Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Forte Apache

O mal (5) Memória de 56

Luís Naves, 01.05.13

5

Enfim, como explicar os ataques políticos no Parlamento Europeu e as críticas da comissão (que não retira o procedimento por défice excessivo e ameaça cortes nos fundos)? Budapeste insiste na ideia de que pisou muitos calos na alta finança e agora paga por isso. É quase credível. Entretanto, vai fazendo o seu caminho a ideia de que os pequenos países europeus têm de se portar bem. E esta opinião, que cresce, já faz pensar de outra maneira.

 

Um dos problemas fundamentais do futuro da Europa será a tensão crescente entre pequenos e grandes, os primeiros a terem de cumprir escrupulosamente regras que os segundos não precisam de cumprir com o mesmo rigor. Este duplo critério não passa de ilusão destinada ao fracasso. A União Europeia só sobreviverá se respeitar as nações com identidade forte.

 

 

Vendo bem, Orban (um protestante que estudou em Inglaterra) está a tentar criar um sistema político semelhante ao inglês, afastando-se do alemão. Assim, retirar poderes ao Tribunal Constitucional faz algum sentido, como é adequada a nova lei eleitoral (devia ser aplicado algo de semelhante em Portugal) ou a visão de bipolarização política entre esquerda e direita.

Na era dourada da História da Hungria, no final do século XIX, o parlamento húngaro, eleito à inglesa, era uma permanente dor de cabeça para o imperador. A crise europeia mudou a UE a ponto de infantilizar os pequenos países, que têm crescente dificuldade em explicar os seus problemas.

 

A concentração de jornais no poder económico dos países mais fortes também não ajuda. Neste caso, temos uma maioria constitucional, que resultou da vontade democrática de um povo, mas cujo efeito não é aceite por governos onde a prática habitual é de coligações muito mais frágeis.

A maior ironia é que o povo húngaro deu provas recentes de bom senso, pois a queda do Muro de Berlim começou na Hungria, no verão de 89, e um dos protagonistas do movimento foi um jovem estudante chamado Viktor Orban.

A memória e as cicatrizes de 56 pesaram fundo num país que sofreu (e cometeu) grandes barbaridades no século XX, mas a Europa mantém uma dívida de gratidão em relação a todos os democratas que arriscaram a prisão, talvez a vida, nos momentos decisivos, na Hungria, na antiga Checoslováquia, na Polónia, e em todos os países onde foi derrubada a tirania comunista. Sem isso, não haveria reunificação alemã e também não haveria reunificação europeia

Orban fez um discurso marcante num desses momentos decisivos, no final dos anos de chumbo. O primeiro-ministro húngaro é um dos democratas que em 1989 ajudaram a mudar o mundo. Por isso, considerar uma vergonha que ele fale amanhã no Estoril corresponde a uma visão muito estreita da história.