras: 5,9% de défice orçamental este ano; 4,5% no próximo. Se não conseguir alcançar estas metas, Portugal ficará sem financiamento externo e a sua economia estará numa situação muito pior do que a actual. Não haverá apenas cortes nos salários dos funcionários, deixará de haver dinheiro para pagar esses salários.
Não é possível ter sol na eira e chuva no nabal. Por outro lado, não compreendo o catastrofismo de alguns analistas, como se não esperassem o que vinha aí, como se isto fosse tudo uma grande surpresa para eles. É ler-se a imprensa de hoje, está por todos os lados, escrito pelos mesmos que há duas semanas exigiam cortes na despesa e se espantavam pela sua ausência. Mas estes analistas não sabiam o que nos esperava? Não sabiam o significado do que eles próprios pediam, em artigos onde rasgavam as vestes?
Uma reflexão final sobre os indignados. Nos EUA, os manifestantes do Occupy Wall Street dirigem-se com maior nitidez aos abusos do sistema financeiro e dou por mim a concordar com grande parte do que dizem. Parece-me evidente que estamos nas fases iniciais de uma profunda crise do capitalismo e que é preciso maior regulação.
Já o movimento europeu é confuso. Tem as mesmas características populistas do movimento americano, de anti-política, mas em quantidades que me parecem tóxicas. A rejeição dos partidos e o processo de decisões anárquico, que facilita as manipulações e as chapeladas, são retrocessos da democracia, não são avanços. As assembleias gerais populares são facilmente manipuláveis. E ser do contra porque parece moderno não resolve nenhum problema da sociedade.
Também não entendo a exigência de "democracia participativa". O país a ser governado na rua, por assembleias populares? O governo por sondagens ou pelas redes sociais?
Uma senhora está neste momento na TV a dizer que "a gente não paga a dívida". Isto é apenas outra fantasia, como aquelas em que este país viveu nos últimos anos. Claro quer vamos pagar a dívida, pelo menos enquanto os credores nos exigirem isso, pois a alternativa é um retrocesso ao nível da Albânia. Se fizermos o que os indignados querem, o país vai à falência e fica isolado. O que temos é mau, sem dúvida, os nossos "amigos" externos são duros, mas o poder da rua não passa de uma ilusão cruel.