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Forte Apache

Maria-vai-com-as-outras

José Meireles Graça, 19.03.13

Sempre suspeitei que o Euro era mal-nascido: a ideia de que uma moeda forte faz, de países fracos, países fortes, é uma patente tolice, que nenhum facto histórico confirma. A verdade é o oposto: os países com uma economia sólida tendem a ter uma moeda sólida. E dentro do mesmo país, quer seja federal como os EUA ou unitário como a Itália, há entre regiões assimetrias persistentes de rendimento que demonstram que a moeda, por si, não equaliza rendimentos nem taxas de crescimento.

 

Não descobri a pólvora, é claro: os pais do aborto sabiam, ou suspeitavam, disto mesmo. E por isso ousaram dar o passo como uma medida irreversível que ia na direcção que almejavam, a da Europa Federal que ainda hoje reclamam. Que se tenha honestamente acreditado que haveria entre os Estados Federados uma relação de igualdade, e que o caminho comum seria determinado por uma combinação razoável de um voto/um Estado, temperada por considerações de peso demográfico e económico, desafia o entendimento. Porque até mesmo uma federação de estados recém-nascidos, e por isso virgens de história, como os EUA, só se consolidou após uma dolorosa guerra que teve na origem, segundo a lenda, questões de direitos humanos e, segundo a realidade, questões de interesses económicos.

 

Porém, confesso com vergonha que dei o benefício da dúvida: não havia precedentes históricos e quem, como eu, entenda que não é possível compreender o presente, e menos ainda adivinhar o futuro, sem conhecer o passado, fica sem pé se não tiver referências históricas.

 

Mas, se não havia precedentes para o abandono voluntário, à escala quase continental, de nacionalidades mais do que consolidadas, havia e há para as consequências de conglomerações que façam tábua rasa do sentimento de pertença nacional, rivalidades tradicionais, equilíbrios, diferenças culturais, língua, história e tudo o mais que faz com que um Português, mais o seu tradicional complexo de inferioridade, nada tenha que ver com um Polaco, mais o seu tradicional medo do urso a Leste ou do Teutão a Oeste, com um Francês, mais o seu complexo de superioridade cultural e da grandeur de la France, ou sequer com um Espanhol, mais a sua sadia indiferença ao estrangeiro.

 

E por isso concluí, disse e escrevi de muitas maneiras diferentes que o Euro, se não fosse vítima do seu insucesso, sê-lo-ia do sucesso. Porque o sucesso, se fosse possível, nunca seria equânime.

 

Não que esta conversa auto-congratulatória interesse: já me significaram a propósito que até mesmo um relógio parado acerta duas vezes ao dia; e que sobre este assunto ainda não falaram definitivamente três doutores.

 

Mas agora falaram, ó se falaram, a propósito de uma pequena ilha a Sul da Turquia. E disseram que todos os esforços para salvar bancos por causa do risco sistémico foram inúteis. Porque, seja para punir os Cipriotas porque elegeram um Presidente comunista e se colocaram na bancarrota; seja porque os credores querem reembolsar-se depressinha e - não é verdade? - uma mão cheia de ilhéus não tem que ter nem opiniões nem veleidades; seja porque o Eurogrupo pretendia dar uma lição a plutocratas russos e a evasores fiscais gregos: não hesitaram em atirar às urtigas a já abalada confiança no sistema bancário dos países aflitos, pelo expediente simples de assaltar as contas dos respectivos cidadãos desprevenidos.

 

A garantia da intocabilidade dos depósitos até 100.000 Euros, até mesmo em caso de falência, foi pelo cano, e com ela quaisquer ideias, mesmo que remotas, de confiança e equidade, porque um assalto é um assalto, mesmo que alguns dos assaltados sejam por acaso ladrões.

 

A confiança no sistema bancário dos países de segunda morreu de morte matada. E, para os distraídos, esta mistura de quase inacreditável estupidez com ganância e sobranceria estilhaçou de vez qualquer ideia ingénua sobre solidariedades, destino comum e outras piedades, que nunca aliás existiram senão na cabeça de sonhadores e na boca de propagandistas e burocratas.

 

O edifício corroído já mostrava faz tempo as suas fendas. Agora, escancara uma enorme brecha.

 

Haveria que tomar providências para a fuga. Se bem conheço o meu País, não vai suceder. De tanto querer chegar ao pelotão da frente ficamos vidrados em quem lá está. E com o hábito dos pelotões: Maria-vai-com-as-outras ou não vai.