O mal (4) Aproveitamento político
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Ao não compreender que Orban é de facto um dos primeiros-ministros mais fortes da Europa, o post de Shyznogud confunde a árvore com a floresta. Estamos sempre a ouvir que não há políticos à altura dos acontecimentos, mas quando surge um bom político, ele é autoritário e se falar no Estoril isso é uma vergonha.
Em Budapeste, a narrativa de spin é a seguinte: minámos o império austríaco, derrubámos o soviético e agora chegam estes comissários de Bruxelas e os seus aliados do FMI que nos dizem o que fazer. Mas quem manda na nossa democracia é o parlamento.
Conversa de surdos. O eurocepticismo versus a dificuldade em entender a diferença entre autoridade e autoritarismo.
Um pequeno país num contexto difícil considera que, para evitar a sua submissão, deve agir exibindo em todos os momentos firmeza e independência. E acaba a ser criticado por pessoas que estão sempre a reclamar contra a perda de soberania que resulta de posições subordinadas no seu país.
Em 2008, estando à beira da falência, a Hungria pediu assistência financeira ao FMI e obteve um empréstimo de 20 mil milhões de euros, a que se seguiu um dos programas típicos deste tipo de ajuda externa. O Governo não se aguentou.
Uma das primeiras decisões dos conservadores que venceram em 2010 foi pagar os empréstimos do FMI e sair do programa de austeridade que tinha sido acordado. Orban seguiu então uma série de políticas heterodoxas, com medidas de competitividade, reformas estruturais e redução do peso do Estado na economia (está agora em 38% do PIB), mas com menos sacrifícios para os cidadãos. O populismo virou-se contra os bancos, quase todos estrangeiros, que foram taxados com violência, levando alguns a ameaçar sair do país. Foram criados impostos especiais para empresas com lucros “excessivos”, em sectores (energia, telecomunicações) onde não é fácil haver concorrência.
Se lermos jornais como o FT, na página dos mercados, constatamos que a Hungria é invariavelmente descrita como um país que, embora cumpra os limites do défice, tem políticas adversas aos mercados. Embora os analistas prevejam a degradação iminente, o facto é que as taxas de juro da dívida continuam a baixar com regularidade, o que facilita o financiamento. Budapeste foi ao ponto de romper as negociações com o FMI, após meses a discutir um novo empréstimo (que era apenas em stand-by, de garantia, mas que obrigava a cortes nas pensões e novos impostos).
A partir deste ponto, deixo de entender os comentadores de esquerda. A Hungria é o único exemplo de um país que desafiou os chamados mercados e a sua ditadura financeira. Viktor Orban é acusado, entre outros crimes, de limitar a independência do banco central húngaro, mas estas críticas não surgem apenas à direita.
Os bancos austríacos e alemães perderam centenas de milhões de euros com a imposição de renegociação das dívidas em moeda estrangeira que tinham sido contraídas por meio milhão de húngaros (a desvalorização súbita do forint, em grande parte especulativa, colocou 20% das famílias à beira da miséria).
Talvez por coincidência, nos jornais de países onde estão as sedes destes bancos, esta medida foi sempre apresentada da pior forma.
Na Hungria, a esquerda tem um exemplo de país europeu que ousou desafiar a ordem financeira mundial e que passou entre as gotas de chuva, demonstrando que as políticas de austeridade em cima da crise não são inevitáveis. É certo que Portugal está em situação mais difícil, sob resgate e sem moeda própria, mas sinceramente não entendo a esquerda: Viktor Orban é o exemplo que justifica as suas críticas à inflexibilidade da troika.
Também não entendo a direita. As medidas heterodoxas funcionaram. O desemprego húngaro não ultrapassou os 11% e este ano o país já estará a crescer 1%; a dívida não passou os 80% do PIB e o défice orçamental no ano passado foi de 1,9%. As reformas estruturais estão concluídas e a Hungria poderá ser um caso de alta competitividade.
O conde barba-azul é fascista ou podemos falar de uma situação mais complexa?