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Forte Apache

"A política é um jogo sujo", mesmo ao serviço do Bem

Alexandre Guerra, 27.04.12

Agora, depois de o ter visto, este apache percebe porque é que o All The King’s Men (1949) é um daqueles filmes obrigatórios para quem trabalha em comunicação política.

Vencedor de três óscares da Academia, incluindo Melhor Filme, e baseado na obra homónima de Robert Penn Warren, de 1946, laureada com o Pulitzer no ano seguinte, All The King’s Men conta a história da ascensão política de Willie Stark nos anos 30 num Estado pobre dos Estados Unidos que, com a sua base de apoio assente nos “hicks” (provincianos, labregos), conquista o poder e o vai mantendo a todo o custo. Porque, a verdade é que a “política é um jogo sujo”, mesmo que esteja ao serviço do “Bem”.

A seu lado, Willie Stark tem Jack Burden, um antigo jornalista, que, acreditando no homem e no político, passa para o “outro lado” e se torna no seu assessor mais próximo.

O filme começa precisamente com Jack Burden, ainda repórter político do “Chronicle”, a ser chamado ao gabinete do seu editor. Este pergunta-lhe se já ouviu falar num tal de Willie Stark. Ao que Burden responde não.

É então que o editor lhe diz que se trata de um político de Kanoma City, uma capital de comarca “típica, quente, poeirenta e remota”, que se vai candidatar a um cargo público no “county council”.

E perante esta informação aparentemente algo inócua e sem interesse jornalístico, Stark pergunta: “E o que tem isso de especial?”

“Dizem que é um homem honesto”, responde o editor.

 

É neste discurso que Willie Stark, falando com paixão e com sinceridade ao povo, inverte a tendência negativa da sua primeira campanha eleitoral para Governador. Acabaria por perder, mas longe de ser a derrota estrondosa que muitos previam. Na altura em que soube os resultados eleitorais, anunciando a sua derrota, Willie Stark sorriu. Alguém perguntou-lhe porquê e ele respondeu: "Agora perdi, mas aprendi como se ganha!"

Intervalar ou não intervalar

Mr. Brown, 19.03.12

Detesto intervalos no cinema. Quando começo a ver um bom filme gosto de vê-lo do princípio ao fim sem distracções várias que me perturbem a concentração. Em parte, esse é também o motivo porque detesto o 3D. Como se não bastasse o incremento no preço do bilhete, não me queiram meter a ver um filme a usar óculos. Dizem que é o futuro, deixem-me com o passado. Mas voltando ao intervalo: faço cedências. Por exemplo, O Senhor dos Anéis, o Regresso do Rei, 201 minutos, vi-o com intervalo no El Corte Inglês e não me queixei. Mas naquela faixa entre os 90 e os 150 minutos, não me lixem. Não há negócio das pipocas que compense o estragar de um filme.

Vem isto a propósito de um filme que começou a passar ontem na RTP. Digo começou porque não acredito que tenha acabado. La meglio gioventù, 366 minutos, realizado por Marco Tullio Giordana. Estamos, como compreenderão, perante outra excepção. É o tipo de filme que pode facilmente dar em mini-série de televisão. Aliás, sete horas é garante de insucesso na bilheteira. Mas abençoado Marco Giordana por se ter metido em tamanha aventura. O filme é bom, muito bom, o tempo passa a fugir e levamos com o melhor de uma certa tradição do cinema italiano que tem uma enorme capacidade de nos sensibilizar, como - para não ir mais longe e ficando por obras mais recentes - nos demonstram os notáveis Nuovo Cinema Paradiso ou o La vita è bella.

Ainda no domínio dos filmes longos, há outro italiano que não esqueço. Novecento, 317 minutos, realizado por Bernardo Bertolucci. Requisitado na biblioteca local, comecei a vê-lo sem saber no que me metia. A rapariga da biblioteca lembrou-se de só me disponibilizar um dos cd's e eu não fazia ideia que o filme eram dois. O filme ia com três horas e eu bem pensava que àquele ritmo não estava a ver onde a história pretendia ir parar. Pois parou a meio e acabei por decidir não requisitar o cd em falta. Desde então, e no que a este filme diz respeito, estou no chamado intervalo interminável. Talvez um dia...

Para terminar, a referência a um dos meus filmes favoritos: Das Boot de Wolfgang Petersen. Há versões para todos os gostos desta maravilhosa e aterradora viagem à vida num submarino alemão durante a segunda guerra mundial, mas na minha opinião este é um daqueles casos em que quanto maior, melhor. Podem ficar pelos 150 minutos da versão originalmente lançada para o cinema ou pelos 209 minutos do director's cut, mas ideal mesmo é procurarem a versão sem cortes exibida na televisão em formato de mini-série. São 293 minutos que merecem ser vistos de seguida. Vá lá, com um ou outro intervalozinho pelo meio.

"Sem surpresas": é jornalismo preguiçoso

Pedro Correia, 27.02.12

 

Já escutei hoje mais de dez vezes a frase "sem surpresas" referente à distribuição dos Óscares. Se não há surpresa, não há notícia. Mas houve notícia. O cineasta galardoado com a estatueta de melhor realizador é francês (quantas vezes isso já sucedeu na história da Academia de Hollywood, ó jornalistas nada surpreendidos?). A película vencedora, O Artista, é uma produção franco-belga (lembram-se da última vez em que isto sucedeu ou se alguma vez ocorreu nestas oito décadas de distribuição dos Óscares, caros amigos?). O actor que recebeu o prémio para o melhor desempenho masculino, Jean Dujardin, é também francês (digam-me, por favor, qual foi o actor fancês que antes dele levou um Óscar para casa). E Christopher Plummer, veterano de longas-metragens que há muito fazem parte do imaginário universal, como Música no Coração, foi o mais velho actor de sempre a conquistar uma estatueta, neste caso destinada a premiar o melhor desempenho secundário.

Limitei-me a anotar algumas novidades em poucos minutos, ao correr da pena. Outras houve que poderia igualmente sublinhar aqui - do Óscar de melhor argumento original para Woody Allen por um filme de produção europeia até ao cineasta iraniano distinguido com o prémio para melhor filme de fala não-inglesa.

Mas reconheço que é muito mais fácil iniciar notícias com o chavão "não houve novidades". Marca de um certo jornalismo preguiçoso que permanece instalado entre nós.

Imagem: Jean Dujardin e Bérénice Bejo numa cena d' O Artista

Começos

Mr. Brown, 30.01.12

Era suposto sair um post sobre o Livro Negro do Paul Verhoeven e o Sedução, Conspiração do Ang Lee, mas são tantos os artigos que uma pesquisa rápida pelo google disponibiliza onde os dois filmes são comparados que decidi aproveitar a porta que tinha aberto para ir ao começo da carreira de ambos os realizadores. Paul Verhoeven é conhecido sobretudo pelo seu trabalho em Hollywood, mas na minha opinião os seus melhores filmes foram feitos em terras holandesas. Um é o recente e já referenciado Livro Negro, para encontrar o outro é preciso ir até 1977 e dar com O Soldado da Rainha, um retrato baseado em factos reais da resistência holandesa durante a segunda guerra mundial. Já Ang Lee terá entrado no circuito mainstream com a sua adaptação da obra de Jane Austen, Senso e Sensibilidade, mas antes disso realizou uma trilogia, sob a temática «father knows best», que deixava evidente boa parte dos atributos que fazem do realizador taiwanês um dos melhores na sua arte. Dessa trilogia gosto particularmente dos dois últimos, ambos nomeados na categoria de melhor filme estrangeiro nos Óscares: O Banquete de Casamento e Comer Beber Homem Mulher. Para efeito deste post, vou concentrar-me no último.

J. Edgar - Quando Leonardo não é Hoover

Fernando Moreira de Sá, 29.01.12

 

Nos últimos anos evito ir ao cinema e prefiro ficar, calmamente, a ver os meus filmes preferidos em casa. Não tanto pelo ruminante barulho dos comedores de pipocas (eu até gosto de pipocas) - o conceito das salas de cinema em barda dos centros comerciais permitiu dar a conhecer o elevado número de portugueses que comem pipocas de boca aberta!

Não, o problema maior, no meu caso, foi a chegada dos telemóveis. Primeiro com a malta que, educadamente, não desligava o som aos telemóveis. Mais tarde, a grande elevação e respeito pelo vizinho de atenderem as chamadas e agora, tendo a marralha aprendido a colocar os bichos em silêncio, o maravilhoso clarão dos ditos aparelhos sempre que uma sms é trocada com elevado denodo. Enfim.

Mesmo assim, como sou um despistado, por vezes esqueço a realidade e vou ao cinema. O preço dos bilhetes está, vou ser simpático, puxadote. Como a oportunidade e respectiva disponibilidade é rara, procuro escolher filmes de realizadores que aprecio, histórias que me fascinam ou então aqueles cujos efeitos especiais só podem ser devidamente apreciados numa sala de cinema. Fora isso, nem arrisco.

Foi o caso do filme "J. Edgar", de Clint Eastwood. A história de Hoover é fascinante. Os filmes de Clint Eastwood costumam ser fantásticos. Nem hesitei. Após os primeiros 20 minutos fiquei sem palavras. Que enorme balde de água fria. Uma história fantástica e com pano para mangas. Um filme com tudo para dar certo que se transformou, na minha opinião, que vale o que vale, num fiasco. Leonardo DiCaprio nunca conseguiu ser J. Edgar Hoover e apenas Naomi Watts convenceu. Só não me "pirei" no intervalo pelo enorme respeito a Clint Eastwood que tanto admiro. Uma grande história estragada por um actor esforçado que nunca, nem por sombras, nos consegue convencer que é Hoover. Que pena. Que desperdício.

To Live or not to live

Mr. Brown, 07.01.12

Agora que os chineses entram na EDP, um pouco de história chinesa não faz mal a ninguém. A esse propósito há dois filmes que muito recomendo, são eles o Adeus minha Concubina e o Viver. Produtos de 1993 e 1994 respectivamente, estes representarão as duas visões mais interessantes e bem conseguidas, ainda que não totalmente coincidentes, dos períodos mais tumultuosos do século XX chinês (O Papagaio de Papel Azul é outro filme que costuma ser incluído no grupo, mas no que a este post diz respeito fica à margem). E nesse objectivo ambicioso a que os realizadores se propuseram, o de retratar a história de um povo durante um período agitado de mais de 50 anos - que inclui a ocupação da China pelos japoneses; a guerra civil que resultou na ascensão ao poder dos comunistas; o Grande Salto em Frente; e a Revolução Cultural -, ambos recorreram à literatura que pela mão de Lilian Lee no primeiro caso e Yu Hua no segundo haviam escrito o material que serve de suporte ao argumento, se bem que os livros quando comparados com os filmes sejam obras menores. Os realizadores esses são Chen Kaige e Zhang Yimou, os dois expoentes máximos da que ficou conhecida como a Quinta Geração, uma geração nascida dos destroços da Revolução Cultural e que, paradoxalmente, revolucionou o cinema chinês, sempre com um olhar muito crítico para com o regime vigente, para grande insatisfação deste que nunca se coibiu de lhes fazer a vida negra.

Ambos os filmes contam como protagonista com a - vou ficar pelo uso de um único adjectivo, sabendo à partida que é pouco - fascinante Gong Li, diva do cinema chinês que acompanhou profissionalmente os dois realizadores em muitos outros filmes e manteve uma relação íntima com Yimou que, para lamento de muito cinéfilo, terminou no ano seguinte à exibição de Viver, pondo fim a uma das maiores e mais bem sucedidas duplas que o grande ecrã conheceu (ainda que anos mais tarde, sem a mesma chama, tenham-se reencontrado em A Maldição da Flor Dourada). Comum é também a presença do actor Ge You, num papel menor em Adeus minha Concubina, mas presença maior em Viver, pelo qual recebeu o galardão de melhor actor no consagrado festival de Cannes. A acompanhar Gong Li em Adeus minha Concubina nos papéis principais estiveram o calmeirão Zhang Fengyi e o - não consta que tenha recebido algum prémio de maior pelo seu desempenho, o que mostra como o mundo é injusto - Leslie Cheung, na pele de um personagem homossexual, papel que mais tarde veio a revelar-se também era o seu na vida real.

 

 

Na história propriamente dita, o filme de Chen Kaige, que se prolonga ao longo de quase três horas, desenvolve-se em torno de um triângulo amoroso e aproveita uma coisa tão tradicional como a Ópera de Pequim - que proporciona imagens lindíssimas - para demonstrar o efeito das várias mudanças bruscas pelas quais a sociedade chinesa passou no período em análise. Inesquecível será a cena da revolução cultural, quando os três personagens são forçados a confrontarem-se entre si e solta-se o que de mais negro há dentro de cada um. A partir dai segue-se uma melancolia sem fim que fará soltar a lágrima ao espectador mais emotivo. Já no filme de Zhang Yimou, o tradicional também está presente na forma do espectáculo de fantoches que serve de ganha pão ao personagem principal. Escusado será dizer que ambas as tradições acabam esmagadas pela fúria do "progresso" revolucionário.

No que a cenas marcantes diz respeito, Viver também tem a sua quota parte, para registo fica a da maternidade de um hospital onde os médicos seniores, sob a acusação de serem colaboradores das forças burguesas e capitalistas, foram presos e substituídos por jovens inexperientes amantes da revolução. Num ambiente assim, onde as regras rígidas e absurdas imperam, a tragédia está permanentemente presente e o individuo, subjugado a ser peça na engrenagem de uma máquina colectiva imparável, acaba confrontado com resultados que fogem ao seu controlo mas são consequência das suas acções, o que origina um sentimento de culpa individual difícil de suportar e de lidar. O tema é recorrente na obra de Yimou - por exemplo, na história de Songlian em Esposas e Concubinas e na de Xiao Jingbao n'A Tríade de Xangai -, mas com o Xu Fugui de Viver as coisas chegam ao ponto de este alegrar-se com a irresponsabilidade passada - a perda da fortuna familiar no jogo - por esta lhe ter permitido melhor sobreviver no contexto da nova ordem instituída - onde não seria confundido com um burguês endinheirado. É o mundo ao contrário. Mas é também o instinto de sobrevivência em acção. Um instinto que mesmo quando confrontado com os maiores infortúnios vai mantendo os personagens principais agarrados à vida. O instinto e um permanente sentido de esperança, presente no fim do filme quando Xu Fugui, perdida a ilusão, deixa cair o comunismo, mas mantém viva perante o neto a promessa de uma vida que «só irá melhorar».

Fosse qualquer um destes filmes comparado com um combate de boxe e ficaria claro que ambos os realizadores haviam ganho por knockout. Entre outros, no tapete, derrotado, quedaria-se Mao Tse-tung e a sua revolução.

Oh George! Deixa o Indy em Paz!

Ricardo Vicente, 30.11.11

Segundo o DN, que cita a revista Empire, que por sua vez cita Steven Spielberg -  George Lucas está a escrever o guião para um quinto filme do Indiana Jones.

 

Depois da bosta que foi o Indy 4 e depois dos três primeiros filmes (e a série de televisão do "jovem Indiana Jones") serem já uma obra acabada, completa, perfeita - para que é que o George ainda insiste em mais guiões? Já há três filmes inultrapassáveis (e uma série que desenvolveu ainda mais a personagem). Aquela obra, a personagem, a fantasia estão prontos, completos. Tudo o que vier agora, incluindo o quarto filme, já é um excesso, um apêndice que só serve para ir inquinando a memória e os sonhos anteriores. Vender mais uns bilhetes de cinema não compensa a depreciação daquelas obras-primas no imaginário global.

 

Oh George, larga lá o guião e vai mas é ler o Vergílio Ferreira!! O que está acabado, findado está e é nesse fim que as coisas se completam e ganham o seu sentido definitivo. Tudo o mais é bosta.

Almodóvar sin Almodóvar

Francisca Prieto, 26.11.11

 

O novo filme do Almodóvar é estranho. Muito estranho.

Todos os filmes de Almodóvar são estranhos, mas este ultrapassa uma fronteira inédita. Porque este filme podia não ser de Almodóvar.

Com uma direcção exímia, uma história poderosa e vários episódios chocantes, o filme podia ter sido realizado por qualquer bom realizador, que não Almodóvar.

 

Faltam-lhe dois ingredientes primordiais para poder fazer parte da cinematografia almodóvariana: meia dúzia de pontos altos de humor prosaico e uns quantos pormenores kitsch, seja no décor, seja no guarda-fato, seja nos diálogos.

Se retirarmos à fita uma cena perfeitamente secundária em que há um pequeno mal-entendido entre medicação psiquiátrica e pastilhas da night e outro episódio em que aparece um homem mascarado de tigre, sobra apenas uma realização de mestre. Mas não necessariamente de Almodóvar.

 

Tendo assistido a um grande filme, fiquei profundamente desiludida. Apetecia-me mais salero.

Cleo & Johnny:

Fernando Moreira de Sá, 08.09.11

O momento em que Cleo, banhada em lágrimas, se despede do pai é profundamente perturbador. Naquele instante senti o estômago colar e medo. O verdadeiro medo de algum dia passar por semelhante calvário.

 

Somewhere, de Sofia Coppola, entrou directamente e a exemplo de “Lost in Translation” para a galeria dos grandes filmes da minha vida. Este filme é um retrato fiel destes tempos que, no fundo, pouco diferem dos anteriores excepto na forma livre como hoje tudo pode mudar. Um filme sem preconceitos nem lições de moral para o espectador. Um retrato. Um espelho de muitas vidas e outras tantas relações interrompidas com os filhos apeados no meio do caminho.

 

Somewhere é um filme perturbador. Pelo menos para mim. Perturbou-me. É isso que espero do cinema, que me surpreenda, que me conte uma história, que me deixe a pensar ou a sonhar. Senti, ao visionar Somewhere, o mesmo que sentira antes com “Breaking the Waves” de Lars Von Trier, ou “Simplesmente Genial” de Scott Hicks ou o mítico “Cinema Paraíso” de Giuseppe Tornatore.

 

Quando Johnny pára no meio de nenhures, com o seu magnífico Ferrari e parte, deixando tudo para trás, fiquei, literalmente, como um pugilista depois de uma valente esquerda: pendurado nas cordas inanimado.

 

Levantei-me, peguei no marlboro e no copo numa só mão enquanto com a outra puxei a minha mulher e fomos até à varanda fumar um cigarro olhando para a madrugado do nosso Douro. Saboreando o filme acabado de ver, não trocamos uma única palavra durante alguns minutos. Nada havia a dizer. A Sofia Coppola já tinha dito tudo. Em Somewhere, um filme apaixonante. Como a vida.