A revolta
A recente berrata dos banqueiros, unidos aos sindicatos e até aos très ancien de Verdun do regime convenceu-me nos últimos dias que este Governo esteve por enquanto a fazer a parte fácil do programa de ajustamento e está a entrar na parte difícil e mais importante, as chamadas reformas estruturais. Basta ler a blogosfera (de direita e esquerda) para perceber o fenómeno da revolta dos grupos de interesses. Decretar cortes nos salários de funcionários públicos e decidir aumentar impostos é impopular, mas relativamente fácil, se compararmos com os chamados direitos adquiridos que protegem alguns grupos e saem caros à generalidade dos cidadãos.
É o caso das empresas públicas repletas de boys partidários que ninguém sabe o que fazem, dos transportes ruinosos, da lei das rendas que protege os inquilinos e as suas famílias, das autarquias gastadoras, da política de energia, dos monopólios e cartéis, das dezenas de milhares de micro-empresas dispensadas de pagar impostos, das coutadas profissionais inimputáveis (jornalistas, juízes, taxistas, advogados, professores, médicos), da indústria farmacêutica, dos cineastas incompreendidos, da Igreja, dos reformados antecipados com reformas muito baixas, dos estudantes que não precisam de estudar, dos utentes disto e daquilo (também dispensados de pagar a conta).
Ao entrar na parte que verdadeiramente dói e que mexe com grupos instalados, o Governo vai agora acordar o vespeiro. As primeiras reacções na área dos transportes foram significativas e ali era fácil argumentar do ponto de vista governamental, dada a dimensão da dívida acumulada pelas empresas. A reacção dos banqueiros foi espantosa, a meu ver, e mostrou quem de facto manda no país, os lobbies. Os bancos vão receber dinheiro que os contribuintes ficam a dever, mas queriam um programa sem exigências do credor, semelhante ao americano (o mesmo que deu origem aos movimentos Tea Party e Occupy Wall Street, já que a opinião pública ficou indignada com a compra de jactos e a atribuição de dividendos hiperbólicos). E não ouvi um único político de esquerda a defender a prudência do Executivo.
Até agora, houve um recuo importante, na dívida das autarquias, mas julgo que este Governo tem mostrado intenção de reformar Portugal nos próximos dois anos. Veremos. Não será fácil enfrentar os lobbies, mas a alternativa é ficar como a Grécia ou a Itália, dois países no purgatório, por não terem líderes capazes de mudar um milímetro das suas sociedades, habituadas a uma estranha forma de vida, imutável e cara.