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Forte Apache

Shock and awe

José Meireles Graça, 06.10.12

Já quase toda a gente percebeu que os cortes na despesa pública são necessários, que a orgia da despesa a crédito arruinou famílias, o país e os bancos (estes sem desculpa, nem perdão, nem castigo), que alguma coisa se tem que fazer para que as mulheres tenham filhos, que é preciso produzir mais bens, ou bens mais caros, e vendê-los ao exterior, e que talvez não tenha sido grande ideia importar o peixe, e a carne, e o mais que temos, além do que não temos.

 

A montanha da dívida pública e da privada só é grande porque somos poucos e produzimos pouco. Just imagine: se todos os Europeus resolvessem meter a mão ao bolso para reduzir o nosso endividamento total a zero, nem precisavam de gastar 1000 Euros cada um, num ano - peanuts.

 

Mas também é líquido que ninguém nos vai dar nada, como é certo que até mesmo emprestado é a refilar, caro e com condições de bancário arrogante. E é aqui que bate o ponto: se a importância da dívida se mede em relação ao produto, este podia fazer o favor de parar quieto, para fazermos contas. Mas não: ao cortarmos a despesa o produto encolhe porque o consumo diminui. E assim deveríamos saber quando é que, tendo cortado o suficiente, poderemos recomeçar a crescer.

 

Para já, não estamos a falar de superavits orçamentais. E, sem eles, a dívida pública continuará a crescer, ao menos nominalmente. E como ninguém sabe onde está, se está, o ponto de equilíbrio, a dívida pública também continuará a crescer em percentagem do produto, até onde a vista alcança.

 

Acreditar assim que o que estamos a fazer vai resultar é um artigo de fé. Como é pacífico, desde parte do PS para a direita, que o Estado tem que se reformar, e como não há alternativa credível ao Governo do dia, toleramos a brutalidade do ajustamento em nome da impotência e na esperança de que, qualquer que seja o desenlace, alguma coisa de bom fique.

 

Magro consolo e triste falta de ambição. Porque os comunistas e a esquerda florida têm em parte razão: a troika precisava de um murro na mesa, não em nome da Cuba europeia que desejam, nem da autarcia económica que defendem, nem da manutenção dos níveis de despesa pública, que não são possíveis - isso foi o que nos trouxe onde estamos e de toda a maneira o crédito acabou - mas do crescimento.

 

Fé por fé, a minha está na saída do Euro - empobrecemos todos de uma vez, nos mesmos 30 ou 40%, corte que não terá naturalmente a a mesma importância para todos, porque uns sofrerão o corte na riqueza e no supérfluo e outros no necessário - mas isso já sucede, e sem esperança. Rilhamos cacos, mas recomeçamos a crescer - do fundo. E se o PS for o herdeiro da convulsão, suspender a reforma do Estado e embarcar nas fantasias despesistas que lhe são congénitas, lá estará a moeda vigilante para sinalizar e corrigir, tant bien que mal, via desvalorização, o disparate.

 

Mas há um estranho bloqueio no espaço público português: a Europa não se discute, apenas se discutem os meios delirantes pelos quais uma minoria de cidadãos, que são no conjunto os dos países em crise mais aguda, há-de dizer à maioria quanto têm que pagar, e quando, e como. Isto enquanto toda a independência, toda a autonomia de decisão, já se evaporaram, ao mesmo tempo que todo o aparelho democrático se tornou numa concha vazia, por uns colégios de uns merdas desconhecidos terem na ponta das esferográficas mais poder que os deputados, e o Governo, e o Presidente que nos demos ao trabalho de eleger.

 

Não discutam, não. Talvez seja melhor: no fim, como sempre, o que tem que ser tem muita força. 

Solidariedades na Europa

Carlos Faria, 27.09.12

Muitos defendem que a ultrapassagem da crise das dívidas soberanas na zona euro passaria pelos eurobonds, onde na prática haveria uma compartilha das dívidas soberanas entre os Estados pobres e o ricos. Reconheço que isto seria de facto uma forma de solidariedade interestadual na eurozona. Todavia, goste-se ou não, seja justo ou não, esta ideia esbarra sempre com preconceitos em confronto:

- a desconfiança dos mais ricos de que os mais pobres perante a solidariedade não se sabem conter e assim continuam a gastar mais do que podem; e

- a ideia de que a crise não é da responsabilidade dos mais pobres, pelo que é justo que os ricos a paguem e sejam solidários, até porque precisam dos mais pobres.

Penso que nas ideias extremadas nunca está a verdade e no que toca à solidariedade entre povos em nada distingo o facto da Finlândia e a Alemanha não quererem eurobonds para não pagarem os “excessos” sulistas; do reacender da ideia independentista da Catalunha mais rica que não quer contribuir solidariamente para outras províncias mais pobres do reino de Espanha, apesar de não ter sido capaz de não se endividar com dinheiro que lhe coube nesta repartição solidária das riquezas pelo domínio de Madrid; e das regiões Autónomas Portuguesas serem muito rápidas a pedir solidariedade nacional ou protestarem sempre que Lisboa não lhes cobre as dívidas e lhes exige austeridade ou ainda, quando beneficiária dessa solidariedade, não se endivida a curto-prazo e se recusa a sacrificar-se em favor do todo Nacional.

Na política real europeia e independentemente da escala, todos apelam à solidariedade e fogem de cumprir os encargos assumidos quando em dificuldades, mas recusam-se a ser solidários quando a crise bate à porta do vizinho, isto porque se criou um modelo de democracia que promete apenas uma melhoria continua da qualidade de vida associada ao poder de compra de forma ilimitada num planeta limitado e num Continente que durante milénios sacrificou povos e continentes para que países e impérios seus enriquecessem.

A resistência às reformas e a profecia dos cépticos

Luís Naves, 04.09.12

A blogosfera de esquerda espera uma catástrofe iminente e aposta em descrever a realidade como sendo um filme de terror a acelerar. A tese, que li em múltiplos locais, é a seguinte: a Grécia vai ser expulsa do euro (esse facto está ao virar da esquina) e Portugal cai logo a seguir. Sendo todos os sacrifícios inúteis, as reformas devem parar o mais depressa possível, cumprindo-se assim a profecia. Os portugueses não devem fazer mais sacrifícios, pois a estratégia do Governo está a falhar. A tese é apresentada com várias nuances (rasgar o memorando, fintar o memorando, renegociar o memorando, mas nunca se fala em cumprir o memorando).
A ideia não nasceu na blogosfera, mas também está na imprensa, onde o executivo tem servido como saco de pancada. A troika diz que o programa de ajustamento é do Governo? Conclusão imediata, em título de notícia: “Troika culpa Governo pelo falhanço”. Seria quase divertido, se não estivesse em causa o País.

 

Onde é que eu já ouvi isto?

Sérgio Azevedo, 25.08.12

Hollande, essa grande esperança do socialismo, entende que a Grécia deve "provar a credibilidade" dos seus compromissos internacionais pois, segundo Hollande, "vive-se um momento em que é preciso assumir compromissos" e que a "Europa tem de ter consciência que já tudo foi feito" em prol da Grécia. Nem Sarkozy teria dito melhor...

Em frente ao Cabo das Tormentas

Luís Naves, 24.07.12

Por vezes, ao lermos as notícias, elas parecem sustentar a narrativa habitual de que estamos perante uma espécie de Cabo das Tormentas, guardado pelo gigante Adamastor, e de que mais valia voltarmos para trás.

 

Lembram-se do que ouviram há um mês sobre a execução orçamental até Maio? Que o défice ia para 7,9%, que já estava seis vezes acima do de 2011, que a recessão aumentava, que era preciso parar imediatamente com a austeridade e apostar em políticas de crescimento? Afinal, passadas umas semanas, o que ocorreu no primeiro semestre não anda longe das previsões: o País consegue cortar na despesa pública e as receitas nem são assim tão más, considerando que a economia está a cair 3% este ano (como é que o programa de ajustamento tinha um aumento tão grande de receitas)? Não há volta a dar, a notícia é positiva e na medida em que o PIB está a cair menos depressa, a receita é susceptível de melhorar um pouco nos próximos meses. Mesmo que o défice fique um ponto acima do objectivo ou algumas décimas, o País deverá conseguir um ajustamento nas contas públicas superior a dois pontos percentuais de PIB. É isto que os credores vão constatar, o que explica a abertura para a suavização das metas, desde que o Governo acelere o ritmo das reformas estruturais.

Portugal e Irlanda estão a cumprir os programas de ajustamento, isto ao contrário da Grécia, que há dois anos falha sistematicamente. O novo governo grego queria propor um conjunto de cortes menos ambicioso do que aquele que era pedido e o FMI ameaçou não fazer mais pagamentos. Esta notícia foi interpretada por muitos analistas nacionais como o fim iminente do euro e prova adicional de que a Europa perdeu toda a solidariedade entre parceiros. O mais que provável resgate espanhol produziu a mesma reacção: segundo esta tese, os líderes europeus estão a afundar a zona euro por não ajudarem os parceiros em risco, para mais num contexto de silêncio que consideram cobarde. A ideia é aqui defendida por Viriato Soromenho Marques, uma das vozes lúcidas deste debate e um dos melhores cronistas da Imprensa.


 

 

Os salvadores da pátria

Pedro Correia, 10.07.12

A economia, à escala europeia, conhece as monumentais dificuldades que todos sabemos. Apesar disso, ou talvez por causa disso, não tropeçamos numa pedra na rua sem vermos sair de lá meia dúzia de improvisados economistas carregados de soluções mágicas para solucionar todos os problemas. Que esses economistas de circunstância não tenham o menor conhecimento da ciência que dizem dominar é um pormenor de somenos: basta-lhes dois pós de retórica e três citações dos mestres da moda (Krugman, Roubini e Stiglitz) para debitarem as suas teses capazes de ressuscitar a prosperidade nesta Europa com a corda na garganta.

Faltam de repente dois mil milhões de euros para cumprirmos os compromissos acordados com os nossos credores internacionais? Não tem importância: proceda-se de imediato a cortes nos "cerimoniais do estado", proclama um destes improvisados génios da economia. Certamente convicto de que a poupança em amendoins e tremoços garante o passaporte automático ao pagamento de salários, pensões e prestações sociais à margem das estritas regras de disciplina orçamental impostas pelo acordo de assistência financeira negociado in extremis com as instituições internacionais que concedem crédito ao Estado português.

 

Andamos a brincar com coisas demasiado sérias, entretidos em oratória de salão, como se não víssemos as chamas a arder nas casas em redor.

Numa altura em que o sistema financeiro espanhol está em risco de derrocada.

Numa altura em que o Executivo de coligação entre socialistas e comunistas que governa a Andaluzia - a mais populosa região de Espanha - aprova a subida de impostos e a redução dos salários dos trabalhadores da administração pública.

Numa altura em que Chipre - único país da Europa com um Presidente comunista - solicita um auxílio internacional de emergência que deverá totalizar dez mil milhões de euros.

Numa altura em que o Governo italiano anuncia o despedimento de 10% dos funcionários públicos e a eliminação de mais de metade das províncias - numa reforma administrativa sem precedentes motivada pelo astronómico montante da dívida pública.

Numa altura em que até a França necessita urgentemente de cortar 43 mil milhões da sua despesa, admitindo-se já a redução de benefícios sociais e do número de funcionários, o que terá contribuído para a rápida queda de sete pontos percentuais da popularidade do novo inquilino do Eliseu, François Hollande.

Numa altura em que da Finlândia vem um aviso que deve ser levado em conta: Helsínquia recusa continuar a pagar as dívidas dos outros países que integram a zona euro. Outros países poderão em breve ameaçar fazer o mesmo.

 

Em Portugal, indiferentes à realidade circundante, os mais diversos protagonistas ocupam a todo o momento os púlpitos mediáticos em pose e tom de salvadores da pátria: propõem medidas populistas destinadas por um lado a colher aplausos fáceis enquanto por outro agravam os riscos da execução orçamental e condicionam ainda mais o que resta da nossa soberania.

Como se permanecêssemos mergulhados nos anos de ilusória prosperidade que conduziram à situação actual e a Europa, enquanto projecto de unidade económica e política, não estivesse hoje em sério risco.

Publicado também aqui

A discussão dos chapéus

Luís Naves, 06.07.12

Muito interessante a reacção ao meu post mais abaixo, sobre o caso Relvas. Escrevi o texto para concordar com outros autores e com a consciência de que o assunto é um fait divers. O meu comentário revela a pouca importância que dou ao caso, na linha das opiniões que, nas horas seguintes, vários políticos manifestaram. Mas os leitores não entendem que eu possa desvalorizar um assunto destes.
A forma como muitos portugueses se prendem a questões minúsculas em tempos de crise não é nova. Nos meses anteriores à proclamação da República, os meios jornalístico-tertulianos (no fundo, era o equivalente à actual blogosfera) fervilhavam com discussões eternas sobre coisas laterais. O país tinha imensos problemas, mas casos irrelevantes eram transformados em causas patrióticas.
A Rainha D. Amélia era o Relvas daquele tempo. Tudo o que fizesse servia para uma corrente de notícias indignadas que se somavam ao caso dos chapéus comprados em Paris a preços insultuosos para o povo português.

O ambiente geral de insurreição foi criado com paciência e deu origem a uma revolta mal organizada, ou meio espontânea, que podia ter resultado em desastre para os republicanos. Os revoltosos estiveram a minutos da derrota, mas resistiram nas primeiras horas e organizaram as barricadas com muita sorte à mistura, já que os militares monárquicos cometeram erros de avaliação e podiam ter desbaratado o golpe antes do pequeno-almoço. Os verdadeiros heróis do dia, alguns oficiais que arriscaram a sua vida na Rotunda, acabariam mais tarde por ser assassinados como traidores pelas franjas lunáticas que tinham dado de frosques nas primeiras acções.
Com o andar dos anos, a euforia revolucionária deu origem ao caos e depois ao desalento. O país continuou pobre, pouco democrático e distante do resto da Europa.

 

O mito da grande ilusão

Luís Naves, 26.06.12

Em posts anteriores, procurei explicar o que está em causa no Conselho Europeu de quinta e sexta-feira. A opinião pública continua a ser exposta a mitos que dificultam a compreensão dos factos e não há entendimento entre os dois maiores partidos sobre a declaração parlamentar que é suposto reflectir a “posição portuguesa”. A primeira circunstância é nociva e permite que um partido com altas responsabilidades na crise nacional se dedique a joguinhos de pequena política.
Em Portugal, continua a falar-se de eurobonds como se estes fossem uma panaceia muito fácil e que se encontra ao virar da esquina. Os eurobonds já estão fora da negociação. Por outro lado, a posição alemã continua a ser descrita como uma aberração, autêntico capricho de uma mulher teimosa que nem sequer tem o direito de ser identificada pelo título. Isto não é inocente: ouço sempre a “senhora Merkel”, nunca a “chanceler” ou a “líder” alemã. Nestes termos, a posição da Alemanha nas negociações não pode ser compreendida.

 

A discussão europeia dura há ano e meio e foi acumulando uma série de temas inseparáveis: os resgates, em particular, o da Grécia; o Tratado Orçamental; o Mecanismo de Estabilidade; as dívidas soberanas da Espanha e Itália; a ligação entre bancos e dívidas soberanas; a crise financeira e a contracção do crédito às empresas; o aumento dos poderes do BCE; o abrandamento económico; o aumento do desemprego; a insatisfação dos eleitores; a mutualização da dívida europeia.
Julgo ser pacífico que os líderes europeus querem salvar o euro e continuarão a financiar os resgates dos países que perderam acesso aos mercados financeiros. Em troca, exigem reformas estruturais e o cumprimento dos programas de ajustamento. O tratado e o mecanismo são elementos fundamentais para que a zona euro ganhe credibilidade, mas faltam elementos, sobretudo definir os poderes e legitimidade do futuro ministro europeu das finanças (governo económico, no jargão europeu). A questão financeira é a mais atrasada, pois passa pelo reforço da influência do BCE, havendo elementos em discussão, a saber: até que ponto irão os novos poderes de supervisão do banco central? Até que ponto irá a federalização da instituição? Ela poderá emprestar dinheiro a Estados? E há a questão inversa no Mecanismo Europeu de Estabilidade, pode este órgão emprestar dinheiro a bancos?

 

Desviar para canto...

Luís Naves, 19.06.12
 
No debate sobre a crise europeia, instalou-se um poderoso mito segundo o qual os problemas dos países endividados têm origem na austeridade e de que há uma saída mágica, de políticas de crescimento, para resolver tudo numa única jogada. A narrativa distorce a realidade, é politicamente motivada e não permite compreender o que se está a passar. Trata-se, no fundo, de uma forma de desviar para canto, típica das discussões onde o lugar-comum dá vantagem aos discursos superficiais. 
Repetindo simplificações (geralmente americanas), muitos autores da blogosfera continuam a pensar que a Europa não tem liderança ou que o euro é uma monstruosidade. Outros, à esquerda e à direita, repetem a ideia de que a crise se explica pela incrível estupidez da chanceler Angela Merkel, sempre designada 'senhora Merkel', para sublinhar que se trata de uma mulher (e alemã, ainda por cima). Nunca lhe é dado qualquer desconto, nem sequer a legitimidade de defender os interesses do país que a elegeu.
Poucos explicam que, a nível europeu, as negociações estão avançadas na ideia de lançar uma união bancária, projecto que exigirá vários anos. Quando isso estiver concluído, os países não terão os mesmos poderes sobre a sua banca. Imaginem um supervisor europeu a exigir o desmantelamento de um banco português. E, no entanto, para estabilizar a moeda única, isto será necessário, pelo menos o compromisso de que existirá um tal mecanismo. O eleitorado está preparado? É óbvio que não. Por isso, as verdadeiras soluções serão lentas.