O mal (2) As três tiranias
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A questão política parece bastante clara. O Fidesz, o partido no poder, tem maioria de dois terços que lhe permitiu escrever uma nova constituição, redigir leis cuja alteração exigirá maioria qualificada e ainda fazer emendas constitucionais para ultrapassar obstáculos colocados pelo Tribunal Constitucional. A maioria de dois terços resultou de um voto de protesto, em 2010, após oito anos de governos socialistas ruinosos. Essa votação foi democrática e livre, faltando um ano para as próximas legislativas, ou seja, a campanha está próxima e o Governo tem inegável legitimidade. Se não existe tentativa de interferir na política interna húngara, então o caso parece ser um conflito sobre a futura evolução da Europa e o poder dos pequenos, mas sobretudo sobre as “excentricidades” da identidade nacional e a respectiva impossibilidade.
As instituições europeias e o Governo húngaro têm praticado uma espécie de jogo de gato e do rato, com Orban a apertar as rédeas do poder, mas apenas indo até onde pode, sem prejudicar a integração europeia.
As limitações ao poder judicial são um exemplo que obedece a este padrão. O governo húngaro pretendia acelerar o processo de substituição de juízes treinados no período comunista, mas foi forçado a recuar, por pressão europeia.
Os socialistas húngaros, na oposição, não são como os socialistas ocidentais, embora também estejam na Internacional Socialista. O MSzP evoluiu a partir do antigo partido único e, após afastar o Fidesz em 2002, levou o país à beira da bancarrota. O período entre 2002 e 2010 foi marcado pela corrupção em larga escala.
A direita também não esqueceu a derrota de 2002, por uma unha negra e com ampla ajuda europeia aos vencedores, que depois retribuíram com negócios lucrativos para empresas ocidentais (as privatizações dos anos 90 já tinham seguido um padrão semelhante). Os socialistas estão altamente contaminados por práticas que fariam empalidecer os autores do escândalo BPN.
O sistema político húngaro no período democrático sempre foi crispado e repleto de golpes baixos, mas entretanto surgiu um problema sério: nos últimos anos estabeleceu-se um partido extremista, o Jobbik, que está a pressionar o Fidesz à direita. Este partido de extrema-direita (Lê-se iobik, o que sugere ‘a direita’ e a palavra ‘melhor’) é um perigo para a democracia, pois tem uma franja lunática ferozmente anti-semita e sobretudo anti-cigana. Estão muito activos nas claques de futebol e formam milícias que tentam explorar o forte racismo contra os ciganos. O Jobbik tem descido nas sondagens porque a economia húngara está a melhorar e Orban (para evitar ficar ensanduichado) tem seguido a mesma estratégia que Sarkozy usou em França, de explorar alguns dos temas caros à extrema-direita da Frente Nacional. É justo dizer que Orban tem feito isto com pinças (a estratégia fracassou em França) e tem sido inflexível nas questões raciais. Defensor de uma doutrina social cristã, o primeiro-ministro opõe-se a qualquer forma de violência.
O parágrafo anterior ajuda a entender a lei sobre símbolos políticos, que exclui as três tiranias do século XX, incluindo de nomes históricos que se transformaram em nomes de ruas. Na realidade, esta é uma medida para consumo interno que visa impedir a franja lunática do Jobbik de utilizar símbolos ligados aos fascistas húngaros. A decisão é polémica, mas a foice e martelo ou a estrela vermelha ficam proibidos de aparecer em reuniões políticas. No entanto, perante a inexistência de partidos comunistas, a questão coloca-se apenas para a extrema-direita.