A proposta do Presidente da República é muito clara: uma estratégia e um calendário que garantam a médio prazo um acordo de regime sobre os indicadores fundamentais de política económica ( tal como o fez a Itália e, já há muitos anos, a Espanha ). Ser europeus, cumprir os nossos compromissos, criar capacidade de negociar melhores condições económicas e financeiras para o nosso ajustamento que permitam o investimento criador de emprego.
As eleições terão lugar quando os interesses nacionais estiverem salvaguardados: 14 mil milhões de euros para saldar a dívida emergente, orçamento de 2014 aprovado e compromisso de salvação nacional assinado. Os tempos exigem paradigmas diferentes : para continuarmos a ser uma democracia europeia estável e credível, os pressupostos de governação tem de ser alterados porque a crise que vivemos é completamente diferente de todas as outras que sofremos anteriormente.
Em suma, os interesses nacionais são superiores aos interesses partidários.
Eis uma asserção com a qual concordarão a maioria dos portugueses. O Presidente, através de uma proposta aos partidos, falou directamente para os portugueses. Hoje todos estão e estarão maioritariamente do seu lado.
Derrota em toda a linha dos partidos não democráticos, da tropa fandanga que transformou Soares num querido líder e das redacções que influenciam, ao não aceitar eleições antecipadas. À rua o que é da rua, à democracia o que é da democracia.
Derrota dos artifícios políticos que o CDS engendrou na semana passada: a solução que “fabricou” não é credível, é mais do mesmo, uma fuga para a frente irrisória que, passado a novidade do que parece que iria ser, continuaria a ser um estratagema para continuar a boiar numa situação que para ser resolvida necessita de uma ruptura. Com esta proposta o CDS vai comer um sapalhão : Portas queria ser o pêndulo entre o PSD e o PS, este acordo transforma-o num actor menor. Vai assinar porque tem que assinar, mas o seu destino é ser um actor secundário.
O PSD perdeu o pé, resultado da inabilidade política que tem demonstrado. Fez o que tinha de fazer para corrigir a bancarrota que herdou, mas ao contrário: em vez de reformar o Estado primeiro, preferiu ir aos bolsos dos portugueses, como faria o PS se estivesse no Governo. Passados dois anos, quando quer reverter a estratégia, fica à mercê do jogo de sobrevivência do seu parceiro de coligação. Perdeu o Ministro das Finanças que lhe garantia a credibilidade e o apoio dos portugueses. Perde agora a credibilidade que o Presidente não lhe reconhece para “mudar a governação “.Vai ficar a governar de forma instrumental e transitória.
E vai ter de aguentar-se.
Porque o PSD vai assinar o compromisso, ai vai vai. Com estes dirigentes e, depois, com os que os substituirão quando o PSD perder as eleições no próximo ano. Aliás, o programa político do futuro PSD será um programa europeu idêntico ao da aliança CDU/SPD do próximo governo alemão : rigor orçamental com crescimento económico.
O PS não pode dizer que não quer assinar, sob pena de perder eleitorado. Vai querer impor condições ao compromisso ( incluir o PC e o BE é a melhor forma de não haver compromisso nenhum, mas com o tempo será dispensado o artifício ), mas, ou assina o compromisso, ou as eleições que vier a ganhar em 2014 serão uma vitória de Pirro. Transitória e instrumental. O que o obrigará, finalmente, a enfrentar a parte de si próprio que sonha com amanhãs que cantam : durante o próximo ano os seus parceiros europeus vão demonstrar-lhe que ser esquerda europeia não é ser anti-europeu nas regras que todos, de acordo com as suas circunstâncias, têm de cumprir.
PS : A noite foi fértil para analisar a diferença entre a opinião pública e a opinião publicada. O a maior parte dos jornalistas chamados a oficiar e os comentadores que comentam tudo ( com honrosas excepções de José Gomes Ferreira, Joaquim Aguiar e Helena Matos ), como foram apanhados de surpresa e a sua narrativa foi posta em causa, reagiram corporativamente com as mais variadas teses do “ estamos contra”, “ é confuso “, “ foi agravada a crise”, etecetera. Quando a sua narrativa não corresponde à realidade, fica a descoberto o basismo dos seus argumentos, habituados que estão à pequena intriga que resulta da sua visão em pequenos mundos fechados.
Pelo contrário, os representantes dos partidos democráticos foram razoáveis e ponderados: todos de repente perceberam que o tempo que vem aí não é igual ao tempo que já passou.
A racionalidade vai superar a permanente futebolização da discussão política que explora o que é diferente, que não respeita o outro, que fecha os olhos ao que é comum. Quem ganhar as eleições obviamente cumprirá o seu programa eleitoral. Mas o seu programa eleitoral também incluirá o dever de defender o que é comum à viabilidade económica da democracia europeia.