Excepto se aproveitados para uma ponte, os feriados civis provocam-me um indizível tédio - são ainda mais chatos que o Domingo. E dos religiosos gosto apenas por respeito difuso à tradição que a comunidade a que pertenço santificou há séculos, e ainda, em havendo crianças por perto, porque elas neles vêem encanto.
Dos discursos é melhor nem falar: o dia das Comunidades costuma ser um longo desfiar de inanidades, e nos feriados das mudanças de regime aproveita-se para "mensagens" e "recados", que diligentemente o Chefe de Estado, os representantes dos Partidos e um ou outro Senador propinam com generosidade.
A comunicação social excita-se com umas e outros, uma semana após o rumor esmorece - para o ano há mais.
De tanto discurso e tanta intenção benévola ou venenosa não resta, que me ocorra, uma linha memorável.
O 25 de Abril, porém, é diferente porque está ainda viva muita gente que o viveu. E isso faz com que não haja, na realidade, um único mas vários 25 de Abris. Lembro alguns: o dos militares que o fizeram, ou a ele aderiram, com maior ou menor risco pessoal; o daqueles que foram presos, exilados, prejudicados nas suas carreiras profissionais ou de alguma forma ofendidos pelo regime deposto; o dos que nutriam silenciosa antipatia pela Velha Senhora, mas, no interesse próprio e no das suas famílias, se abstiveram de a manifestar publicamente; o dos que o viveram como uma festa, mas eram demasiado novos para ter sentido a opressão sufocante do Salazarismo; e os outros, isto é, a maioria que tratava da sua vidinha e à política dizia nada, como a política nada lhes dizia, e que descobriu que, se berrasse o suficiente, se faria ouvir.
O primeiro grupo não era unívoco: irmanados na aversão a um regime que os condenava a uma guerra sem fim à vista, tinham que inventar à pressa uma doutrina que desse cobertura ideológica ao propósito do golpe de Estado, cujo motivo principal (carreiras sem futuro, exílio para longínquos teatros de guerra de guerrilha, intuição de que os ventos da História não sopravam para onde os responsáveis diziam que eles sopravam) não era fundamento bastante para um regime novo.
Daí o manicómio em autogestão a que se chamou o PREC: os militares não escolheram todos, no pronto-a-vestir ideológico, o mesmo figurino, e os pais da malta do 5Dias pescaram abundantemente naquelas águas revoltas, a ver se pariam uma democracia autêntica, com Trotzkys, Ches, Fideis e outros barbudos. Cunhal, a Raposa Branca, à espreita, que seria ele o herdeiro da bagunça e em devido tempo limparia o sebo aos desvios de esquerda, logo a seguir a tê-lo limpo à direita fascista e reaccionária.
O resto é conhecido: ganhou a facção "moderada", Soares e outros cavalgaram a imensa mole da população que não queria comunistadas, e Eanes ajudou a recolher os militares aos quartéis.
Os militares ganhadores, que ficaram pela maior parte na Associação 25 de Abril, e os civis que lançaram as bases do regime que temos, ficaram donos dele, e por conseguinte da comemoração deles, à qual ficaram românticamente associados os comunistas de todos os bordos porque foi linda a festa, pá, e ainda temos a Constituição.
Depois escolheram o Euro e a UE, enquanto vinha a globalização. E os ganhadores do regime não perceberam nada disso, e continuaram a festa como se não houvesse amanhã. Mas havia - é hoje.
E por isso não querem celebrar o 25 de Abril oficial. E têm razão - o 25 de Abril deles acabou.
Oxalá o outro, onde cabem todos e que não tem donos, subsista.